Folha aposta em “instabilidade política” contra Dilma

Análise

Se fosse necessária mais alguma prova de que no ano em que o golpe militar de 1964 completa 50 anos a situação política no Brasil se parece como nunca com a daquele período trágico de nossa história, a convocação de uma segunda edição da infame Marcha da Família com Deus pela Liberdade no mesmo mês em que aquele golpe aniversaria elimina qualquer dúvida

Como há meio século, a imprensa brada contra a “incompetência do governo” na gestão da economia e “contra a corrupção”, porta-vozes da extrema direita reclamam (abertamente) uma “intervenção militar já”, as ruas são transformadas em praças de guerra com incêndios e depredações na via pública enquanto manifestantes portam cartazes e repetem frases insultantes a quem governa o país…

O que tudo isso faz lembrar a você que viveu os anos de chumbo?

Este ano, em pleno processo eleitoral, o povo brasileiro estará sob intensa pressão, como há 50 anos. Um grupo diminuto de extremistas políticos reuniu-se em alguma salinha e decretou que, a despeito de todos os investimentos em um evento de extrema visibilidade internacional, irá impedir, através da violência, a realização desse evento.

Manifestantes prometem atacar delegações de atletas estrangeiros com coquetéis molotov, prometem sabotar estádios de futebol para deixá-los sem luz durante os jogos da Copa e garantem que irão impedir as pessoas de se locomoverem pelas cidades-sede da competição…

O vexame internacional está sendo buscado com sofreguidão. Desmoralizar o Brasil tornou-se objeto de desejo de partidos políticos ditos “de esquerda” que, através do voto popular, não conseguem obter mandatos para implementarem seu ideário. Dizem, claramente, que querem mostrar ao mundo que não é seguro vir a este país.

Não obstante a ideologia “de esquerda” alardeada por esses partidos que estão convulsionando o país com seu repúdio tardio à Copa – esperaram as obras para o evento estarem quase todas prontas para começarem a protestar –, agora o movimento deles acaba de receber um reforço de peso.

Apresentadora de telejornal da emissora que Silvio Santos ganhou da ditadura militar vem entoando o mesmo discurso dos “esquerdistas” que acusam o governo Dilma Rousseff de ser responsável pela histórica situação de penúria dos serviços públicos no país.

Agora, a apresentadora Rachel Sheherazade se junta a esses “esquerdistas” no repúdio à Copa e convoca seus seguidores a participar de uma “marcha” que também promete protestar contra o evento no mesmo mês em que o golpe de 1964 completa 50 anos.

A página dessa “marcha” infame no Facebook diz, claramente, que o protesto, entre outras coisas, é contra “contratação de médicos cubanos e os gastos para a realização de grandes eventos esportivos no Brasil”. E qualifica essa “luta” como sendo “contra a tirania do PT”.

É nesse contexto que, no segundo dia útil desta semana, o jornal Folha de São Paulo publica editorial em que lamenta a perenidade da aprovação e das altas intenções de voto de que desfruta a presidente Dilma Rousseff, mas lembra que há uma luz no fim do túnel para os que disputarão com ela a Presidência da República. Leia, abaixo, o último parágrafo do editorial.

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Incapazes de entusiasmar o país com um projeto de mudança, os adversários de Dilma terão de confiar nos embates de campanha e na propaganda eleitoral para conquistar terreno. Sua maior esperança, porém, reside no clima de instabilidade política que se vê em todo o país –algo que nenhum candidato controla, mas que afeta sobretudo aqueles que estão no poder

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A Folha tem certa razão. A “instabilidade política” de 2013, gerada pelo que chamam de “jornadas de junho”, prejudicou a todos os que governam, mas foi Dilma quem mais perdeu. O jornal conta com a repetição do fenômeno.

Qualquer um que se der ao trabalho de ler o que dizem no Facebook os que querem impedir a Copa de 2014 na marra, ou seja, sob o bordão “não vai ter Copa”, sabe que prometem “derrubar Dilma” e até “não reconhecer” o resultado da eleição caso ela se reeleja. É por isso que Sheherazade e a “Marcha da Família” aderiram ao “não vai ter Copa”.

Entretanto, a Folha e o resto da grande mídia oposicionista, os partidos de oposição à esquerda (?) e os extremistas de direita que pedem golpe militar erram ao confiar em que, neste ano, a “instabilidade política” vá operar o mesmo que operou ano passado.

Essa coalizão bizarra que reúne mídia, extremistas de esquerda e de direita não se dá conta de que se desmoralizou com a violência nos protestos. Recente pesquisa Datafolha mostra que esse movimento é cada vez mais repudiado. Mas, claro, não se sabe que nível de “instabilidade política” essa coalização entre os extremos do espectro político pode pretender.

Com efeito, se ameaças como a de atentar contra a vida de delegações estrangeiras forem levadas a cabo, se a violência dos que protestam contra a Copa causar mais vítimas fatais, se conseguirem desmoralizar o Brasil internacionalmente, não há dúvida de que tudo pode acontecer. Isso em um momento em que os brasileiros desfrutam de emprego farto, salários altos como nunca e forte queda da pobreza e da desigualdade.

Do ponto de vista político, portanto, o Brasil mudou muito pouco em meio século, não?