O viço da minha Flor

Crônica

Há alguns meses, durante uma das tantas internações a que a doença submeteu a minha Victoria durante esses mais de onze anos transcorridos desde que chegou ao mundo, os médicos convocaram os pais da menina para uma reunião em que diriam o que nenhuma mãe e nenhum pai deveriam jamais ouvir.

Poucos anos restariam àquela que mal chegara à pré-adolescência. A doença madrasta a levaria em dois, três, quatro anos. Não haveria muito a fazer. Seus pulmões, sobretudo, estavam sendo dizimados por uma série de complicações. Esse mal, aliado à fragilidade física de uma criança de quase doze anos que chegou a pesar 19 quilos, não lhe dariam muito mais tempo neste mundo.

Minha mulher e eu passamos mais tempo no hospital com Victoria do que em casa, nos últimos doze meses. Apesar de a mãe da menina não se render de forma alguma, não cogitar sequer aceitar uma hipótese como essa – de perdermos a nossa filha para essa doença maldita –, também já ostentava resignação no olhar, por mais que tentasse disfarçar.

Da minha parte, havia ainda mais resignação. E, talvez, uma dúvida sobre se valeria a pena uma vida como a que minha filha tem levado depois que a doença se agravou, do ano passado para cá.

Não sei se acredito em milagres. Leitores mais antigos sabem que tenho fé – não religião, mas fé, o que é muito diferente. Todavia, acho que nunca acreditei realmente em milagres. Sobretudo para mim ou para os meus. Achava que se o Ser Superior em que acredito tivesse que conceder um prodígio a alguém, não deveria ser para nós em um mundo em que há sofrimentos tão mais intensos.

Tampouco sei se, apesar de não nos julgar merecedores de algum milagre devido a não sermos os mais necessitados, o que está acontecendo com Victoria, de umas três semanas para cá, não seria uma graça que jamais imaginei que viria para a família Guimarães.

Victoria está tendo uma reação que não teve em mais de um ano. Dos 19 quilos que pesava, passou a 32. Está mais atenta, respira melhor, convulsiona menos… Enfim, parece-me feliz. Está sorrindo bem mais fácil. Um sorriso gaiato que nos faz apertá-la nos braços e beijá-la quase o tempo todo – até porque, o carinho a resgata do autismo.

Seu corpinho franzino, vejam só, já dá os primeiros sinais de abandono da infância rumo à primavera da puberdade. A única parte de minha filha que a doença não conseguiu macular foi a sua beleza, que a dor ofuscava. Sem o sofrimento, ela reluz, ilumina o ambiente com seu sorriso sagrado.

Neste momento, lembro-me dos médicos que sentenciaram a menina com a pena capital da natureza. Penso: o que sabemos, os homens? Ou melhor, o que pensamos que sabemos sobre os mistérios da vida e do universo para ousarmos fazer prognósticos como os que foram feitos em relação à minha Victoria?

Não revelei isso tudo antes mesmo sabendo que Victoria tem tantos amigos neste blog que torcem por ela do fundo do coração e que, assim, ficariam felizes com as notícias que agora lhes dou porque tinha medo de cantar vitória antes do tempo. Quem me lê há pelo menos um ano sabe quantas vezes vim aqui dizer que agora ia, e não foi.

Agora, porém, tenho a sensação de que é diferente. Não que Victoria tenha melhorado tanto assim, mas é que a reversão da curva descendente que estava traçando fugiu completamente dos planos. E o ganho de peso dela, em algumas semanas, foi de cerca de 40%. Um espanto.

Enfim, meus queridos amigos, quero lhes dizer das lições que a vida está me ensinando. A esperança sempre vence o medo. E os homens são absolutamente incapazes de dar garantias sobre os caprichos da natureza, sobre o destino, sobre, talvez, a vontade de um Ser Superior no qual creio cada vez mais, com mais fé.

PS : pego um vôo para Curitiba na primeira hora desta terça-feira. Viajo a trabalho profissional. Fico no Paraná até quinta. Durante os próximos três dias, o blog será atualizado só à noite e os comentários serão liberados a espaços de tempo um pouco maiores. Conto com a vossa compreensão.