“Aumento” do desemprego entre os pobres é balela

Reportagem

No início do mês, o país foi surpreendido por uma notícia espantosa. Nos últimos cinco anos, o desemprego teria “aumentado” justamente entre o setor da sociedade que fatos e estudos diversos vinham apontando que vêm melhorando de vida, ou seja, entre os mais pobres.

E, para que não reste dúvida do potencial de espanto contido em tal estudo, basta dizer que foi feito por instituição que o colunista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi afirma estar “empenhada” em fazer “propaganda do governo”, o Ipea, ligado ao governo federal.

A leitura do que escreveu esse colunista no último sábado é importante para introduzir o assunto.

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Mais uma lenda ameaçada

Folha de S. Paulo 19 de fevereiro de 2011

Clóvis Rossi

SÃO PAULO – Era uma vez a lenda da queda da desigualdade no Brasil, já desmontada.

Agora, todo mundo sabe que o que caiu foi a desigualdade entre salários, mas não entre a renda do capital e a do trabalho. E esta é a desigualdade de fato obscena.

Muito bem. Agora, surgem dados que põem em dúvida até a queda tão celebrada da desigualdade entre assalariados. São dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), organismo oficial e bastante empenhado, de resto, na propaganda do governo.

O que diz o estudo? Que o desemprego aumentou entre os 10% mais pobres no período 2005-2010. Exatamente o período em que tanta gente se ufanava de que a desigualdade diminuíra.

Vejamos a comparação: em 2005, 23,1% da população mais pobre estava desempregada. No ano passado, esse número saltou para 33,3%. Já entre a parcela da população de maior poder aquisitivo, o desemprego diminuiu 57,1% nesses cinco anos. Caiu de 2,1% para 0,9%.

Mais: o desemprego entre os mais pobres, que era 11 vezes maior em 2005, pulou para 37 vezes mais cinco anos depois.

A notícia colhida nesta Folha acrescenta a palavra de técnicos do Ipea: “A taxa de desemprego, que tende a ser mais elevada entre os trabalhadores de menor rendimento, tornou-se ainda mais um elemento de maior desigualdade no mercado de trabalho”.

Se os mais pobres perdem emprego e, portanto, renda, e os mais ricos, ao contrário, obtêm mais empregos e, portanto, mais renda, como é possível que a desigualdade entre assalariados caia?

Deve haver alguma boa explicação, dada a qualidade técnica dos arautos da lenda, mas seria conveniente que eles viessem a público para explicar essa contradição aparentemente insanável, em vez de silenciarem como o fazem quando se aponta a outra lenda.

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É incrível o potencial de desinformação da nota supra reproduzida. Não em termos de conjunto da sociedade, pois é virtualmente impossível convencer os pobres de que não melhoraram de vida, ao menos por um meio como um jornal. Talvez por meio de hipnose…

Afinal, dezenas de milhões de brasileiros ascenderam das classes D e E para a Classe C, nos últimos anos. A economia está em uma fase dourada, com uma disseminação de bem-estar social indiscriminada e na qual os mais pobres têm sido os mais contemplados.

Como se explica, então, uma notícia dessas, de que a situação deles teria piorado exatamente no ponto que lhes é mais penoso, no ganha-pão? E mais: a que o colunista da Folha se refere quando diz que a “lenda” da distribuição de renda na era Lula foi “desmontada”?

Como diria o esquartejador, vamos por partes. Só que começando pelo fim.

Sobre a tal “lenda” da distribuição de renda, o jornalista casado com a presidente do “PSDB mulher” vem dizendo, há anos, que não houve distribuição de renda no Brasil durante a era Lula, o que realmente seria “excelente” para a sua corrente política, se fosse verdade.

De onde Rossi tira a idéia de que não houve distribuição de renda no Brasil apesar de que o que mais se tem visto é pobre passando a ter poder de compra? Diz ele que como os ricos não declaram muito dos seus rendimentos, a renda que sonegam ao fisco teria crescido mais do que a dos pobres.

Ele deve saber do que fala…

Contudo, seja como for, se a sonegação não tiver começado no governo Lula e os índices econômicos todos – e até o senso comum sobre o que se vê nas ruas – não estiverem errados, houve, sim, uma inquestionável distribuição de renda.

Não contesto o colunista só com o senso comum sobre os pobres que começaram a voar, a construir, a ir à universidade, a comprar carros, roupas, eletrodomésticos, enfim, a consumirem durante a década passada como jamais se viu.

Contesto essa teoria absurda de que não houve distribuição de renda no Brasil durante os últimos anos  com o fato inegável de que a sonegação dos ricos não começou na era Lula e, portanto, estão sendo comparadas situações iguais. E como houve melhora nos números, é claro que houve distribuição de renda.

E agora vamos à melhor parte, que deixei para o final: o estudo que mostraria “aumento” de desemprego entre os mais pobres justamente em um momento em que o Brasil cria empregos sem parar, batendo recordes.

Devido à má explicação do estudo do Ipea pela mídia, a conclusão sobre ele é de perplexidade. Em vez de explicar que o aumento percentual do desemprego entre os pobres na verdade não é aumento e, sim, redução menor, a mídia omite a explicação do paradoxo.

Suponhamos que a taxa de desemprego entre os mais pobres, que em 2005 era de 23,1%, dissesse respeito a alguma coisa como 20 milhões de pessoas. Desse contingente, portanto, 4.620.000 cidadãos pertenceriam ao grupo dos 10% mais pobres e 15.380.000 ao dos 76,9% mais ricos.

Como de 2005 para cá o Brasil criou 8 milhões de empregos formais, na hipótese acima o contingente total de desempregados cairia a 12 milhões de pessoas. E como a redução do desemprego entre os mais pobres, que têm mais dificuldade para se empregar por falta de especialização e instrução formal, caiu menos, subiu a participação deles no total de desempregados (vide gráfico acima).

É muito simples. Não é preciso ser economista ou jornalista para entender por que os mais pobres ganharam menos com a forte geração de empregos da era Lula, que ultrapassou 15 milhões de postos formais de trabalho. É preciso, apenas, ser intelectualmente honesto.