Colunista da Folha ataca o próprio jornal

Humor

O colunista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi foi um dos críticos mais ferozes do governo Lula. Além da criminalização daquele governo, insultava os seus simpatizantes, taxando-os de “descerebrados” e “idiotas de plantão”, entre outros mimos.

Neste domingo, porém, em sua coluna na página A2 da Folha, Rossi descreveu perfeitamente o comportamento político da grande imprensa ao desmontar a tese que ela tem vendido de que o recente voto do Brasil na ONU favorável ao envio de relator de direitos humanos ao Irã significaria ruptura com a política externa do governo Lula.

Como se não bastasse, o colunista casado com uma militante tucana “de carteirinha” e que trabalhou como poucos pelo PSDB desde 2003, reconhece o êxito da política externa do governo anterior.

O mais importante, porém, é a qualificação que Rossi faz de que a grande imprensa conservadora estaria querendo mandar na política externa do Brasil apesar de ter perdido a eleição.

Como todos sabem, os quatro cavaleiros midiáticos do apocalipse (Globo, Folha, Estadão e Veja) passaram os últimos oito anos querendo impor mudanças à política externa do governo Lula. Aliás, a própria Folha, dois dias antes da coluna de Rossi, foi pelo mesmo caminho em editorial que viu “Mudança e Coerência” na política externa de Dilma.

A coluna de Rossi é imperdível porque condena inquestionavelmente a posição do seu empregador, o que se torna um fato político que nunca acontece. Abaixo, reproduzo, primeiro, editorial da Folha do último dia 25; em seguida, a tal coluna de Rossi.

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Folha de São Paulo

25 de março de 2011

Editoriais

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Mudança e coerência

O voto do Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), a favor de uma investigação sobre violações humanitárias no Irã, coaduna-se com a correção de rumo imprimida por Dilma Rousseff na política externa. A presidente, mesmo antes de assumir, já sinalizara que será menos transigente nessa matéria do que foi o seu antecessor.

A decisão significa uma inflexão bem-vinda no posicionamento brasileiro dos últimos anos, tanto sob Luiz Inácio Lula da Silva quanto sob Fernando Henrique Cardoso. O país havia votado só uma vez (em 2003), na ONU, contra o regime dos aiatolás.

O contraste é tanto mais perceptível sob a luz do histórico recente. Em junho de 2010, o Brasil proferiu um dos dois votos (entre 15) contra sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU, por conta de seu programa nuclear. No final do mesmo ano, absteve-se de condenar no CDH punições medievais como o apedrejamento a que foi sentenciada Sakineh Ashtiani, decisão depois criticada por Dilma.

O atual voto não significa, no entanto, que o Brasil tenha rompido com o regime de Mahmoud Ahmadinejad. O apoio a uma investigação especial sobre a situação dos direitos humanos no país persa se traduz obviamente em uma crítica, mas não chega a representar uma condenação expressa.

A soberania iraniana não está sob ameaça, o que ajuda a explicar por que o Brasil não se absteve na votação sobre o país, agora, como fez no Conselho de Segurança quanto ao ataque à Líbia. A visita de um relator da ONU, apesar de incômoda para iranianos, não impede novas negociações, como prefere a diplomacia brasileira.

Não resta dúvida de que uma investigação sobre direitos humanos no Irã é necessária. Relatório apresentado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, revela que a repressão intensificou-se, com prisões e torturas.

O diplomata apontou “aumento dramático” das execuções neste ano. Após as contestadas eleições de 2009, mais de 2.000 ativistas foram encarcerados. Estimam-se ao menos 500 presos políticos.

A investigação aprovada ontem, mesmo que termine obstruída pela autocracia iraniana, reforça a mensagem de que o Brasil não mais se rende a alinhamentos automáticos nem a palavras de ordem geopolíticas quando se trata de violações de direitos humanos.

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Folha de São Paulo

27 de março de 2011

CLÓVIS ROSSI

Irã é ponto fora da curva

SÃO PAULO – São prematuras as notícias da morte da política externa Lula/Amorim. É verdade que, na quinta-feira, o Brasil votou contra o Irã, pela primeira vez em pelo menos oito anos, no caso da designação de um relator especial para investigar violações aos direitos humanos no país persa.

Mas é um acontecimento pontual demais para que se possa enxergar nele uma mudança abrangente e/ ou permanente.

Primeiro, porque não estavam em jogo sanções ao Irã. É até possível que o foguetório em torno de uma mudança profunda se deva ao fato de que causa certa confusão, em um país pouco atento à política externa, jogar na mesma sentença Brasil, Irã e Nações Unidas.

O voto do Brasil a favor do Irã foi no Conselho de Segurança, quando se debatia a imposição de sanções por causa do programa nuclear iraniano -sanções afinal aprovadas. O voto contra o Irã foi no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no qual se debatia um passo prévio a eventuais sanções, qual seja, a investigação de violações aos direitos humanos.

É claro que a reação do governo iraniano foi furibunda, como só podia ser. Regimes que se creem a encarnação da palavra de Deus não podem tolerar que se duvide do que quer que digam, sobre a bomba ou sobre direitos humanos.

Mas a explicação da embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, a representante do Brasil perante o escritório da ONU em Genebra, é simples e coerente: “Há suspeitas de violações? Há. O país colabora com o Conselho? Não. Então, cabe uma investigação”.

Além desses aspectos factuais, há uma lógica para dizer que é no mínimo improvável qualquer mudança de fundo na política externa: Dilma Rousseff é herdeira dela. E recebeu um país com mais relevância internacional do que antes.

Faz sentido mudar só para agradar a oposição, que, convém não esquecer, perdeu a eleição?