Que os porta-vozes da ditadura sintam vergonha

Crônica

Ao final do capítulo de ontem da novela Amor e Revolução, pela primeira vez o depoimento não foi de um ex-perseguido político ou de um dos algozes da ditadura; foi de um dos que empreenderam uma missão impossível, naqueles anos terríveis: lutar pela justiça em meio a um regime em que a injustiça era a principal característica.

A novela trouxe o depoimento de um advogado de presos políticos.Comedido, a princípio, o advogado Belisário Santos relatou como era praticamente impossível lutar com os meios da lei para defender pessoas contra as quais não havia o menor fundamento legal para prender e, muito menos, para torturar ou matar.

Sua explicação foi simples: “Eles faziam o que queriam e davam um arremedo de legalidade às suas arbitrariedades”. E arremata: “Ao advogado, cabia fazer o que era possível”, pois “a defesa era muito limitada”. Desse ponto em diante, emocionou-se e suas palavras perderam o tom formal. Então, chegou próximo das lágrimas.

Não só muitos dos perpetradores daquele horror quanto os que hoje têm amplo espaço na grande imprensa para mentir, distorcer os fatos, tentar passar à sociedade que teria havido alguma espécie de “guerra”, estão assistindo a novela. E, a cada capítulo, podem não sentir remorso, mas sentem medo e vergonha das revelações que são feitas.

Medo, não precisam sentir. Não há pena por interpretar mentirosamente a história. E os co-autores de tudo aquilo que ainda vivem, tampouco. Não há hipótese de serem punidos. Infelizmente. Mas o que se espera é que sintam, se não remorso, ao menos vergonha.

Espera-se que todos aqueles que, tendo participado ou não da ditadura, defendem-na, sintam vergonha das mentiras que contam há tanto tempo. Espera-se que se envergonhem de seus filhos, netos, bisnetos, que, agora, sabem que têm pais, avós, bisavós cúmplices de crimes de lesa-humanidade, verdadeiros monstros.