Governo Dilma enfrenta crise política inédita

Análise

A complexidade do momento político posterior à conturbada eleição presidencial de 2010 requer, acima das paixões momentâneas, reflexão serena e realista. Enquanto o Brasil se pergunta se Antonio Palocci cai ou não por conta das suspeitas sobre o expressivo aumento de seu patrimônio entre 2006 e 2010, vale refletir sobre o futuro do governo Dilma Rousseff.

Apesar de o governo Lula ter atravessado metade do primeiro mandato e o segundo mandato inteiro sob denúncias da imprensa, em boa parte transformadas em CPI’s e que rendundaram em queda de vários ministros e abertura de processos penais contra parlamentares da base aliada do governo, sobretudo do PT, a crise política em que entrou o governo Dilma difere das que se abateram sobre o governo anterior.

O componente inovador reside no fato de que, pela primeira vez desde 2003, aliados do governo e, sobretudo, o seu partido, o PT, dividiram-se inapelavelmente. Facções governistas descontentes com o perfil de Palocci uniram-se à oposição e à imprensa contra o ex-presidente Lula, que prega que a sucessora não ceda às pressões e mantenha o ministro no cargo.

A liderança de Lula jamais fora desafiada por seu partido. O desafio petista, porém, começou antes, com descontentamento amplo diante de nomeações como a da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que abriu confronto com facções governistas que culminou com a anulação da nomeação do sociólogo Emir Sader para cargo de provimento daquele ministério.

A rebelião petista contra Lula e Dilma, que já haviam manifestado apoio ao ministro que tem a cabeça pedida pela direita e pela esquerda, vai se revelando maior do que se pensava. Ao ignorar a versão da imprensa de que a presidente estaria perdendo popularidade devido a esse caso, essa parcela do PT permite supor que esteja se formando uma dissidência.

Apesar da coincidência de posições da direita com a esquerda, eventual dissidência petista teria o PSOL como destino, o que pode vitaminar fortemente legenda que conta hoje com apenas três deputados federais.

Segundo fontes consultadas por este blog, no governo há apostas tanto de queda quanto de permanência de Palocci. Apesar de que algumas dessas fontes dão como certa a sua saída, outras garantem que Dilma, Lula e Palocci estariam dispostos a não ceder. Ou seja: tudo pode acontecer, ainda que a versão do agrado da imprensa seja a única disponível nos grandes meios de comunicação.

No primeiro dia da semana, durante a visita do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao Palácio do Planalto, ocorreu um fato eloqüente. O mandatário do país vizinho e o ministro Palocci confraternizaram-se e o brasileiro recebeu do venezuelano votos de “coragem”.  Ao lado deles, Dilma pareceu apoiar as palavras de Chávez.

Veículos da imprensa internacional como o jornal britânico Financial Times consideram o caso Palocci como o primeiro grande teste político do governo Dilma Rousseff. Diz o FT que o desfecho desse caso determinará a força ou a debilidade deste governo nos próximos anos.

Até o presente momento, o que se percebe é que Dilma tem pela frente um período conturbado em que ainda não se tem claro com quais “aliados” poderá realmente contar, o que tem um significado extremamente importante porque se o movimento insurrecional na base aliada persistir o governo pode se ver paralisado.

A capacidade do governo de se manter funcionando enquanto restringe a capacidade da crise política de interferir na governança do país será a chave do enigma. Se forem verdadeiras as notícias de que o fogo cruzado sobre Palocci minou a popularidade de Dilma, só a economia poderá evitar dissensão ainda maior na base aliada e estancar a perda de apoio popular.

Se a presidente Dilma, fustigada por perda de popularidade, demitir o ministro que tem tentado segurar e que tem o apoio de Lula, será inevitável um processo de fortalecimento de uma oposição que, até então, encontrava-se perdida e sem discurso. O caso Palocci, nesse aspecto, foi providencial para DEM e PSDB.

As notícias sobre queda de popularidade de Dilma devido ao caso Palocci foram veiculadas pela Folha de São Paulo, na coluna Painel desta segunda-feira. Sabe-se que o instituto de pesquisa do jornal, o Datafolha, foi a campo na semana passada, mas não veio nada a público até o momento.

Por outro lado, já há notícias de movimentação no Palácio do Planalto. Estariam sendo encomendadas pesquisas Ibope e Vox Populi, pois há desconfiança de que o Datafolha omitiu a divulgação da pesquisa e está difundindo a versão de queda de popularidade porque os números demonstrariam o inverso do que está sendo difundido pela Folha.

O grande enigma que perdura é sobre por que o partido que aceitou unido a volta de Delúbio Soares aos seus quadros estaria, em boa parte, tão empenhado em derrubar um ministro por razões éticas, ainda mais ele contando com o apoio decidido de Lula e Dilma, que sempre se aconselha com o padrinho político.

Tudo parece estar nas mãos do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Segundo Palocci declarou na entrevista que deu ao Jornal Nacional na semana passada, o PGR teria analisado seus negócios antes de ele entrar no governo e teria lhe dado sinal verde. Contudo, inimigos de Palocci na base aliada dizem que não teria sido uma análise tão aprofundada.

Além disso, há movimentações entre a direita e a esquerda para pressionar Gurgel, ameaçando acusá-lo de ter “engavetado” pedido de inquérito contra Palocci caso não abra investigação no Ministério Público contra ele. Ao ceder à ameaça de oposicionistas e governistas, o MPF também sairia fragilizado da crise.

A conclusão inevitável destes fatos é a de que o governo Dilma tem apoio parlamentar e político muito menor do que se pensava. Há uma tendência no PT de se “libertar” da liderança de Lula, o que várias fontes já dizem que pode levá-lo a se aposentar da política caso a sua liderança se mostre indesejável. Esse seria o quadro dos sonhos da oposição e da mídia.