Nem toda unanimidade é burra

Crônica

Há um fenômeno tremendamente danoso à democracia que se abateu sobre o Brasil. No grande debate público da história recente vêm se formando ondas, correntes de opinião esmagadoras que se valem da chantagem e da intimidação ideológica para conduzirem as pessoas àquela posição única considerada “aceitável”.

A virulência contra quem não adere a consensos que reúnem a grande mídia e as correntes político-ideológicas de A a Z se traduz por menoscabo, bastando citar que alguém não concorda com a premissa impositiva de turno para automaticamente desqualificá-lo moralmente.

Note-se, aqui, que não se fala de truísmos, verdades incontestáveis ou evidentes por si mesmas, tão óbvias que não precisam sequer ser mencionadas. É um truísmo dizer que a pedofilia é uma monstruosidade, uma violência inominável. Não é um truísmo considerar alguém culpado sem provar a sua culpa.

Simples assim.

Em vários episódios recentes da política, por exemplo, começaram a se formar ondas contra isto ou aquilo que não enfrentaram praticamente nenhuma resistência entre os formadores de opinião – ainda que não existam provas de que a maioria da sociedade venha seguindo essas “lideranças” opinativas que apresentam polêmicas como se fossem truísmos.

Foi assim, por exemplo, no caso Palocci. Apesar de ser, inquestionavelmente, alguém sem ligações com o poder, com partidos ou sindicatos, os inevitáveis desafetos que minhas opiniões me geram passaram a me atacar pela discordância daquela demissão da forma como ocorreu.

Por não concordar com a queda do principal ministro de Dilma no quinto mês de seu mandato de quatro anos, a mera citação de que não apoiei sua derrubada pretendeu me colocar como uma espécie de cúmplice intelectual dos pecados atribuídos ao ex-ministro.

De novo, agora nesse caso da fusão dos supermercados Carrefour e Pão de Açúcar, formou-se – em escala inferior, mas fortemente impositiva e abrangente – outro desses consensos dos quais ninguém quer divergir para não ser “enquadrado” como defensor do indefensável, apesar de ter objeções.

Hoje (sábado, 2 de julho), jornais trazem manchete que soterra um desses consensos intimidadores, açodados e autoritários que não cobram apenas concordância, mas profissões de fé públicas. Surgiram fortes evidências de que o ex-diretor do FMI Dominique Strauss-Khan pode ser inocente da acusação de estupro.

Devido ao caráter hediondo desse tipo de crime, pôr em dúvida a acusação de uma mulher negra e humilde, a camareira que Strauss-Khan teria “estuprado”, era temerário. Afinal, o estupro sempre foi um dos crimes que mais ficaram impunes.

Surgindo a hipótese de um homem branco, rico, influente e europeu ter violado uma mulher negra, pobre e imigrante de um país africano, não havia escolha: seria inaceitável duvidar da ocorrência do crime mesmo diante de elementos que gritavam para ser notados. Como fiquei em dúvida, cheguei a ser chamado de defensor de estuprador.

Como já disse, nem toda unanimidade é burra. Não é burrice que todos julguem a pedofilia um crime inominável, mas é burrice e injustiça condenar uma pessoa só pela gravidade de uma acusação. Quando se quer destruir alguém com acusação falsa, essa acusação tem que ser grave mesmo.

Este blog surgiu em um desses momentos de catarse que vão ganhando força e unanimidade. Surgiu durante o escândalo do mensalão, em 2005. Aliás, surgiu por conta dele, pois as forças progressistas da nação estavam intimidadas pelas evidências de que o partido que sempre se apresentara como exemplo de ética havia infringido os próprios dogmas.

Criei este espaço em 2005 justamente para dizer o que ninguém queria dizer, que julgava que estavam transformando um caso envolvendo alguns parlamentares governistas que receberam doações de campanha “por fora” em um esquema de suborno de parlamentares pelo governo. E achava que o objetivo era o de derrubar aquele governo.

O jeito que encontrei para nadar contra a corrente foi reunir aqui pessoas que pensavam como eu mas que tinham medo de se manifestar porque a onda que se formara em favor daquela premissa única que engolfava o país tratava de criminalizar qualquer discordância.

Nesses casos recentes relatados, bem como na época da criação deste blog, recebi inúmeras mensagens privadas daqueles que discordavam dos consensos impositivos, mas não tinham coragem de dizer. Sentiam-se intimidados porque, dizendo o que pensavam, logo alguém trataria de transformá-los, por exemplo, em mini Paloccis.

Você não deve divergir só por divergir, só para ser do contra. Mas não pode jamais concordar só para não ser estigmatizado por sua opinião divergente. Quando você enxerga que a corrente daquele rio o levará a despencar do alto de uma catarata, por exemplo, só lhe resta nadar contra ela. Por mais cansado que esteja.

Nem toda unanimidade é burra. Só aquela que é imposta a quem discorda. Essa, além de burra, é ditatorial. Não se esqueça de que toda e qualquer corrente nunca será mais forte do que o mais fraco de seus elos. As correntes não podem prescindir de cada um de seus segmentos. Um elo que se rompe destrói a corrente inteira.

Correntes podem ser bem ou mal usadas. Podem aprisionar ou sustentar. Se não gosta do uso que está sendo feito daquela corrente, seja seu elo de ruptura. Não tenha medo. O único medo que deve ter é o de ser acorrentado por aquilo em que não acredita.