O saldo trágico dos protestos

Análise

Após o processo desgastante das últimas semanas, a vontade era de escrever um texto pregando o apaziguamento dos ânimos, sobretudo após a onda de quase linchamentos contra o Partido dos Trabalhadores que eclodiu no seio das manifestações por todo o país, com agressão de militantes do partido e queima de seus símbolos em praça pública.

Infelizmente, não é possível. Durante esse processo nefasto que se abateu sobre o país, este blogueiro se impôs uma missão: dizer o que precisava ser dito e que ninguém que tem um pouco menos de invisibilidade estava disposto a dizer. E não abandonar o contingente de pessoas que discorda dessa farsa que embriagou a nação e que, agora, a deixou de ressaca.

Quando vi os líderes do Movimento Passe Livre no Jornal Nacional dizendo que a causa da tragédia que desencadearam no país sempre foi a redução das tarifas, que a PEC 37 e mais um monte de “causas” que anunciaram nunca foram seu objetivo e que, uma vez alcançado esse objetivo, não havia mais por que convocar manifestações, tive certeza da falta de seriedade deles.

Durante as duas semanas sombrias em que, ao menos por omissão, esse grupo espalhou medo, sofrimento, ódio, destruição, violência e mortes, ele repetiu à exaustão que “Não é por R$ 0,20”. Os mesmos líderes que agora dizem que tudo foi, sim, por vinte centavos, apresentaram antes uma extensa pauta de reivindicações que os manteria na rua por muito tempo.

Tanto é que o tal movimento indicava continuidade das manifestações mesmo após a redução das tarifas em São Paulo e no Rio de Janeiro que aquela mocinha que tem aparecido mais na mídia falando em seu nome afirmou, em entrevistas televisionadas, que a mobilização de rua continuaria por várias razões, entre as quais impedir que os militantes que foram presos fossem processados criminalmente.

O terror que eclodiu pelo país entre o fim da noite de quinta-feira (20) e a madrugada de sexta (21), porém, parece ter assustado as lideranças, que recuaram do mote “Não é por R$ 0,20” e que, agora, anunciavam que não convocariam mais novas manifestações.

Porém, a falta de rumo e de seriedade dessa meninada se faz notar de novo. Confira logo abaixo, leitor, trecho de matéria de capa da Folha de São Paulo de sábado, 22 de junho, em que o tal MPL recua do recuo:

O MPL (Movimento Passe Livre) anunciou na manhã de ontem a suspensão, por tempo indeterminado, de novos atos na cidade de São Paulo depois da proliferação de protestos violentos pelo país. No final da noite, entretanto, o movimento recuou e divulgou nota afirmando que os atos vão continuar na cidade

Essa molecagem (no sentido estrito da palavra) já causou uma legítima tragédia no país. Uma tragédia ampla.

O saldo parcial de tudo isso são 137 feridos, 3 deles em estado grave, duas mortes, prejuízos –só ao comércio, pois ao patrimônio público ainda não foi mensurado – que já somam meio bilhão de reais (segundo a Globo News), disparada do dólar, queda das bolsas e um clima de incerteza no país que por certo afetará os investimentos, que estavam em alta.

Isso sem falar na imagem internacional do Brasil, que, antes positiva, transformou-se em péssima.

O pior mesmo, porém, parece ser o nível de insensibilidade que domina hoje a sociedade brasileira. É assustador.

Os telejornais se estenderam muito além da duração normal nesses últimos dias, gastando tempo sem fim para afirmar que foi um “grupo pequeno” que causou tudo isso que vai expresso no parágrafo anterior. Obviamente que satisfeitíssimos pela possibilidade de desgastarem o governo ao qual se opõem, esses noticiários exaltaram a tragédia até perderem o fôlego.

Nenhum veículo, porém, gastou mais do que alguns segundos com as duas vítimas fatais desse processo.

Marcos Delefrate, manifestante do Movimento Passe Livre, de 18 anos, morreu por atropelamento durante protesto em Ribeirão Preto (SP). Contudo, morreu por ter se arriscado a participar de protestos que todos sabiam que poderiam descambar para a violência. Fez uma escolha e pagou por ela.

Pior, porém, foi Cleonice Vieira de Moraes, gari, de 54 anos, que morreu em Belém (PA) após ter inalado gás lacrimogêneo lançado pela Polícia Militar. Cleonice trabalhava na limpeza noturna da prefeitura da cidade, que foi atacada por manifestantes. A polícia explodiu bombas de gás para dispersá-los, ela inalou, passou mal e teve uma parada cardíaca.

Essas baixas trágicas se tornaram apenas “efeitos colaterais” de um processo insano, sem rumo, sem causa específica. Mortes, ferimentos graves que resultaram até em mutilações horrorosas não interessam a ninguém. Cleonice e Marcos viraram números frios.

Em que esta sociedade se converteu? Enfim viramos robôs. Máquinas desprovidas de sentimentos, de civilidade, de qualquer traço de humanidade.

Nesse aspecto, a foto que encima este texto comprova isso. O caos em que se converteram as urbes brasileiras virou uma imensa “balada” para a qual hordas de jovens de classe média combinavam de ir através de troca de torpedos entre seus Iphones de última geração.

O casal que se deixa fotografar em meio à barbárie parece estar se divertindo muito, enquanto a maioria silenciosa e trabalhadora amargava nos pontos de ônibus, sabendo que chegaria em casa quase na hora de retornar ao trabalho.

Porém, a oportuna pesquisa que o instituto Datafolha realizou entre os manifestantes sobre intenção de voto para presidente da República e que deixou Dilma Rousseff em terceiro lugar e o presidente do STF, Joaquim Barbosa, disparado na frente, em primeiro, mostra que esse movimento que convulsionou e pisoteou o país não representa a grande maioria da sociedade.

Segundo a pesquisa, o perfil dos manifestantes mostra que a maioria é composta por homens (61%) e tem nível superior (78%). Precisa dizer mais alguma coisa?

Na opinião deste Blog, militantes da oposição à direita e à esquerda do governo Dilma Rousseff estão comemorando cedo demais. Pode ter havido algum prejuízo à imagem da presidente? Talvez, mas, possivelmente, muito pequeno. E, se bobear, em vez de prejuízo pode até ter havido ganho após o excelente pronunciamento dela na sexta-feira.

Pouca gente tem coragem de dizer, mas minha percepção – igual à que tinha quando escrevi que esse movimento iria levar à tragédia a que levou – é a de que a maioria silenciosa, que amargou duas semanas de sofrimento passando as noites se escondendo dos manifestantes em vez de ir pra casa descansar após a jornada de trabalho, está farta desse circo.