Quem pariu Mateus que o embale

Crônica

 

No começo da noite de quinta-feira (20), redes de televisão exaltavam a “beleza” de protestos violentos, ainda que mascarados de pacifistas, que, há quase duas semanas, esmagam o país com medo, incêndios, bombas, tiros, depredações, destruições de todos os tipos, mutilações e, agora, até com morte, como previsto aqui tantas vezes e tão inutilmente.

Todo o horror que se espalhou pelo país foi produto de exigência feita por um grupo de meninos e meninas embriagados com um poder imensurável que adquiriram em questão de dias e que pôs de joelhos um dos maiores impérios de comunicação do mundo e todo o resto do oligopólio comunicacional verde-amarelo, além de políticos, jornalistas e legiões de cidadãos comuns.

Muito poucos entre os que enxergaram o desastre que estava sendo construído tiveram coragem de denunciá-lo, intimidados por hordas de fanáticos que promoviam linchamentos na internet e até nos ambientes sociais e profissionais mais variados contra todo aquele que ousasse dissentir.

A maioria, porém, enxergou exatamente o oposto do que estava ocorrendo. E agora se espanta com o que estava diante de seus olhos e não viu.

Parece ocioso repetir o tamanho do desastre que se produziu no país algumas dezenas de horas após o Estado brasileiro, em suas mais diversas instâncias, ficar de quatro para pouco mais do que adolescentes mimados, que passaram a emitir ultimatos de que iriam “parar” cidades e depois o país se não fossem atendidos.

Por ficar de quatro, entenda-se as autoridades ignorarem todas as condições técnicas de orçamentos municipais e estaduais porque a garotada “não queria nem saber”.

Organizando manifestações de dezenas de milhares de pessoas mesmo lendo em sua página no Facebook as atrocidades que vândalos prometiam promover, um tal de Movimento Passe Livre assumiu o risco de colocar nas ruas hordas de jovens de classe média que têm tempo para passar 15 dias só se dedicando a “parar cidades” e, como se viu depois, o pais.

Algo que possa ser definido como “o povo” pode chegar todo dia, no meio da tarde, a praças públicas e permanecer nas ruas até a madrugada paralisando a vida de quem levanta cedo para trabalhar e, após extensas jornadas laborais, ainda enfrenta outro tanto em salas de aula?

Não a grande maioria deste povo. O brasileiro trabalha duro. Não tem tempo para isso. Nem que fosse por uma causa concreta e racional conseguiria fazê-lo. Temos que sobreviver.

Parece ocioso relatar no que deu o Estado, as autoridades, enfim, a República ficar de quatro para essa criançada e seu novo brinquedo: o poder. E não um poder qualquer, mas um poder discricionário que, após humilhar e impor caprichos a autoridades e aos Poderes constituídos, arrogou a si o direito de impedir liberdades individuais.

Relatei, no primeiro dia útil desta semana trágica, como os “manifestantes pacíficos” passaram a decidir quem poderia ocupar o espaço público usando uma roupa ou portando um símbolo de partido político como bem lhe aprouvesse. Sobretudo sendo de um partido em especial, que, nos dias seguintes, passaria a ser a Geni da República: o Partido dos Trabalhadores.

Na segunda-feira, vi, a centímetros de meu corpo, a única pessoa humilde de verdade em um agrupamento de milhares de pessoas ser atirada ao chão, chutada, agredida, insultada. Uma garota negra de nem 1,6 metro de altura e pesando, no máximo, uns cinquenta quilos.

Por que? Por usar uma camiseta vermelha e portar uma bandeira do mesmo tom com a sigla de seu partido.

Legiões de garotos e garotas se encantaram pelo clima de “Queda da Bastilha” e pelo poder discricionário recém-adquirido, estimulado por impérios de comunicação e por partidos políticos ditos de esquerda.

Esse conclave, mesmo após ter suas exigências atendidas, inundou as ruas com fascistas de ultradireita que bem sabia que levaria consigo, pois os via postando sua truculência em frases na internet que mais se assemelhavam a hieróglifos, de tão ininteligíveis em nosso idioma.

Agora, com a República de quatro, como sempre ocorre com o fascismo – e como se tornou pior com o fascismo infanto-juvenil – o tal “passe-livre” (para o caos?) passou a determinar até que cor de roupa as pessoas podem usar na rua. E o vermelho-PT foi “proibido”.

A pena para quem ousasse desafiar o desígnio dos novos donos do país? Espancamento, no mínimo.

Um amigo fraterno, militante da CUT, assim como a Central Sindical e o PT acreditou ainda viver numa democracia e foi com um pequeno grupo à manifestação da avenida Paulista e lá, assim como no resto do país, foi espancado juntamente com seus companheiros, alguns dos quais foram parar no hospital.

Enquanto isso, cerca de cem cidades brasileiras tiveram, cada qual, seu quinhão de ditadura infanto-juvenil. Petistas, sindicalistas, sedes do PT, todos foram atacados nas maiores, nas médias e até em pequenas cidades por usarem a cor ou o símbolo de suas organizações.

A mídia, que num primeiro momento sentiu medo daquelas crianças armadas de tanto poder, vendo possibilidade que tanto almejou durante a última década para destruir um grupo político ao qual se opõe e não consegue derrotar nas urnas, passou a estimular que as massas descontroladas fossem às ruas, em seguida passando a minimizar o caos resultante, atribuindo-o a “pequeno grupo” que, de tão pequeno, conflagrou um país continental de ponta a ponta.

Como não podia deixar de ser – e estava demorando –, veio o primeiro cadáver.

Ao fim da noite, os telejornais, após todo o caos, toda destruição de palácios, espancamento de pessoas vestidas com cores ou portando símbolos proibidos sob o mote do tal “MPL” que proscreveu partidos políticos das ruas ocupadas, comemorava.

O semblante de alegria midiático se acentuou com a notícia veiculada pela rádio CBN de que o Brasil poderá ser punido se a Copa das Confederações não puder ser realizada até o fim por aqui devido à convulsão social desencadeada por crianças armadas de bombas atômicas.

Melhor que isso, para a mídia que atirou o Brasil em duas décadas de ditadura, só se a Copa do Mundo no país for cancelada, fazendo com que amargue prejuízo financeiro e de imagem irrecuperável, sem falar na crise econômica que a conflagração deverá render, pois as expectativas sobre o futuro pioraram muito em míseras duas semanas.

Ao fim da noite fatídica de quarta-feira, o mesmo movimento que atirou o Brasil em um processo que se espera que a maioria silenciosa saiba repudiar – até porque não aguenta mais –, horrorizou-se com sua obra e, em protesto contra si mesmo, abandonou a manifestação na avenida Paulista. Indignado.