Alckmin e Serra garantem: “Nós não sabíamos…”

Crônica

 

Uma das frases de políticos que mais se popularizou na imprensa brasileira durante a década passada e ao longo desta é atribuída ao ex-presidente Lula. Perguntado sobre o escândalo do mensalão, o petista teria dito que “não sabia” do que fizeram seus correligionários.

Tal afirmação foi objeto de milhares de textos jornalísticos pelo país. Contam-se nos dedos de uma das mãos os colunistas, editorialistas ou repórteres das grandes empresas de comunicação que não a tenham ironizado.

Para que fique bem claro, repito: afora raras exceções, praticamente todos os jornalistas que militam na imprensa corporativa nacional fizeram questão de que a frase “eu não sabia”, associada ao nome próprio Lula, figurasse em seus currículos.

Ironizar a afirmação de Lula de que nunca teve conhecimento dos fatos que redundaram na Ação Penal 470 tornou-se tão comum que até um dos juízes aos quais tal processo foi submetido repetiu a tese que envolve a afirmação de Lula de que “não sabia”.

Numa entrevista a um repórter do Estadão durante o julgamento do mensalão, no ano passado, o ministro do STF Marco Aurélio Mello deu a seguinte declaração: “Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia [do mensalão]?”

A tese que apaixonou de jornalistas a juízes, além da quase totalidade da oposição de direita e de esquerda aos governos Lula e Dilma, é a de que um chefe do Poder Executivo está obrigado a saber de tudo que fazem os seus subordinados. Inclusive do que fazem escondido.

Em verdade, a inverossimilhança que haveria em um político ou governante dizer que “não sabia” de corrupção entre seus correligionários ou auxiliares embasou a teoria pela qual o STF condenou o “núcleo político” da Ação Penal 470, a teoria do “domínio do fato”.

De uns tempos para cá, porém, vários grandes meios de comunicação que, ao longo da década passada e no início desta, foram carimbados com a pecha de partidários do PSDB, vêm tentando demonstrar isenção.

A cobertura do escândalo de pagamento de propinas a membros dos governos do Estado de São Paulo entre 1998 e 2008 tem sido usada por veículos tidos como partidários do PSDB para “provarem” que são “isentos” simplesmente por noticiarem as investigações.

Todavia, se for real a conversão da grande mídia à imparcialidade jornalística os seus colunistas, editorialistas e repórteres terão que usar para dois dos três políticos que governaram São Paulo no período sob suspeição a mesma ironia que tantas vezes usaram para Lula, inclusive antes mesmo de o mensalão ir a julgamento.

Tal exigência decorre de afirmação do governador Geraldo Alckmin e de seu antecessor José Serra sobre o escândalo de pagamentos de propinas aos seus subordinados que é literalmente idêntica à famosa afirmação de Lula.

Segundo o apresentador do Jornal Nacional de segunda-feira (30/9), Heraldo Pereira, “(…) as assessorias dos dois governadores do PSDB [Alckmin e Serra] negaram que eles soubessem de qualquer irregularidade (…)”.

Dentro da nova política de “isenção” adotada por veículos como a Globo e por seus colunistas, editorialistas e repórteres, todos estão obrigados a também ironizar a afirmação dos dois tucanos, ainda que se deva reconhecer que, tal qual Lula, tenham todo o direito de negar que tivessem conhecimento de um esquema de roubalheira que durou muito mais tempo do que o mensalão e que envolveu muito mais dinheiro – o escândalo paulista envolve bilhões de reais.

Entretanto, até aqui não se vislumbra isso ocorrendo na imprensa corporativa dada a total afasia em relação ao assunto que vêm demonstrando os que escrevem ou verbalizam opiniões nesses grandes jornais, revistas, programas de tevê ou de rádio.

Apesar das veiculações pontuais e protocolares por esses grupos de comunicação dos desdobramentos das investigações do escândalo tucano, a ausência de opiniões virulentas que sempre acompanham escândalos petistas desmascara a farsa toda.