Se Jango fosse impopular em 1964, bastaria esperar a eleição de 1965 e derrotá-lo

Reportagem

Em 31 de março de 2014, com exatos 50 anos de atraso a esquerda invadiu o local que sediou o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado com o golpe de 31 de março de 1964.

O DOI-CODI era destinado a combater inimigos internos que os golpistas diziam que ameaçavam a segurança nacional. Era um entre tantos outros órgãos de repressão daquele período. Sua filosofia de atuação era pautada na Doutrina de Segurança Nacional, formulada no contexto da Guerra Fria nos bancos do National War College, instituição norte-americana, e aprofundada, no Brasil, pela Escola Superior de Guerra (ESG).

O ato para rememorar os 50 anos do golpe militar de 1964 contou com militantes políticos de esquerda, jornalistas, sindicalistas, enfim, com tantos que lutaram para restaurar a democracia no Brasil e também com muitos jovens que, em grande maioria, nem eram nascidos à época em que o Brasil foi sequestrado por um bando de assassinos sádicos que atuaram a mando de uma elite “racial” e econômica que temia por seus privilégios.

O blogueiro que lhe escreve esteve no local e registrou alguns poucos depoimentos e imagens  que você confere no vídeo abaixo. O texto prossegue em seguida.

 

 

A melhor constatação daquele período de nossa história a meu ver partiu da ex-presa política Rose Nogueira, barbaramente torturada naquele mesmo lugar. Ela ressaltou a dor que causa ver que após meio século as pessoas que apoiaram aquele golpe continuam proferindo as mesmas barbaridades.

O ato deste 31 de março, pois, deveria ter sido um momento de paz e alívio, por termos ido sem temor a um dos mais tenebrosos centros de torturas e assassinatos do regime militar. Afinal, o Brasil recobrou a democracia e ainda elegeu presidente uma mulher que também foi vítima da covardia dos golpistas de 1964. Contudo, confesso que senti um quê de tensão no ar.

Esse sentimento talvez se explique por há poucos dias algumas centenas de pessoas terem ido às ruas de várias cidades do país para não apenas exaltar aquele período de horror, sofrimento e morte, mas para pedir que se abata de novo sobre o Brasil.

Como se não bastasse, dois dos maiores órgãos de imprensa que mais contribuíram para a violação da democracia e para a instauração daquele regime de exceção de caráter inegavelmente nazista publicaram, recentemente, editoriais em que acabaram reafirmando “razões” que justificariam terem ajudado a cometer um dos maiores crimes de lesa-humanidade que este país já viu.

O golpe de 1964, para quem não sabe, foi gestado na redação do jornal O Estado de São Paulo. Já o jornal Folha de São Paulo aderiu ao golpe desde o início e, à diferença de seu congênere paulista, persistiu no colaboracionismo com a ditadura até a undécima hora da “revolução”, quando o Brasil, já exangue após ser saqueado pelos militares durante pelo menos uma década e meia, repudiava o regime em cada rua, em cada esquina.

Os editoriais do Estado e da Folha buscam justificar sua adesão ao golpe. O Estado chegou a citar nada mais, nada menos do que a marcha convocada pela burguesia de então, a famigerada Marcha da Família com Deus pela Liberdade, como “prova” de que a sociedade brasileira teria querido que seus votos fossem jogados no lixo por um bando de golpistas.

O Estado diz, nesse editorial infame publicado no exato dia do aniversário do golpe dado por seus comparsas de outrora, que a tal “marcha da família” reunira 500 mil pessoas e o “Comício da Central”, de viés legalista, “apenas” 150 mil. Disse isso para induzir as pessoas a acreditarem que Jango Goulart era impopular e que o golpe foi dado pela vontade do povo.

Mentira. Recentemente, veio à luz pesquisa Ibope feita em 1964 que mostrava que Jango reeleger-se-ia com facilidade na eleição que aconteceria cerca de um ano e meio após o golpe. Ora, se fosse verdade que o governo deposto era tão impopular, por que os golpistas não esperaram mais um ano e meio para derrotá-lo nas urnas?

O fato é que esses jornais golpistas fogem até hoje da verdade sobre o que praticaram àquela época. E a verdade está sendo escrita na Comissão da Verdade, que encerrará seus trabalhos no fim deste ano.

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Para que você, leitor, possa ter uma mínima noção do horror que aqueles jornais desencadearam, os vídeos abaixo contêm relatos de ex-presos políticos sobre as torturas diabólicas que sofreram no regime criminoso que se instalou em 1964 e que durante 21 anos saqueou e calou o Brasil. São apenas alguns entre milhares, mas já servirão para que você possa confrontar com os editoriais desses jornais fascistas que até hoje não têm a decência de se arrependerem.