Racionamento de água: síndicos de SP padecem da síndrome de Estocolmo

Opinião do blog

Resido em um condomínio no bairro paulistano do Paraíso. Há 94 moradores no edifício. No mês de maio, consumimos 655 m3 de água. Por conta disso, na semana que finda os 50 apartamentos do edifício de 12 andares receberam “circular” do síndico. O texto repreendeu os moradores porque a Sabesp “repreendeu” o condomínio por não economizar água.

 

De fato, os condomínios têm sido apontados como os “vilões” do mais novo racionamento tucano – o anterior vigeu entre 1º de julho de 2001 e 27 de setembro de 2002 e foi de energia elétrica. Por conta de edifícios pagarem uma só conta de água, rateando a despesa pelos ocupantes do imóvel, as pessoas não “sentem” o custo e acabam gastando mais.

Não me recuso a economizar água. Afinal, se todos não economizarmos todos seremos afetados – alguns (os mais pobres, que moram nas bordas da cidade) serão mais afetados que outros, mas todos iremos penar, pois o racionamento com o qual especialistas acenam pode nos deixar 4 dias por semana sem água.

A Sabesp até pode PEDIR economia, mas que história é essa de “puxão de orelha”?!

Quem tem que levar puxão de orelha é a Sabesp e, acima da empresa, seu controlador de fato e de direito, o governo do Estado, que, imprevidente, em vinte anos de administração – sim, São Paulo mantém o mesmo grupo político no poder há duas décadas – não providenciou alternativa ao Sistema Cantareira.

Não é por outra razão que o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou inquérito civil para investigar a crise no Sistema Cantareira. Nesse inquérito, o MP levará em consideração a ausência de chuvas sobre as bacias hidrográficas que alimentam esse reservatório, mas também irá apurar erros de gestão da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Há suspeita de falhas na precaução contra as adversidades climáticas.

Esse trabalho deverá contar com integrantes do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) das unidades de Piracicaba e do Vale do Paraíba, além de estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e de troca de informações com o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP), que também investiga a questão.

A Sabesp recebeu autorização para explorar a distribuição de água em 1974. A licença venceu em 2004. Para que pudesse ser renovada, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) exigiram que a estatal elaborasse um plano de contingência durante situações de emergência.

Por exemplo? A construção de um novo aquífero para que o aumento da população fosse acompanhado por aumento das reservas de água, ora bolas.

A Sabesp teve sua outorga renovada sob a condição de que deveria providenciar, no prazo de até 30 meses, estudos e projetos que viabilizassem a redução de sua dependência do Sistema Cantareira.  Passaram-se 10 anos e essas determinações nunca foram cumpridas pelo governo paulista.

Apesar de não haver um racionamento convencional de água em São Paulo, os tucanos inventaram o racionamento virtual, pois, durante o período eleitoral, seria suicídio político o governador Geraldo Alckmin impor um racionamento à moda antiga, cortando o fornecimento de água. Atravessaremos as eleições, portanto, recebendo “apenas” esses “puxões de orelha”, como se fôssemos os culpados pela incúria do Estado.

É simbólico que tanto o racionamento de energia elétrica de 2001/2002 quanto o racionamento (disfarçado) de água de 2014 decorreram de falta de investimentos e de providências do tucano de plantão apesar de tanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quanto o governador Geraldo Alckmin terem sido avisados por especialistas e até pelo MP ao longo do tempo.

Mais preocupante, porém, é o tom que os síndicos paulistanos estão imprimindo às suas “circulares”. A impressão que se tem é a de que padecem do que ficou conhecido como “Síndrome de Estocolmo”. O que seja, quando o sequestrado estabelece empatia com o sequestrador, comprando seus pontos de vista e até seus interesses.

Para quem não sabe, essa síndrome recebeu o nome devido ao famoso assalto de Norrmalmstorg1, em Estocolmo, em 1973. Naquele episódio, pessoas sequestradas, após terem sido libertadas, defenderam publicamente os sequestradores, em um visível surto psicótico.

É o que parece estar acontecendo ao menos com os setores mais abastados da população paulistana. Essas “circulares” de síndicos portadores de Síndrome de Estocolmo estão se espalhando por São Paulo e, em alguns casos, em vez de “puxão de orelha” os síndicos estão dando safanões.

Para exemplificar, cometerei uma indiscrição. Em conversa com o blogueiro Rodrigo Vianna ele me relatou que sua irmã recebeu uma dessas “circulares” revoltantes, em que o culpado pela situação trata suas vítimas como responsáveis pela situação. Nessa “circular”, o síndico chega a falar em “maus moradores” do condomínio, que não estariam economizando.

Se você, leitor, recebeu uma dessas “pérolas” do síndico do seu prédio, sugiro que envie a ele a informação de que quem merece puxão de orelha não é você ou seus vizinhos, mas um governo incompetente que, por razões político-eleitorais, entre outras, deixou a situação chegar a esse ponto. E, caso sinta vontade, mande também o síndico se catar. Como fiz.