O SUS é ruim? Pois saiba que é bem melhor do que parece

Opinião do blog

Meu genro Isac chegou às portas do hospital da Escola Paulista de Medicina, em São Paulo, nas primeiras horas da manhã da última terça-feira (23). A fila dobrava o quarteirão e ele mal se aguentava em pé. Havia dois dias que passara a sentir formigamentos nos membros superiores e inferiores, dificuldade para movê-los e até para respirar, além de fraqueza extrema.

Por ser jovem (34 anos) e estar em excelente forma física – até por conta de ser fisioterapeuta e de já ter sido professor de academias de ginástica –, nunca se incomodou em pagar um plano de saúde para si, preferindo pagar para a esposa e para a filha nascida recentemente. Assim, nada mais lhe restava além de hospitais financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Por ser profissional da área de saúde, o rapaz já intuía o diagnóstico que lhe seria dado logo em seguida: Síndrome de Guillain Barré. Antes de prosseguir, pois, vale reproduzir explicações sobre essa doença extraídas de artigo publicado no site do médico Drauzio Varella.

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“A síndrome de Guillain-Barré, também conhecida por polirradiculoneuropatia idiopática aguda oupolirradiculopatia aguda imunomediada, é uma doença do sistema nervoso (neuropatia) adquirida, provavelmente de caráter autoimune, marcada pela perda da bainha de mielina e dos reflexos tendinosos. Ela se manifesta sob a forma de inflamação aguda desses nervos e, às vezes, das raízes nervosas.

O processo inflamatório e desmielizante interfere na condução do estímulo nervoso até os músculos e, em parte dos casos, no sentido contrário, isto é, na condução dos estímulos sensoriais até o cérebro.

Em geral, a moléstia evolui rapidamente, atinge o ponto máximo de gravidade por volta da segunda ou terceira semana e regride devagar. Por isso, pode levar meses até o paciente ser considerado completamente curado. Em alguns casos, a doença pode tornar-se crônica ou recidivar (…)

A síndrome de Guillain-Barré deve ser considerada uma emergência médica que exige internação hospitalar já na fase inicial da evolução. Quando os músculos da respiração e da face são afetados, o que pode acontecer rapidamente, os pacientes necessitam de ventilação mecânica para o tratamento da insuficiência respiratória (…)”

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Apesar da longa fila e da torturante espera no meio da rua até chegar ao atendimento na sala de espera daquele hospital, em poucas horas o rapaz já estava sendo atendido nos corredores repletos de pacientes em macas da unidade de emergência.

Não é bonito de ver o pronto atendimento dos hospitais públicos brasileiros. Pelo contrário, é chocante. Meu genro presenciou a morte de uma paciente na maca ao lado da sua, enquanto os jovens médicos tentavam, desesperadamente, revivê-la.

Pessoas amputadas, pessoas gritando de dor, parentes em desespero… Não é nada bonito. Muito ao contrário, induz quem vê aquelas cenas a considerar o SUS um sistema caótico e ineficiente.

A imagem que as unidades de emergência dos hospitais públicos – mesmo os de grande porte, como o hospital supracitado – passam à sociedade, porém, induz a uma visão errônea, como o blogueiro pôde comprovar ao acompanhar o que de fato acontece nesses locais.

Sim, o pronto atendimento dos hospitais públicos é caótico e maltrata quem está sofrendo. Não há conforto na porta de entrada. Mas, lá dentro, há medicina, sim. E de um nível que pode compensar a falta de “hotelaria” nessas instituições.

Um dos fatos mais interessantes sobre a vantagem do SUS sobre a medicina privada dos planos de saúde é a questão dos exames. Pude fazer essa comparação porque minha quarta filha, Victoria, padece de uma grave enfermidade neurológica e frequenta intensamente hospitais paulistanos tidos como “de excelência”, sobretudo o hospital Santa Catarina.

Para os médicos avaliarem o estrago que a doença promoveu em meu genro ele teve que fazer uma bateria de exames a partir do momento de sua admissão via SUS no hospital da Escola Paulista de Medicina. Exames caros, como tomografia e outros.

Se o rapaz tivesse um plano de saúde caro como o de minha filha (citada acima), todos aqueles exames exigiriam muita burocracia e muita briga porque os planos de saúde regateiam “autorização” para exames e procedimentos dispendiosos.

No SUS, não. É feito tudo que precisa ser feito e a família do paciente não tem que brigar como acontece com planos de saúde, tendo que ameaçá-los de processos ou até tendo que mover tais processos para obter o que tentam não oferecer apesar de serem obrigados por lei.

Para que se tenha uma ideia, em 2009 a minha filha Victoria só conseguiu fazer um determinado procedimento em um hospital “de excelência”, da rede credenciada do caríssimo plano de saúde, porque fui à Justiça. Mas entre o vai e vem para chegar à decisão judicial passaram-se 45 dias, com a menina exposta a infecção hospitalar etc.

No SUS, não teria havido esse drama.

Mas o que mais me surpreendeu nesse episódio do meu genro foi o tratamento que passou a receber após os médicos decidirem por sua internação.

Em primeiro lugar, a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na qual foi internado não perde em nada para as dos tais “hospitais de excelência” da rede privada. Ao menos em recursos clínicos, estrutura, atendimento dos médicos etc. Só não tem luxo – televisão, frigobar, refeições em bandejas elegantes etc.

Vagando pelos corredores do hospital, surpreendi-me com a limpeza, com o foco dos profissionais, enfim, com uma qualidade da instituição que o atendimento emergencial esconde.

Além disso, surpreendi-me com a educação e a atenção dos profissionais. No primeiro dia da internação do meu genro, ele estava cercado de profissionais atenciosos e simpáticos.

Mas não é só. O tratamento da Síndrome que acometeu o rapaz requer imunoglobulina humana, que, claro, os planos de saúde têm que fornecer. Mas isso porque são pagos. E caros. Além disso, devido ao alto custo daquele medicamento, na saúde privada os planos de saúde provavelmente dificultariam o fornecimento – já passei por isso com a minha filha.

Imunoglobulina humana é um medicamento caríssimo. Em pesquisa na internet, descobri que custa cerca de mil reais cada dose.

Meu genro precisava de 30 doses, que, somadas, dão para comprar um carro popular zero quilômetro. O hospital não tinha, mas o SUS disponibiliza. A única dificuldade é que a família do paciente tem que ir buscar em unidades de fornecimento de medicamentos – vide, no alto da página, foto da caixa de isopor com as 30 doses que obtive para o rapaz.

Não é por outra razão que, hoje, enfermos de países vizinhos vêm ao Brasil buscar socorro no SUS. Apesar da falta de conforto em nosso sistema público de saúde, em outros países – inclusive em países ricos como os Estados Unidos – quem adoecer e não tiver um plano de saúde até pode obter atendimento, mas se endivida até o pescoço.

Falta muito para o SUS oferecer, além da boa medicina que já fornece, também um mínimo de conforto. Todavia, é um sistema que funciona. E funciona tão bem que, mesmo pagando um caro plano de saúde, é bem provável que, se o problema de que você padecer for muito grave, talvez tenha que terminar o tratamento no sistema público.

É uma obrigação deste que escreve divulgar este relato para que aqueles que têm uma ideia errada do SUS reflitam se vale mesmo a pena pagar fortunas por planos de saúde privados se você tem direito a um sistema que, apesar do déficit de conforto, funciona bem.

Até porque, a filosofia exclusivamente capitalista do sistema privado pode vir a ser fatal para o paciente. Ao regatear “autorizações” para exames e outros procedimentos clínicos, os planos de saúde podem até matar o paciente. No SUS, você não correrá esse risco.