Execução de brasileiro na Indonésia por tráfico é barbárie

Reportagem, Sem categoria

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Daqui a cem anos, a história registrará que execuções bárbaras ocorriam com ampla concordância de grande parte dos então 7 bilhões de habitantes do planeta. Serão consideradas bárbaras pelo método e pela causa.

Para discutir essa questão, abordo o caso dos brasileiros presos na Indonésia por tráfico de drogas e condenados à morte pelo crime.

O brasileiro Marco Archer era instrutor de voo livre e foi preso ao tentar entrar na Indonésia, em 2004, com 13 quilos de cocaína escondidos nos tubos de uma asa delta. A droga foi descoberta pelo raio-x, no Aeroporto Internacional de Jacarta. O brasileiro conseguiu fugir, mas foi preso duas semanas depois.

Outro brasileiro, Rodrigo Gularte, também foi preso em 2004, mas a data da execução da pena ainda não foi definida.

Desde o governo Lula o Brasil vem trabalhando diplomaticamente na tentativa de comutar a pena de Archer de execução para prisão perpétua. As tratativas continuaram ao longo do governo Dilma, mas foram inúteis. No último sábado, o governo indonésio matou Archer a tiros . Gularte terá o mesmo destino em pouco tempo.

Deveria surpreender que a execução do brasileiro tenha valido críticas ao governo Dilma por tentar revertê-la e, também, por não ter conseguido reverter. Contudo, hoje, no Brasil, há uma horda considerável de psicopatas que culpam a presidente da República até por fazer chuva ou sol, de modo que não surpreende que até nesse caso tenham dado um jeito de criticá-la.

O que parece mais interessante do que darem um jeito de enfiar críticas a Dilma em qualquer assunto é a opinião do público sobre esse assunto em particular. Este blogueiro fez um comentário nas redes sociais sobre o caso, o que gerou reações surpreendentes.

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As reações a esse comentário podem ser classificadas em 3 tipos básicos, que têm subclassificações.

1 – Contrária à pena de morte, contrária à condenação à morte por tráfico e favorável à intervenção do governo brasileiro

2 – Contrária à pena de morte, mas favorável à condenação à morte por tráfico e contrária à intervenção do governo brasileiro por “respeito à cultura e/ou às leis indonésias”

3 – Favorável à pena de morte, favorável à condenação à morte por tráfico e contrária à intervenção do governo brasileiro

A originalidade das visões sobre o assunto gerou até uma matéria da BBC Brasil sobre brasileiros que apoiam a execução dos compatriotas em solo indonésio.

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Alguns comentários na matéria da BBC indicam parte das visões “curiosas” que essa questão desencadeou.

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Porém, as visões sobre o assunto são ainda mais diversificadas e surpreendentes. Foi o que o Blog apurou ao promover a enquete abaixo, no Facebook.

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Reproduzo, abaixo, algumas opiniões sobre essa enquete que enriquecem ainda mais o debate por revelarem que nem a rejeição à pena de morte é suficiente para condenar o que fez o regime indonésio, visto por muitos como “ditatorial”.

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A enquete rendeu mais de 100 comentários. Quem quiser ler todos, pode acessar o material no Facebook clicando aqui.

O que se percebe, porém, é que mesmo as pessoas que rejeitam pena de morte têm uma visão sobre a proibição do consumo de drogas e sobre o que chamam de “soberania” ou “cultura de outro povo” que vai de encontro ao que existe de mais avançado no mundo na questão das drogas.

Em primeiro lugar, o que choca no caso de Marco Archer é que, apesar de ter passado 11 anos preso à espera da morte – uma tortura inimaginável –, ele é tratado como “traficante” até por pessoas com visão mais humanista da vida.

Uma prisão indonésia deve ser quase tão ruim quanto uma brasileira. Archer foi preso quando tinha 42 anos e foi executado aos 53. Passou todo esse tempo assombrado por uma execução bárbara, a tiros, que muitas vezes obriga o carrasco a dar um “tiro de misericórdia” na cabeça do condenado por a saraivada não ter sido suficiente para mata-lo.

Archer cometeu um grave erro. Por 10 mil dólares, jogou sua vida fora. Provavelmente achou que poderia pagar a viagem à Indonésia fazendo um carregamento para algum traficante. Porém, dizer que era “traficante” só por ter sido preso com 13 quilos de cocaína é uma visão tremendamente intolerante.

Se por alguma ironia da vida um filho de alguma das pessoas que exigem a morte do traficante estivesse na situação de Archer, por certo a opinião dessas pessoas seria diferente.

Mas o pior mesmo talvez seja essa visão de que a lei indonésia deve prevalecer, como se qualquer lei que um país tiver fosse inquestionável. Um bom exemplo disso é a lei sul-africana do Apartheid. Pela lógica dos que defendem o império da lei indonésia, o mundo deveria respeitar o apartheid, a segregação de negros, que foi lei durante décadas na África do Sul.

Mas não é só isso. O mundo caminha para a abolição completa de penas bárbaras como a pena de morte e também para descriminalização das drogas. Ano passado, por exemplo, pela primeira vez a Organização das Nações Unidas pregou a descriminalização das drogas. Veja a matéria.


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Ano passado, o mundo se surpreendeu com a notícia de que Holanda estava fechando prisões por falta de criminosos. Países europeus que descriminalizaram as drogas e que têm prisões que cumprem o princípio fundamental da privação de liberdade, que é ressocializar o preso, e que têm distribuição de renda justa estão conseguindo criar sociedades utópicas.

Veja, abaixo, cela de uma prisão holandesa.

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Claro que a cantilena recorrente afirma que os holandeses podem fazer isso por serem uma espécie de “raça superior”, onde, por serem loirinhos e de olhos azuis, os condenados seriam melhores do que os nossos. Mas é bobagem, claro.

O que acontece em países como Holanda, Suécia e outros que descriminalizaram as drogas é que entenderam que o crescente aumento da massa carcerária em países como EUA ou Brasil decorre, em ENORME proporção, da penalização criminal do tráfico.

Eis que o processo de esvaziamento de prisões por falta de bandidos avançou na Holanda e, agora, o país está alugando vagas para países que ainda não conseguiram equacionar tão bem seus conflitos sociais.

Eis que em um mundo que caminha, inexoravelmente, para entender que o consumo de drogas não justifica o aparato repressor montado para impedi-lo, impor pena de morte ao “tráfico” só demonstra resistência da humanidade ao processo civilizatório.

Nenhuma lei, de país algum, é inquestionável. Foi assim com a lei sul-africana do apartheid, é assim com a lei indonésia de penalizar de forma tão selvagem o tráfico de drogas. Além disso, o brasileiro recém-assassinado a tiros na Indonésia foi punido com mais de uma década em uma prisão extremamente dura, mas a pecha de “traficante” faz com que pessoas decentes achem pouco.

Cumpre ao sistema educacional e à mídia explicar os avanços sociais que o mundo está experimentando e que, cedo ou tarde, espalhar-se-ão pela Terra. Pode demorar décadas, mas a humanidade irá rever conceitos bárbaros como o que matou Marco Archer.

Que descanse em paz.