Dilma paga o preço que toda mulher paga na política brasileira

Análise

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Apesar de a mulher representar 51,95% do eleitorado do país, o percentual de mulheres no Congresso Nacional não chega a 10%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na Câmara Federal, mulheres eram, em 2010, 8,8% dos 513 deputados – 45 foram eleitas. Em 2014, foram escolhidas 51 mulheres, ou 9,9%.

Houve, portanto, pequeno aumento com relação ao pleito anterior. A relação, porém, ainda é de menos de uma mulher para cada dez homens eleitos.

Por que há poucas mulheres na política brasileira? Quem quiser entender por que elas resistem tanto à política encontra a pista entre aquelas que arriscaram fazer carreira no mundo político, que, contrariando a composição demográfica da população, tem sub-representação feminina.

Pior do que ser mulher em uma arena política controlada desde sempre por homens, é ser mulher e de esquerda. Que o digam Luiza Erundina, Marta Suplicy e a própria Dilma Rousseff. Marta e Erundina terminaram mal seus mandatos à frente do poder Executivo, mesmo tendo feito gestões excelentes – gestão Dilma só poderá ser julgada quando terminar.

As duas ex-prefeitas petistas governaram para os mais pobres, criaram programas sociais duradouros, mas foram impiedosamente caricaturadas como sempre ocorre com mulheres fortes: “destemperada”, “histérica” ou, no caso de Dilma, “burra”, “autoritária”, “teimosa” etc.

Suposta qualidade que nos homens é considerada desejável, assertividade, em mulheres, vira defeito.

Na semana passada, o colunista Ruy Castro escreveu, em sua coluna na Folha de São Paulo, que Dilma já pode ser comparada à Geni de Chico Buarque, a que aparece nos versos “Joga pedra na Geni / Joga bosta na Geni / Ela é feita pra apanhar / Ela é boa de cuspir”’. Segundo o colunista, a presidente deve estar fazendo alguma coisa certa para apanhar tanto.

Concordo.

No caso da fragorosa derrota do PT no Congresso no último domingo, Dilma se tornou culpada. Nas redes sociais ou nos jornais, arcou, sozinha, com o ônus de um fracasso anunciado. Apesar de todos saberem que o Brasil elegeu o Congresso mais conservador dos últimos 30 anos, só Dilma foi acusada pela vitória estrondosa de Eduardo Cunha.

As “razões” alardeadas são difusas e confusas. Hora Dilma errou por não enfrentar mais os seus adversários, hora errou por não ter feito composição com o então candidato do PMDB à Presidência da Câmara.

O mais incrível em tudo isso é que Dilma não fez nada que Lula não tenha feito quando governou. Reclamam do mutismo de Dilma ao longo do escândalo da Petrobrás esquecendo que o ex-presidente também se calou por meses quando eclodiu o escândalo do mensalão e só falou publicamente sobre o caso em uma entrevista que concedeu durante viagem à França.

Na condução da economia, Dilma foi mais de esquerda do que Lula. Em seu pronunciamento pelo 1º de maio em rede nacional de TV, anunciou política de redução dos juros que seu governo passava a empreender oferecendo taxas mais baixas nos bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil.

Uma das razões da guerra política que a mídia e o capital declararam a Dilma reside aí. A medida foi tachada de “extremamente esquerdista” e “leniente com a inflação”.

Em janeiro de 2013, a presidente anunciou, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, a redução na tarifa de energia elétrica, descartando, já ali, qualquer possibilidade de racionamento, assim como continua fazendo.

Nenhuma medida macroeconômica desse porte foi tomada no governo Lula. Até porque, ainda não havia condições.

Ao longo do governo Dilma, empresários e barões da mídia chegaram a manifestar “saudade” da ortodoxia do governo Lula, ainda que esta tenha sido mitigada a partir de 2008, quando o então presidente da República adotou políticas anticíclicas para evitar que a crise econômica internacional exterminasse empregos, depreciasse salários e gerasse recessão.

Apesar disso, desde meados de 2013 o governo Dilma vem sendo acusado de ser “de direita” ou “neoliberal”. E essas acusações ganharam um volume tonitruante com o anúncio do novo ministério e de algumas poucas medidas microeconômicas referentes a benefícios como o seguro-desemprego.

Esquecem que, em 2003, primeiro ano do governo Lula, um ministério igualmente conservador foi montado e a política macroeconômica adotada foi tão ou mais “neoliberal” que a de hoje. Um tucano de carteirinha e banqueiro foi colocado para comandar a política monetária, o superávit primário perseguido – e alcançado – foi de enormes 4,25% do PIB e o que o governo perseguirá neste ano é de 1,2%…

Não se viu em 2003, porém, tamanha gritaria. Recentemente, aliás, surgiu a teoria de que, devido ao estado falimentar do país legado por Fernando Henrique Cardoso em 2003, haveria lógica na política econômica ortodoxa então adotada e mantida durante anos, antes de arrefecer.

Essa argumentação, pois, admite méritos da ortodoxia se a situação for grave, certo?

Ora, se a ortodoxia econômica mais intensa adotada por Lula em 2003 foi aceita devido ao estado falimentar do país, as poucas medidas desse jaez adotadas por Dilma, bem como a nomeação de alguns ministros tão conservadores quanto os que seu antecessor nomeou, são absolutamente justificáveis no atual contexto.

Mas o pior mesmo é atribuírem a Dilma o conservadorismo em que o país mergulhou após os protestos de junho de 2013.

Apesar de a presidente ter conseguido atravessar seu primeiro mandato preservando empregos e salários – últimos números do IBGE dão conta do menor desemprego e do salário médio mais alto da história, ano passado – e a despeito de uma crise internacional que cortou o exuberante crescimento chinês pela metade, aquele movimento inexplicável está na raiz da eleição de um Congresso tão conservador quanto esse que tomou posse no domingo.

Protestos cujos organizadores diziam ser “de esquerda” revolucionaram o quadro político no país e levaram este à direita. O Congresso recém-eleito é apenas a manifestação material desse fenômeno político.

Dilma não poderia ter impedido a vitória de Eduardo Cunha porque nem Arlindo Chinaglia, nem Júlio Delgado espelham o perfil conservador do novo Congresso. E não podia se compor com Cunha simplesmente porque sua plataforma de “governo” se baseou justamente no enfrentamento do Palácio do Planalto.

A esquerda que cobrou e cobra “esquerdismo” dos governos do PT e ataca as alianças à direita feitas por Lula e depois por Dilma, faria muito melhor se tratasse de ter votos, de eleger bancadas de parlamentares menos esquálidas. Sem eleger deputados, senadores e vereadores suficientes para apoiar governos de esquerda, não tem do que reclamar.