PM usou violência psicológica para interrogar estudantes

denúncia

shitão capa

Os relatos e as imagens da violência física que a PM usou contra estudantes que protestaram nas últimas semanas contra o fechamento de quase uma centena de escolas no Estado de São Paulo espalharam-se pelo país e pelo mundo, mas houve uma prática talvez até mais abusiva da corporação que precisa ser denunciada.

 

shitão 2

 

Um rapaz de 33 anos que foi detido pela PM na capital paulista na última quinta-feira (3/12) só por estar no caminho das forças de repressão do governo do Estado procurou o Blog para denunciar que, além da truculência com que foi preso, sofreu tortura psicológica durante um interrogatório ilegal levado a cabo pelos policiais que o detiveram.

Às cinco horas da tarde no cruzamento da rua Teodoro Sampaio com avenida Henrique Schaumman, em Pinheiros, zona oeste da cidade de São Paulo, um grupo de mais de 100 estudantes, a maioria das escolas estaduais Fernão Dias Paes e Godofredo Furtado, exercícia seu direito constitucional de manifestação quando a PM chegou.

 

shitão 1

 

O supervisor de cobrança Shitão Romeu, de 33 anos, morador de um município da Grande São Paulo passava pelo local e, sensibilizado pela causa dos estudantes, decidiu engrossar o ato. Sentou-se no meio da rua com os estudantes. Nesse momento, chega a polícia e exige a liberação da pista.

A Tropa de Choque se posiciona em formação do outro lado do cruzamento, na Teodoro Sampaio. Em menos de cinco minutos, começa a violência. Lança bombas de gás lacrimogênio e marcha em direção aos estudantes, sendo mais violenta com os manifestantes mais velhos.

Shitão estava sentado apenas assistindo ao avanço da tropa quando recebeu voz de prisão. A partir dali começaria seu suplício. Apesar de não ter sido agredido fisicamente, pois obedeceu a todas as ordens que recebeu da polícia, foi submetido a um interrogatório ilegal, sob ameaça de violência e com insinuações de que poderia até ser morto.

No vídeo a seguir, o leitor assiste ao momento em que o rapaz é colocado dentro da viatura da PM, onde ficaria por horas até ser levado à delegacia. Trata-se da pessoa que está na imagem no alto da página. Confira.

 

 

O militante em questão procurou o Blog e fez um relato dos momentos de pavor que passou nas mãos da polícia militar. A partir daqui, você confere essa história.

***

Quando cheguei ao local da manifestação a PM já estava jogando bombas e tentando dispersar os manifestantes usando cassetetes e empurrões. Passei pelos policiais e fiquei junto aos estudantes e me sentei na via com eles.

Talvez por eu ser aparentemente mais velho, vieram dois policiais pra cima de mim; um pegou no meu braço esquerdo e o outro no direito e disseram que eu estava sendo preso “por obstruir a via”. Empurraram-me para dentro da viatura.

Como havia muitos repórteres – muitos, inclusive, estrangeiros – filmando a minha prisão, achei melhor perguntar para onde estavam me levando, para que todos ouvissem, o que fiz pensando em proteger a minha vida porque os policiais pareciam bastante nervosos.

Eles disseram que estavam me levando para o 14o Distrito Policial. Nesse momento, gritei o meu nome para que os repórteres ouvissem. Eles perguntaram por que eu estava sendo preso e eu disse que foi por obstruir a via. Apesar de que havia muitas outras pessoas fazendo a mesma coisa, não sei por que fui escolhido…

A viatura arrancou comigo lá no “chiqueirinho”. Ouvi os policiais, na parte da frente da viatura, dizendo que iriam me levar para o Instituto Médico Legal. Fiquei bastante assustado.

A viatura ficou no IML por uns 40 ou 50 minutos e eles não me diziam nada. Eu não sabia o que ia acontecer.

Ouvia os policiais falando pelo rádio e percebi que eles ainda não tinham decidido para onde iriam me levar. Achei estranho porque falavam a meu respeito também pelo celular e pelo Whats App, para decidirem aonde iriam me levar. Isso me assustou porque eles tinham o rádio da viatura para se comunicar.

Após quase uma hora parado no pátio do IML, chegou uma segunda viatura e eles me transferiram para ela. Lá dentro, começaram a me interrogar.

Queriam saber sobre a minha vida pessoal, por que eu estava na manifestação, se eu era aluno de alguma escola, se eu estava sendo pago por alguém para “fazer baderna”, no que eu trabalhava. Consegui identificar meu interrogador pelo crachá. Foi o soldado “De Paula”.

O Soldado me perguntou o que eu estava fazendo em Pinheiros, já que eu o informei de que morava em Ferraz de Vasconcelos [município localizado na região metropolitana da São Paulo e microrregião de Mogi das Cruzes] e trabalhava na Barra Funda.

Mais uma vez, o soldado “De Paula” me perguntou se eu estava “sendo pago para fazer baderna”, ao que respondi que só diria alguma coisa na presença do meu advogado.

Ao ouvir isso, o meu interrogador ficou furioso e começou a fazer ameaças. Disse-me que eu tive “sorte” porque quem me prendeu não foi ele, pois se fosse ele iria me tratar “como bandido” e que eu “iria ver o que é bom”. E reclamou de eu querer falar só na presença do meu advogado.

Fiquei com medo porque tinha sido preso sozinho e eu não conhecia ninguém da manifestação, de modo que minha família não sabia que eu tinha sido preso.

O interrogatório aconteceu já no estacionamento da delegacia. Fiquei preso na viatura sendo interrogado por cerca de uma hora e meia. Não entendi por que não me levaram para a delegacia, já que estávamos em seu estacionamento.

Apesar de estar muito assustado, evitei de falar porque não sabia o que poderia acontecer comigo.

Quando entrei na delegacia, havia uma moça também presa por “desacato”, mas ela já estava acompanhada de seus advogados. Pedi ajuda a ela, disse que estava com medo pela forma como fui preso. Um dos advogados dela perguntou se poderia conversar comigo, mas os policiais não deixaram.

No total, fiquei mais de três horas preso. Não me deixaram beber água nem ir ao banheiro.

A todo momento eu era interrogado – antes mesmo de falar com o escrivão – de forma ameaçadora. Inclusive, um policial chamado “Evangelista” veio debochar de mim e me insultar. Comentou que eu estava usando uma camisa do “Chapolin Colorado” e disse:

— Se fodeu, né, seu filho da puta. O que você estava fazendo na manifestação? Você é de maior, né? Essa manifestação não tem estudante porra nenhuma [assista ao vídeo acima]. Você estava aliciando menores, seu pilantra.

Nesse momento, um dos advogados da moça que estava presa viu o que estava acontecendo e chegou perto de mim e do tal “soldado Evangelista” e ele parece que ficou com medo e me deixou em paz, mas toda hora me lançava olhares ameaçadores.

Como foram apreendidas carteiras escolares que os estudantes usavam na manifestação, os policiais cogitaram me indiciar por “furto”, apesar de que eu estava apenas sentado no chão no meio da rua. Isso também me deixou bastante assustado, pois aquilo era mentira.

A minha sorte é que ao ser preso eles não viram que eu estava com o meu celular e de dentro da viatura eu consegui enviar uma mensagem ao site “O Mal Educado”, que de alguma forma fez com que advogados viessem me procurar no 14o DP.

Os advogados são o “doutor Gabriel” e o “doutor Ricardo”.

Perguntei aos advogados se eu deveria falar ao escrivão sobre as ameaças que sofri e eles disseram que eu só deveria falar se eu me sentisse “confortável”.

Contei a eles, também, que os policiais que me levaram à delegacia não foram os mesmos que me prenderam em Pinheiros. E que me mudaram de viatura. Os advogados disseram que isso seria “importante” eu dizer porque poderia fazer com que a versão da polícia contra mim caísse “em contradição”.

Quis saber por que e me foi explicado que se os policias que estavam me acusando não estavam presentes no momento em que fui preso, isso colocaria em dúvida a versão que eles estavam contando, pois não presenciaram o que eu estava fazendo.

Quando fui colocado para dar declarações ao escrivão, que se mostrou educado, achei melhor não falar das ameaças, pois achei que se o fizesse poderia enfurecer os policiais que me interrogaram e eles poderiam dar um jeito de me manter preso e, lá dentro, não sabia o que poderia acontecer.

Eu só queria ser liberado logo…

Apesar do medo, resolvi contar essa história porque, em minha opinião, achei que os policiais foram instruídos a amedrontar aqueles que prendessem no âmbito da “guerra” que dizem que o governo de São Paulo abriu contra os estudantes.

Só quero deixar claro que fui preso sem que em nenhum momento eles tivessem pedido para eu sair da via. Não precisavam ter me prendido. Devido à forma como os policiais chegaram, os estudantes se dispersaram e a manifestação acabou ali. Fui preso para ser intimidado. Os policiais estavam muito bem instruídos.”