De um perseguido pela ditadura de 64 ao comandante do Exércio

Opinião

O advogado Francisco Calmon é ex-combatente da guerrilha contra ditadura militar, tendo atuado como dirigente e militante da AP, NML, COLINA, VAR-Palmares. Ele tem um recado para o comandante do Exército por conta de sua declaração de que teme uma “comissão da verdade” por conta da atuação militar no Rio.

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General, tome tenência!

Xico Celso Calmon

O carnaval deu o seu recado como a mais alta expressão cultural e popular do povo brasileiro. Disse, sem peias, que o golpismo do Vampirão não agrada e é indigesto ao paladar nacional.

Sem vazamento e sem cosmética, a Escola de Samba do Rio de Janeiro, A Paraíso do Tuiuti, fez o que os partidos e movimentos sociais ainda não tinham conseguido: uma aula de conscientização política, do passado ao sinistro presente, da escravidão dos negros à escravidão contemporânea de todos os trabalhadores.

O vídeo do seu desfile é um instrumento para a formação política e deve ser levado a todos os Comitês Populares Pela Democracia, para ser discutido e  produzir ações consequentes pela libertação do cativeiro social.

“Não sou escravo de nenhum senhor

Meu Paraíso é meu bastião

Meu Tuiuti o quilombo da favela

É sentinela da libertação…”

Os quilombos das favelas e do asfalto são, no presente, os comitês populares pela democracia, e nenhum liberto precisa de alforria para formar um comitê e agir.

A resistência democrática, que ainda se deliciava com as manifestações carnavalescas de protesto, foi surpreendida com o decreto de Intervenção Federal, de natureza militar.

Desde outubro do ano passado, 2017, o Vampirão teve reuniões com os donos das principais mídias do país, dos Marinhos ao Silvio Santos, no intuito de convencê-los de que, sem o apoio logístico deles (propaganda, desinformação e seletividade noticiosa),  o governo ilegítimo não conseguiria levar a termo as contrarreformas patrocinadas pelo golpismo, e o risco de uma convulsão social seria grande, talvez até mesmo iminente, com o impedimento da candidatura do Lula ou eventual prisão. E na linha de astuto marqueteiro, convenceu  que a sua impopularidade era combustível para a esquerda e desnutrição para qualquer candidato da direita.

A partir de então, a mídia golpista diminuiu eventuais críticas e passou-lhe a dar espaços generosas, na imprensa, rádio e  televisão.

Foi nesse cenário que assistimos o General Vilas Boas declarar ao portal G1 da Globo:

‘Militares precisam ter garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade’.

Quis alertar aos seus pares de farda que tomassem cuidado, pois virá uma comissão da verdade após a atual ditadura ser extinta?  E ao fazê-lo admitiu que na ditadura militar houve as graves violações aos direitos humanos.

Sempre haverá a necessidade de uma CV (Comissão da Verdade) quando uma democracia emergir após uma ditadura.

Para uma ditadura transitar a uma democracia, é essencial o acerto de contas com a história e a justiça para as vítimas da ditadura. Sem a justiça de transição, a democracia carregará em seu ventre as germes venenosos do antigo regime.

A CNV – Comissão Nacional da Verdade – foi precária em todos os aspectos e sentidos,  desde a sua composição à falta de recursos, da amplitude do período a ser investigado à sua metodologia trôpega, de divergências internas à coordenação curvada diante da sabotagem e prepotência de comandos militares. É causa da conjuntura, contudo, causa maior foram as instituições do Estado que não cumpriram as suas recomendações.

Numa ditadura há os mais e os menos radicais, mas todos partícipes dela. Os radicais querem o endurecimento permanente e estão à espreita de um motivo, que julguem razoável, para radicalizar a tirania.

Em 1968, usaram um discurso de menos de cinco minutos, de um jovem deputado do MDB, 32 anos, e a negativa da Câmara para que fosse processado, como a “razão” para a decretação do AI5.

Marcio Moreira Alves, em seu discurso, conclamava todos a agir: “Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das Forças Armadas, falando e agindo em seu nome”.

“Quando o Exército não será um valhacouto de torturadores?”,

O motivo do seu veemente discurso fora o fechamento da Universidade Federal de Minas Gerais e a invasão, dias antes, da Universidade de Brasília pela Polícia Militar do Distrito Federal, na qual espancou diversos estudantes.

E prosseguiu propondo uma ação: que  o povo não participasse dos festejos do dia da Independência, e que esse “boicote pode passar também às moças, às namoradas, àquelas que dançam com os cadetes e frequentam os jovens oficiais”.

Radicalizada a ditadura, 11 deputados federais foram cassados – e Márcio Moreira Alves encabeçou a lista.

Na ditadura dos canalhas há também os que agem como os da linha dura da ditadura militar.

Conheci o Moreira Franco, Secretário Geral do governo ilegítimo, na Ação Popular, e de lá pra cá só fez apurar seu caráter traiçoeiro; naquela época promoveu intrigas internas que fez com que a direção da AP abrisse um inquérito para apurar suas acusações contra um grupo de secundaristas, e só fez isso após ser triturado numa polêmica conosco, ele com seu “sociologês” versus a nossa defesa do marxismo; na eleição de 1982, que disputou e perdeu para o Brizola, houve a fraude da contagem de votos pela empresa Proconsult, associada a antigos colaboradores da ditadura. Do seu desmascaramento, como profissional da área de TI, pude contribuir, e derrotamos a armação da empresa em favor desse político das sombras.

Descrever o titular do Gabinete de Segurança Institucional do Vampirão é desnecessário. O general Sérgio Westphalen Etchegoyen tem no seu DNA, familiar e histórico, o arbítrio, a conspiração, a vocação para a ditadura. Foi um dos militares a tripudiar da CNV, classificando o trabalho da Comissão como patético e leviano.

Isso porque a CNV incluiu o pai dele, general Leo Guedes Etchegoyen, entre os militares responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura militar. Um tio dele, Cyro Guedes Etchegoyen, foi delatado pelo coronel Paulo Malhães à Comissão, como a autoridade responsável pela Casa da Morte, local de tortura e extermínio de presos políticos da ditadura, localizada no município de Petrópolis, Rio de Janeiro.

Paulo Malhães, que com sua equipe foi responsável pelo meu sequestro,  admitiu ter participado de sessões de tortura e de várias ocultações de cadáveres  e  mutilação dos corpos.

Cerca de um mês depois de prestar o depoimento à Comissão da Verdade, foi assassinado por asfixia em sua casa localizada na zona rural de Nova Iguaçu.

Major Sebastião Curió e outros militares também já admitiram que as Forças Armadas jogaram napalm durante o confronto com a guerrilha no Araguaia, atingindo plantações e camponeses da área, bem como cortaram cabeças dos guerrilheiros abatidos.

Como fartamente provado, até pelos jornais censurados da época, que sequestravam advogados, como fizeram por quatro vezes com o humanitário e corajoso causídico, meu amigo, já falecido, Antonio Modesto da Silveira.

De um lado e de outro, o Vampirão tem nesses dois assessores a incitação para as armações, conspirações, desobediência à Constituição e sobretudo para cometer crimes de lesa-humanidade.

Não poderia ser de outro viés a sua assessoria, visto que o Vampirão iniciou sua carreira política num governo estadual de apoio à ditadura e escancaradamente corrupto, governo Ademar de Barros.

Surpreendente foi a declaração do Comandante do Exército, Gal. Villas Boas, tido por alguns como moderado e nacionalista.

Sua declaração demonstra que não aprendeu com a historia e ainda quer repeti-la. Solicita um salvo conduto para violar os direitos humanos, como seus pares da ditadura militar o fizeram.

Tome tenência, General!

Não é tomar a casa ou a repartição do tenente, mas no sentido de assuntar, observar, pensar com cautela antes de desferir acinte, ter cuidado  para evitar o perigo, enfim: tomar juízo.

O perigo existe nas suas fileiras, General, lembre daqueles como o capitão Guimarães, tenente Ailton Joaquim, sargento Rangel, cabo Povoleri, sargento Torres e outros mais, que, além de torturadores e matadores do esquadrão da morte, tornaram membros importantes do crime organizado.

Não é o salvo-conduto para violar os direitos humanos a solução, assassinar os direitos humanos é eliminar o caminho da solução. Mataram Cristo, achando que era a solução, e o cristianismo surgiu e cresceu.

O método de teoria do choque é provocar o desastre para dele se aproveitar e implantar seus objetivos. É  bem  provável que provoquem a violência e com ela o caos social para o Estado policial militarizar por completo a vida social e decretar a falência do que ainda resta de democracia, como as eleições deste ano.

Se eliminam as armas da crítica, o contraditório, qual caminho restará? Cautela, general!

Por seu turno, a resistência tem que ultrapassar a fase de diagnósticos e adentrar na capilaridade social, no sentido de sua organização e conscientização política da luta de classes.

Será  inevitável e inexorável a vitória da democracia, dure o tempo que durar,  como todas, essa ditadura também terá fim.

Xico Celso Calmon é ex-combatente da ditadura militar, tendo atuado como dirigente e militante da AP, NML, COLINA, VAR-Palmares. Profissional de Administração de Empresas, públicas e privadas, Advogado e Analista de TI. É membro da coordenação da FPB-ES e do Fórum Memória, Verdade e Justiça. Autor dos livros “Sequestro Moral e o PT com isso”, e “Combates Pela Democracia”, e coautor dos Livros “Resistência ao golpe de 2016” e “Uma Sentença anunciada – o processo Lula”.