Revelação de que Geisel ordenou mortes vem em momento ‘importante’

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A revelação, a partir de um memorando da CIA, de que o general Ernesto Geisel, presidente do Brasil de 1974 a 1979, durante a ditadura militar (1964 a 1985), tinha ciência e orientou a execução de opositores do regime, vem em momento “importante” da vida do país na avaliação de quem se dedica a estudar o período.

“A revelação choca e é muito grave. Confirma algo que se pensava: que as ordens e o modo de se fazer execução vieram do próprio Presidente da República”, afirma Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ)e primeiro coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Para o jurista, a sociedade precisa saber o que aconteceu no período e, para tanto, o relatório da central de inteligência dos EUA veio à tona hora certa. “A história do Brasil se escreve através de linhas tortas. Nós estamos em um período eleitoral e o país deve ter consciência desses fatos, até para que não se tenha deturpação da vontade popular em votar ou eleger pessoas que ainda defendem esse período nebuloso”, diz Dipp.

Líder de pesquisas de intenção de voto sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o deputado federal e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ) costuma dar declarações em que enaltece o regime militar. Ele chegou a dedicar seu voto no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ao coronel Carlos Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi em São Paulo e notório torturador.

O professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Dallari, que coordenou a comissão durante na etapa final dos trabalhos, classifica o documento como “estarrecedor”. “Algo que é de uma barbaridade enorme, o extermínio de seres humanos, passa a ser tratado como uma política pública. O presidente decide se vai dar continuidade à política do governo anterior ou se vai fazer ajustes com a maior naturalidade”, afirma.

“Essas graves violações de direitos humanos na ditadura foram uma política de Estado, não foram produto, como os militares queriam fazer crer, de alguns psicopatas que agiram isoladamente”, diz Dallari, em referência às conclusões da CNV. “O documento da CIA comprova o que já se sabia, mas os detalhes são escabrosos, muito graves. O fato de sabermos que os governos militares estavam envolvidos na repressão não nos deve fazer perder a sensibilidade com o horror”, diz.

Para o historiador Boris Fausto, o documento confirma o prejuízo à imagem de liberal atribuída a Geisel, responsável pelo início da “abertura” do regime. “Há depoimentos famosos dele em que ele faz defesa da tortura em certas circunstâncias. Não que ele não fosse algo diferente dos superduros de Garrastazu Médici e companhia, mas agora é um passo a mais, é um reconhecimento, uma afirmação pela CIA de que ele acabou concordando com a morte de gente considerada ‘altamente perigosa’”, conclui Fausto.

O historiador observa que o documento permite entender por que Geisel escolheu o general João Baptista Figueiredo para suceder-lhe na Presidência da República. “O Geisel também não tem nada de liberal, tem responsabilidades profundas, mas também tem a intenção de promover uma abertura no regime. E não por pressões populares, mas, sobretudo, porque ele estava interessado na estrutura hierarquizada do Exército, que vinha se desmontando dia após dia”, explica.

O relato sobre o aval de Ernesto Geisel a execuções sumárias de opositores do regime militar foi extraído de um memorando do ex-diretor da CIA Willian Egan Colby enviado ao secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, datado de 11 de abril de 1974. Trata-se de um dos milhares de documentos da relação dos Estados Unidos com a América do Sul entre 1969 e 1976 mantidos em confidencialidade por mais de quatro décadas e que, desde dezembro de 2015, estão disponíveis para consulta pública

Com informações da Veja