Presidente da França Emmanuel Macron

França pode adotar lei contra fake news

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Presidente da França Emmanuel Macron

Legisladores franceses começaram a debater na quinta-feira (7) uma nova legislação contra as notícias falsas, também conhecidas pelo jargão “fake news”.

Incomodada, a oposição afirma que o governo quer censurar a imprensa. Discussões semelhantes já existem em outros países europeus, como a Itália e a Alemanha.

A medida foi proposta pelo presidente centrista Emmanuel Macron, eleito no ano passado após campanhas de difamação e informações nunca provadas de uma suposta conta dele no exterior.  “Em instantes, mentiras contra um político podem se espalhar pelo mundo em todas as línguas”, Macron disse quando foi eleito.

Ele já havia sido criticado por proibir veículos russos, como o RT, de cobrir a sua posse no Museu do Louvre em 2017. Macron afirmou —inclusive diante do presidente russo, Vladimir Putin— que aqueles meios eram plataformas de propaganda de Moscou.

Se a lei for de fato aprovada, dará à Justiça a prerrogativa de bloquear notícias falsas nos três meses que antecedem as eleições. Juízes terão um prazo de até 48 horas para determinar a veracidade das reportagens. É um poder demasiado grande, dizem os críticos, a ser exercido durante um período muito curto.

As próximas eleições presidenciais francesas só devem ser celebradas em 2022, mas a nova lei já pode ser testada no ano que vem durante o pleito legislativo para formar o Parlamento Europeu.

Em uma charge política, o jornal francês Le Monde se perguntou nesta semana se a lei contra as “fake news” também poderia valer para os programas eleitorais dos próprios candidatos.

O debate legislativo foi iniciado na Assembleia Nacional, onde Macron tem a maioria, mas precisa passar também pelo Senado. Ali, a maioria é dos conservadores Republicanos. Não há estimativa de prazo para o trâmite.

A senadora centrista Nathalie Goulet disse à Folha que quando o texto chegar à sua Casa, ela irá votar pelo “não”. “Estamos preocupados com a liberdade de imprensa.”

O voto de Goulet é importante porque ela própria propôs no ano passado que o Senado legislasse sobre as “fake news”. “Mudei de ideia depois de conversar com jornalistas e entender melhor o problema”, conta.“Se você decidir que uma notícia é falsa, precisa decidir também qual é a verdadeira, e isso é um procedimento de tipo russo. Não é democrático.”

A discussão de como combater campanhas de desinformação faz parte de um debate mais amplo, vivido também em outras nações europeias. Não há consenso sobre como estabelecer quais notícias são falsas.

Um dos riscos é que, insatisfeitos com coberturas negativas, políticos poderão dizer que são alvo de campanhas de “fake news” —como tem já feito o presidente americano, Donald Trump.

O fato de que a lei debatida na França pode ser implementada especificamente antes de eleições é particularmente delicado. Afinal, foi durante a última campanha eleitoral  que surgiram na imprensa as denúncias de corrupção contra o conservador François Fillon, então um favorito ao posto de presidente. Sua candidatura ruiu naquele momento.

A candidata da direita nacionalista, Marine Le Pen, que perdeu no segundo turno contra Macron, tem liderado as críticas à nova lei. “A França ainda será uma democracia, se silenciar os cidadãos?”, perguntou a líder da Frente Nacional.

O governo britânico já conta com um departamento específico para a análise de notícias falsas, e a Itália criou um programa de alfabetização digital para preparar as crianças à leitura crítica das notícias que circulam na internet.

A Alemanha, por sua vez, tem desde janeiro uma lei que estipula multas de até R$ 230 milhões para as redes sociais que circulem “fake news” e conteúdo racista ou de teor terrorista —após duras críticas, o país considera repensar a legislação.

Já a Comissão Europeia (o braço Executivo da UE) formula agora uma cartilha sobre esse tema pedindo a autorregulação da imprensa. Está descartado, por ora, criar leis europeias contra o “fake news”.

Em sua defesa, o governo francês diz que não tem a intenção de controlar a imprensa, mas apenas de enfrentar a divulgação de inverdades por meio de contas falsas em redes sociais como o Twitter ou o Facebook.

Isso não deve convencer no entanto os deputados da oposição. Também em outros âmbitos —como a reforma trabalhista— o presidente tem sido descrito como demasiado autoritário. Ele próprio já se descreveu como uma espécie de Júpiter, deus romano todo-poderoso.

Um dos argumentos dos críticos é o de que a França já conta com uma lei para combater o “fake news”, com um texto de 1881 punindo a difusão de informações falsas. Essa lei, porém, é raramente acionada.

Comentando o texto em discussão no Parlamento, o jornal francês Le Monde foi bastante crítico nesta semana, dizendo que os deputados “parecem ter deliberadamente decidido fazer uma lei ineficaz”.

A ideia de que um juiz terá de decidir em 48 horas se uma notícia é verdadeira ou falsa, segundo o diário, significa que na prática a nova legislação não será aplicada.

“O maior problema de nossas sociedades não está tão relacionado às notícias falsas, e sim ao fato de que um grande número de cidadãos decidiu acreditar nelas”, afirma o editorial do Le Monde. É perigoso, segundo o jornal, “pensar que uma lei simbólica será o suficiente para resolver essa grande crise de nossas democracias.”

Com informações da Folha