Centro histórico de SP vira símbolo do abandono legado por Doria

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No meio da calçada tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio da calçada. Uma não, várias. Quem titubear pode levar um tombo ao seguir pelo calçadão do centro histórico de São Paulo, onde as ruas, exclusivas de pedestres, tornaram-se símbolo do abandono que ronda a cidade.

Há muita pedra portuguesa solta; outras, jogadas pelos cantos. Trechos remendados com cimento na lateral dos calçamentos ganham ares de “puxadinho”. Há buracos com entulho.

Existem outros onde cabem até uma pessoa adulta deitada. É o caso daquele encontrado na rua da Quitanda, a uma quadra de um dos mais importantes e imponentes centros culturais do país, o do Banco do Brasil.

Turista de Rio Verde (GO) que esteve ali com a intenção de flanar pela história de São Paulo, Antônio Denelli, 31, estava assustado com que viu.

“É constrangedora a forma que insistimos em desrespeitar a história”, disse ele. “Todo mundo adora ir para a Europa e ficar de boca aberta com os lugares antigos. Agora, aqui, nesse centro tão lindo, mas tão mal cuidado, ninguém faz absolutamente nada?”

A Prefeitura de São Paulo diz que faz, sim. Afirma que estruturou “um amplo plano de recuperação das calçadas e dos calçadões do centro da cidade”. Só não sabe informar quando ele deve começar, tampouco ficar pronto.

Enquanto isso, o pedestre que circula diariamente a trabalho ou nos fins de semana a lazer pelo calçadão central que redobre a sua atenção.

Durante a semana passada, a reportagem encontrou problemas em diferentes trechos das ruas São Bento, 15 de Novembro e Álvares Penteado, assim como no da já citada rua da Quitanda, além de falhas no calçamento das praças Antônio Prado, Padre Manuel da Nóbrega e Patriarca, entre outros pontos centrais.

No fim de 2017, o então prefeito João Doria, que deixou a prefeitura para ser candidato ao governo do estado pelo PSDB, anunciou que trocaria as pedras por concreto. A manutenção, segundo o tucano, seria
até seis vezes mais barata.

Não se trata de gasto, mas, sim, de uma política de conservação eficiente, opina Tarcisio D’Almeida, 45, professor de moda na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que se diz apaixonado, porém desanimado, pelo centro paulistano.

Para ele, a cidade mais rica do Brasil assiste anestesiada ao pleno descaso e abandono daquela região, que foi e segue sendo tão importante para o desenvolvimento nacional.

A ausência de zeladoria depõe “contra uma estética de liderança de grande metrópole na América Latina”, ainda nas palavras de Almeida.

Especialista em urbanismo, José Geraldo Simões, 61, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que esse sistema de pavimentação era adequado para calçadas de praças e espaços públicos que surgiram no século 19, em Portugal. Em São Paulo, diz ele,
as pedras portuguesas passaram a pavimentar o calçadão do centro no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Primeiramente, ele avalia as vantagens desse tipo de cobertura. “É durável e pode ser facilmente reposta com até 90% de aproveitamento. Além de bonita, é drenante. Quando chove, a água interpassa o piso, sendo absorvida pelo solo”, explica.

Quanto às desvantagens, o professor aponta: “O problema é que caixas de empresas de serviço, como gás, telefonia e energia, que passam embaixo da rua, precisam ser abertas para algum tipo de reparo”.
Normalmente, empresas contratadas para fazer esse conserto não têm tecnologia para recompor o piso como estava antes, diz.

“Acabam aplicando cimento e instalando as pedras de forma desigual, o que faz com que elas se soltem. E é aí que aparecem os buracos.”

Diante deles, uma saída talvez seja a mesma encontrada na avenida Paulista, onde mosaicos foram substituídos por placas de concreto, sinalizando, assim, o fim das calçadas portuguesas. “Apenas as que estão em frente aos prédios históricos tombados pelo patrimônio são preservadas”, conclui.

O que, contudo, ainda não se vê na região central. Há trechos esburacados próximos e até mesmo em frente a prédios históricos tombados.

Projetado pelo arquiteto italiano Marcello Piacentini, a pedido do empresário Francisco Matarazzo Júnior, para servir como sede de sua indústria, o Edifício Matarazzo abriga a Prefeitura de São Paulo.
Sua larga calçada, em pleno  Viaduto do Chá, exibe um buraco cujo espaço é suficiente para receber dois pés calçando o número 41 —com folga.

OUTRO LADO

Quanto aos casos apontados pela Folha, a Prefeitura Regional da Sé diz que realiza o reparo nos calçadões da região central diariamente.

Apenas no primeiro semestre deste ano, o órgão informa que foram recolocadas 3 toneladas de pedra. A equipe de conservação também realiza a reposição de grelhas de água pluviais diariamente em toda a região —desde junho, informa, foram repostas 200 na região. O serviço de varrição, continua, também é realizado todos os dias.

A prefeitura, sob a gestão de Bruno Covas (PSDB), afirma ainda que estruturou “um amplo plano de recuperação das calçadas e calçadões do centro da cidade”.

O projeto é dividido em duas etapas, sendo que a primeira já teve o projeto básico finalizado pela SP Urbanismo, que foi aprovado pelo Conpresp —o conselho concordou, diz, com a substituição do mosaico português por piso cimentado, o que vai favorecer a mobilidade, acessibilidade e também a manutenção da calçada.

No entanto, continua a explicação da prefeitura, devido à importância histórica das pedras portuguesas, o mosaico será mantido em alguns locais estratégicos, próximos a edifícios tombados, como as igrejas de Santo Antônioe São Francisco.

As obras, ainda de acordo com a prefeitura, irão recuperar 10,8 mil metros quadrados de calçadas em ruas como a São Bento, João Brícola e Álvares Penteado, entre outras —justamente aquelas onde a reportagem encontrou mais problemas no calçamento.

Os trabalhos serão realizados por parceiros da iniciativa privada.

Questionada durante toda a semana passada, a prefeitura não informou, porém, quando isso de fato irá acontecer.

A segunda etapa contemplará as calçadas dos dois lados do Vale do Anhangabaú. O projeto básico para essa etapa está em fase final de elaboração pela SP Urbanismo e será encaminhado para avaliação do Conpresp, segundo a prefeitura.

As obras serão executadas com recursos públicos, e a licitação será feita pela Prefeitura Regional da Sé.
Diante desse cenário, a resposta que paulistanos e também aqueles que adoram passear pela história da maior metrópole brasileira querem saber: quando? A prefeitura também não respondeu.

Com informações da Folha de S. Paulo.