Analistas americanos veem risco da democracia como oportunidade

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Um retrocesso, uma ameaça aos direitos dos cidadãos e à democracia, um risco à educação, ao ambiente e ao pluralismo. Mas também um basta a um sistema carcomido e uma resposta à corrupção da elite política, à recessão e a serviços precários.

É assim que especialistas estrangeiros que acompanham a política brasileira veem nosso copo após a eleição de Jair Bolsonaro: cheio de riscos e de novidade. O equilíbrio entre eles só o tempo revelará.

“Não acho que, subitamente, [Bolsonaro] criará um Brasil autoritário”, diz IanBremmer, da consultoria de risco político Eurasia, acrescentando que as instituições brasileiras —sobretudo o Judiciário— são fortes e que será preciso negociar no Congresso.

“Após o impeachment da Dilma [Rousseff], a prisão de Lula e a Lava Jato, as pessoas queriam alguém diferente, mesmo que não seja a melhor ideia. Não acredito que as consequências de seu governo serão dramáticas.”

Scott Mainwaring, da escola de política de Harvard, é mais cauteloso e espera, no melhor cenário, um “Alvaro Uribe brasileiro”, em alusão ao ex-presidente da Colômbia: “Haveria sérios abusos de direitos humanos, mas ele abriria um processo de construção de Estado, tornando-o mais efetivo, o que é essencial para o desenvolvimento”.

Para ele, os desafios de curto prazo são corrupção, violência e crescimento econômico. No longo prazo, cita Justiça, desigualdade e ambiente.

No pior cenário, haveria erosão da democracia e colapso. O atalho para isso é prender líderes de oposição —algo que o presidente eleito mencionou quando candidato. “Não acho provável, mas esse cenário pareceria com a Venezuela a partir de 1999 ou a Rússia depois que Putin chegou ao poder, ou a Nicarágua agora.”

Isadora Moura Mota, historiadora da Universidade de Miami, vê uma guinada conservadora na educação. “Há ameaça ao pluralismo democrático, à liberdade de ensino e à igualdade racial e de gênero”, afirma ela, para quem Bolsonaro “defende uma intervenção federal para controle do conteúdo nas escolas”.

James Green, brasilianista da Universidade Brown, é o mais pessimista: “A vitória do Bolsonaro representa o maior retrocesso sofrido no Brasil desde 1964, quando os militares tomaram o poder”, diz.

“É uma ameaça direta à democracia e às conquistas de movimentos sociais, das mulheres, dos negros, da população LGBT e dos mais pobres”, afirma ele, para quem o argumento de que o discurso é só “retórica” não convence, já que o novo presidente precisará agradar quem o elegeu.

Com ele concorda Bryan McCann, da Universidade de Georgetown (Washington), que prevê enfraquecimento na proteção dos direitos humanos do ambiente. “Levo a sério o que ele fala. Mas claro que não vai conseguir implementar tudo o que promete. A população vai precisar reagir para defender a lei e os direitos civis. Também será importante jornalismo crítico”, diz.

Thomas Trebat, que dirige o Columbia Global Centers na Universidade Columbia (Nova York) é outro que se diz preocupado e vê riscos à democracia. “A vitória [de Bolsonaro] representa um grande rompimento com o passado recente da política brasileira.  Também é um pulo no escuro, já que sabemos quase nada sobre como ele vai lidar com as questões que o elegeram: violência, corrupção, valores familiares, economia, entre outras coisas”, afirma.

“As instituições estão quase totalmente despreparadas para lidar com comportamentos autoritários. Grupos e indivíduos em todo o país estarão atentos ao seu governo. A imprensa, os partidos, o Congresso, o Judiciário, organizações religiosas e grupos da sociedade civil serão testados. Caso ele tenha sucesso na área econômica, sua legitimidade será ampliada e o partidarismo da sociedade brasileira vai diminuir. Mas se não tiver, e focar em questões que dividem a sociedade, será preocupante.”

Riordan Roett, da Universidade Johns Hopkins, vê na eleição uma resposta à corrupção e outros problemas do Brasil e propõe parcimônia. “Precisamos aguardar ao menos seis meses. Ele conseguirá criar alianças no Congresso? Lidar com o déficit fiscal? Ser um governo de centro-direita e fugir dos extremos?”

Peter Hakim, o presidente emérito do Inter-American Dialogue que há décadas estuda o Brasil, tem uma resposta pouca animadora para essas perguntas.

“A real questão é se Bolsonaro conseguirá resolver as grandes questões que estão arrastando o Brasil para a lama hoje. Ele terá grandes desafios nas áreas da economia, da educação e da saúde. E tem oa corrupção. Ele tem um plano real para fazer mais sobre o problema?”, indagou, acrescentando estar pessimista e afirmando que não estaria melhor de Fernando Haddad tivesse vencido. ​

Da FSP