As era das fake news e o reflexo delas nas eleições

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Com ajuda de um sistema desenvolvido por pesquisadores brasileiros, passei sete dias acompanhando 272 grupos no aplicativo.

Meu objetivo era entender a lógica de distribuição do conteúdo político que chega a milhões de pessoas diariamente pelo WhatsApp, principalmente no período eleitoral.

Em uma semana, vi:

  • Muita desinformação, como imagens no contexto errado, áudios com teorias conspiratórias, fotos manipuladas, pesquisas falsas
  • Ataques à imprensa tradicional, como capas falsas de revistas e falsa “checagem” de notícias que, de fato, eram verdadeiras
  • Imagens que fomentam o ódio a LGBTs e ao feminismo
  • Uma “guerra cultural” organizada, com ataques sistematizados a artistas em redes sociais
  • Áudios e vídeos de gente comum ou de gente que se passa por gente comum, mas com identidade desconhecida, dando motivos para votar em um candidato

Mas qual é o peso dessa desinformação circulando no WhatsApp durante as eleições?

A rede é a mais difundida entre eleitores brasileiros, utilizada por 66% deles, ou 97 milhões de pessoas, segundo a pesquisa Datafolha divulgada nesta semana. Chega a ser maior do que o Facebook, usado por 58% dos brasileiros que votam.

Segundo o próprio WhatsApp, 120 milhões de brasileiros usam o aplicativo. E muitos, principalmente das classes C, D e E, aderem a planos de celular com pacote restrito de dados, mas com WhatsApp gratuito graças a um acordo com as operadoras. Isso significa que acabam tendo acesso à internet somente por meio do aplicativo, ou seja, sem possibilidade de clicar em links ou verificar na rede a origem da informação.

Ao menos no Brasil, o WhatsApp deixou de ser apenas um aplicativo de mensagens instantâneas. É uma rede social também, com grupos públicos, desordenados e extremamente dinâmicos de até 256 integrantes nos quais se entra por meio de links divulgados em sites ou em redes sociais. Pessoas do Brasil inteiro que não se conhecem conversam pelos grupos. É bem diferente, portanto, dos grupos privados de famílias, amigos, colegas.

Por isso, reitero: acompanhar dezenas de grupos no WhatsApp é uma experiência surreal.

Ao ligar o celular pela manhã, às 10h, contabilizo 13.698 novas mensagens. Eu havia desligado o celular na noite anterior. Em 12 horas, mais de treze mil mensagens foram enviadas em 28 grupos públicos.

O grupo que bate o recorde é o “Debate Político”: 1.793 mensagens enviadas durante a noite e madrugada. O grupo tem 166 participantes com DDDs que vão do 11 ao 99. Tem gente de São Paulo, Minas, Rio, Paraná, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Brasília, Bahia, Pará, Maranhão, Alagoas, Ceará e Pernambuco. Tem até alguns usuários nos Estados Unidos.

Mas a dinâmica do grupo é o oposto do que seu nome propagandeia (“de debate só tem o título!”, me disse um dos integrantes do grupo, o estudante potiguar Renan Bezerra dos Santos, 17). Não há debate, senão usuários bombardeando o grupo com um sem número de textos, links, imagens e vídeos, sem descanso, sem troca de ideias.

Ao menos é um grupo democrático, apesar de focado nos dois extremos da disputa: apoiadores de Bolsonaro publicam conteúdo a seu favor ao mesmo tempo em que recebem material pró-Lula e Haddad.

Para facilitar meu experimento, utilizo o “Monitor de WhatsApp”, um sistema criado pelo professor Fabrício Benevenuto, do departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e mantido por ele e seus alunos.

O sistema acompanha 272 grupos públicos de WhatsApp por meio de celulares destacados só para isso e mostra as imagens, links, vídeos e textos compartilhados nos grupos. O pesquisador decidiu compartilhar o sistema com a imprensa, que passou a ter um canal para monitorar o que até então era um desconhecido universo de desinformação na rede. Não há coleta de dados pessoais dos participantes.

Alguns dos grupos monitorados: “Jair Bolsonaro 2018”, “Lula Presidente”, “O Brasil com Ciro”. Tem até um “Cabo Daciolo Presidente”. A maioria dos grupos reúne apoiadores de um só lado, formando uma rede de bolha que pouco se comunica no nível dos grupos, mas que permeia diferente setores conforme o conteúdo se espalha pelos milhões de grupos conhecidos e parentes.

Há mais grupos sobre Bolsonaro (são 33) do que o restante. Isso gera, no pesquisador, uma preocupação com o desequilíbrio do estudo. No entanto, pode indicar que, de fato, haja mais grupos políticos sobre o candidato no WhatsApp. É impossível saber ao certo por que o aplicativo não divulga o total de grupos existentes.

Dados do Datafolha, no entanto, jogam luz sobre essa dúvida: respondendo à pesquisa nesta semana, eleitores de Bolsonaro foram os que mais declararam usar alguma rede social – 81% -, ante 59% dos eleitores de Haddad. Também foram os que mais disseram ler notícias sobre política no WhatsApp. São 57% dos eleitores de Bolsonaro, enquanto só 38% dos eleitores de Haddad disseram se informar no aplicativo sobre política.

Por isso, o resultado do meu experimento mostra mais notícias falsas publicadas por um polo, o do lado de Bolsonaro. Mas sabemos que há notícias falsas produzidas pela esquerda que circularam também, como as de quando Bolsonaro foi esfaqueado.

Na ocasião, há um mês, foram difundidas em grupos, por exemplo, áudios e imagens dizendo que o ataque tinha sido armado – porque não havia sangue, porque os médicos que lhe atenderam estavam sem luvas ou ainda porque o presidenciável havia sido registrado sorrindo e entrando de pé no hospital, muito embora essa última cena tivesse acontecido no mesmo dia, mas antes do ataque. Como bem sabemos, Bolsonaro foi vítima, sim, de um esfaqueamento.

Para chegar aos grupos que monitora, Benevenuto automatizou uma busca por links de grupos de WhatsApp com palavras-chave ligadas a política. Ou seja, a entrada em grupos políticos é tão imparcial e abrangente quanto possível.

O link mais divulgado do dia, compartilhado 45 vezes em 29 grupos, é de uma suposta pesquisa do Datafolha: “Sua opinião é muito importante para nós! Participe da pesquisa e confira os resultados das eleições hoje”.

Essa, para mim, como jornalista, é fácil. Imagino que seja um link falso porque sei que não há pesquisas do Datafolha conduzidas online. Uma simples busca confirma minha hipótese: digito “Datafolha WhatsApp” no buscador e o primeiro resultado é uma reportagem informando que os links do Datafolha compartilhados em grupos são falsos.

O link original com a notícia falsa já está fora do ar – e é impossível, portanto, averiguar a quem pertencia e com que objetivo foi criado.

Também vejo que usuários compartilharam em grandes quantidades imagens contra direitos LGBT e de mulheres.

No sistema, temos: fotos de Haddad com drag queens (9 grupos), a foto de um casal de homens e um deles beijando um menino, insinuando que se trata de pedofilia (7 grupos – e a foto, na realidade, é de um casal gay americano com seu filho), uma imagem de um protesto feminista criticando a nudez das mulheres (6 grupos) e a foto de dois homens dando um beijo – sendo que um está vestido como Jesus (5 grupos).

Uma montagem muito compartilhada mostra o rosto de Lula e, ao lado, o número 17 – que é de Bolsonaro, não do PT, de número 13.

Terça-feira, 25 de setembro

Linchamento virtual

No manhã seguinte, o conteúdo mais compartilhado do dia é um link, enviado por 62 pessoas em 46 grupos. É o vídeo da cantora Daniela Mercury convocando “mulheres contra Bolsonaro”. O vídeo, enquanto escrevo isso, tem 3,2 milhões de visualizações, 24 mil curtidas e 1,2 milhões de descurtidas.

A mensagem mais compartilhada do dia explica a quantidade enorme de descurtidas, uma “campanha de deslike” organizada: “Rumo aos 2 milhões!” “Vamos dar dislike nos vídeos dos artistas rounet’s EleNão. Clica no link, vai aparecer o vídeo e você clica na mãozinha 👎 A diferença do 👎 para o 👍 é gigantesca”.

Nos próximos dias, a campanha continuará, pedindo inscrição no canal do PSL, partido de Bolsonaro – “nesse momento perdemos para o PT em número de inscritos”. Pede também para que usuários descurtam vídeos de comerciais de empresas estrelados por artistas como Anitta, para fazê-los “perderem patrocínio”.

Uma tabela sistematizada circulará para contabilizar o número de curtidas e descurtidas de cada artista. “Vamos fazer ela perder o patrocinio, só assim esses artistas sentirão de verdade qual nossa força!”.

Quarta-feira, 26 de setembro

Ataque à imprensa

Ataques a veículos de imprensa são frequentes. Vão desde de mensagens que tentam alavancar conteúdo falso com frases como: “Isso a imprensa não dá”, “Isso a mídia esconde” até a grotesca falsificação de notícias.

No terceiro dia, acompanhando os grupos, vejo que três capas de revistas tradicionais no Brasil – Veja, Época e Exame – são, juntas, compartilhadas em 17 grupos. As “reportagens de capa” das três mostram o mexicano Gerardo de Icaza, diretor do Departamento para a Cooperação e Observação Eleitoral da OEA, assumindo “fraude nas urnas a favor do PT”.

Os criadores de notícias falsas se apropriam de formatos de notícias reais para dar respaldo à mentira e confundir quem confia nos meios tradicionais. Sendo jornalista, consigo identificar isso rapidamente. Esta é outra notícia falsa facilmente desbancada em uma rápida pesquisa. Não é capa de nenhuma das três revistas.

Neste dia, há outro ataque à imprensa: seis outros grupos receberam uma mensagem de uma pessoa que dizia trabalhar na editora Globo, dizendo que a cúpula da empresa havia se reunido para orientar atrizes para se posicionar publicamente contra Bolsonaro nas redes. “A Globo teve um contrato bilionário com o PT e há décadas financia a campanha do Lula”, diz o texto. A mensagem tem os típicos sinais de alerta de conteúdo enganoso: alega algo bombástico sem citar fonte.

Quinta-feira, 27 de setembro

Futurologia enganosa

Decido dar esse nome para outro tipo de mensagem falsa que tenho observado circular nos grupos. Mensagens e áudios alertam para o que “vai acontecer nos próximos dias”, principalmente na imprensa. Em um exercício de futurologia enganosa, os criadores de notícias falsas parecem criar algumas delas preventivamente.

Esse tipo de notícia falsa também confere à mensagem um ar premonitório de quem “está por dentro”, embora as “previsões” sejam de coisas que qualquer um conseguiria prever. Outras, por outro lado, são claramente uma invenção de coisas que nunca vão acontecer – mas a mensagem é transmitida e, mesmo que não aconteçam, o estrago pode já ter sido feito.

Alguns exemplos:

  • A mensagem da pessoa que trabalharia na editora Globo diz: “Ainda vão vir muitos outros atores, apresentadores e ex-BBBs, mas será aos poucos, 2 ou 3 por dia, para não ficar muito ‘na cara’.”
  • Um texto extremamente difundido sobre uma entrevista supostamente autorizada pela Justiça com Adélio Bispo, o homem que esfaqueou Bolsonaro, diz que, nos próximos dias, ele falaria que o atentado foi uma armação. Dizia também que “essas declarações mentirosas vão ao ar 2 dias antes da eleição” e “a mídia comunista vai bombardear o ‘mito’ na TV”. O texto pede para o usuário compartilhá-lo ao máximo para “salvar o Brasil”. O apelo para máximo compartilhamento para “salvar o país” é uma técnica usada com frequência. A mensagem circulou em ao menos 45 grupos na segunda-feira, em forma de texto e imagem, e na quinta, ainda tinha fôlego.

Sexta-feira, 28 de setembro

Bolsonaro ‘nazista’

A notícia de que o general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente de Bolsonaro, havia criticado o 13º salário, fora divulgada no dia anterior. Era provável, então, que o assunto fosse tema do conteúdo espalhado pela oposição.

Em poucos grupos, começam a circular imagens sobre o assunto, sempre associando Bolsonaro ao nazismo. Exemplo: uma charge em que Mourão diz “vamos acabar com o 13º salário do trabalhador!” e um Bolsonaro – com bigode de Hitler – responde “Isto era segredo! Você não consegue ficar calado?”

Em outro grupo, uma imagem diz “Proposta de ‘Bozonazi’ de acabar com 13º e adicional de férias é para depois de eleito. Era sigilo de campanha. Mourão só antecipou”. Uma terceira: “O governo militar do Bozo nem começou e já temos um desaparecido. Paulo Guedes…”, em referência ao economista que participa da campanha do PSL.

Ou seja, parte das mensagens mistura piada, descontextualização com conteúdo difamatório como a ligação de Bolsonaro a Hitler. No caso do 13º, Bolsonaro havia desautorizado seu vice dizendo que se tratava de um artigo protegido por uma cláusula pétrea da Constituição e que, portanto, não poderia ser revogado. Alguns especialistas dizem que a cláusula pétrea que protege “os direitos e garantias individuais” impediria uma emenda que derrubasse o 13º.

Sábado, 29 de setembro

Áudios de ‘gente como a gente’

No penúltimo dia acompanhando os grupos, fica clara a técnica do áudio “intimista”, ou seja, de alguém “gente como a gente” que demonstra simpatia por um candidato – algo que ouvi durante a semana inteira.

Observei alguns padrões que só ficaram claros quando observei as mensagens em conjunto:

  • Os narradores são, em sua maioria, homens
  • Homens que contam histórias banais da vida real – alguma situação que teria acontecido com eles e que envolve algum candidato
  • Usam maneiras muito informais de endereçar o ouvinte, como se o conhecesse, como se aquela mensagem inicialmente tivesse como destinatário um amigo e “caiu na rede”
  • E que vivem situações impossíveis ou quase impossíveis de serem checadas

Minha hipótese é que esse tipo de áudio provoca familiaridade, proximidade e simpatia – até para mim, enquanto analiso esse conteúdo e escuto as gravações.

Dos áudios que mais circularam ao longo da semana, temos:

  • O taxista carioca – que não sabemos se é taxista ou não – trabalhando durante as manifestações (no protesto contra Bolsonaro, havia “cheirão de maconha” e “geral bebendo”; já no favorável ao candidato só “o povo de bem mesmo, quem não gosta de sacanagem”). “Eu vi isso, não foi ninguém que me contou, não, eu tô aqui na pista trabalhando”, diz. Seu áudio começa com ele dizendo: “C…, Valverde, hoje eu tô trabalhando só nas manifestações.”
  • O motoqueiro mineiro – que também não sabemos se é de fato um motoqueiro ou não – que conta ter entrado numa loja da Boticário em Lagoa Santa (MG) e assustado a atendente porque estava de capacete. “Mas quando ela viu que eu estava com a camisa do Bolsonaro, ela já tranquilizou na mesma hora. ‘Bandido não anda com camisa do Bolsonaro, não.'” “Olha pra você ver, cara, que interessante, a imagem que o cara que já passou pela sociedade (…) Olha o diferencial, véi. Que coisa boa.” Esse começa o áudio dizendo: “Fala, Zé Teo, beleza? Aqui, olha que interessante, cara”. (Detalhe: liguei para a loja da Boticário em Lagoa Santa. Já ciente do áudio, uma funcionária da loja disse que a situação narrada nunca aconteceu.)
  • O turista carioca em Cuba – a essa altura não preciso dizer que não sabemos se é um turista carioca em Cuba ou não – que diz que tudo o que conversou “lá com o povo é exatamente o que estamos vivendo agora no país”, em um tom alarmista. O tal turista começa a contar sua história assim: “Porra, Jorge, fui lá naquela merda para ver como é esse esquema aí de abrirem para o turismo”.
  • O turista carioca no Chile – “Ô, Léo”, começa o áudio, “Fui pro Chile esquiar e encontrei com três americanas com mais de 60 anos”. O narrador diz que as mulheres falam que o presidente americano Donald Trump “é um babaca, parece uma criança”, mas que é “bom governante” e quem não gosta dele são “quem fuma maconha, os artistas, os que moram com os pais”. O narrador diz, então, que a mesma coisa vale para o Bolsonaro. “Eu odeio o Bolsonaro e vou votar nele!”, diz, com humor. A primeira vez que eu ouvi o áudio, por meio do sistema, foi na segunda-feira, compartilhado em 20 grupos. O áudio teve fôlego de quase uma semana.

Domingo, 30 de setembro

Guerra de versões das manifestações

O fim de semana foi marcado por uma disputa de versões sobre as manifestações contra o Bolsonaro, no sábado, e a seu favor, no domingo, circulando no Facebook e Twitter. Era de se esperar que as narrativas fossem parar no WhatsApp.

Um vídeo compartilhado por 22 usuários em 19 grupos mostra a avenida Paulista, em São Paulo, coberta de manifestantes usando verde e amarelo. A mensagem que acompanha o vídeo diz: “A Globo admitiu ao vivo que manifestação pró Bolsonaro é a maior da história”. No vídeo, a jornalista da GloboNews afirma que a Polícia Militar “acabou de atualizar que o número de manifestantes na Paulista chegou a um milhão”, enquanto as imagens eram mostradas.

Até parecia crível. Mas uma busca rápida pelas palavras-chave seria suficiente para desmonta a versão. “Protesto 1 milhão Globonews”, digito no Google. Era um vídeo de março de 2015 e o protesto era contra Dilma Rousseff.

Em um dos grupos de que faço parte, um usuário compartilha a capa do jornal O Globo, cuja foto principal era do protesto contra Bolsonaro na Cinelândia. A mensagem que acompanha: “Foto do Globo de hoje mostrando a Cinelândia cheia… ao fundo o prédio que desabou a (sic) seis anos atrás, intacto! kkkkkk Ainda bem que eles são burros”. Um segundo usuário envia vários emojis batendo palma. Não há uma reação dos outros integrantes do grupo, não há conversa. Mais gente cola outros links por cima. Não dá para saber o quanto ela foi lida ou absorvida ou repassada pelas outras pessoas.

“Foi num afã que enviei”, justificou depois em conversa comigo o técnico de informática paulistano Cleber Machado Leão, de 41 anos, o usuário que mandou a notícia no grupo. “Eu recebi a notícia, que me ganhou e me convenceu porque, de fato, era o que parecia que estava acontecendo, eu achava que estavam tentando inflar o protesto, então resolvi correr esse risco.”

Questionado sobre por que não corrigiu o erro ao descobrir que havia compartilhado uma informação falsa, ele disse: “Perdi a referência de qual era o grupo em que eu tinha enviado”. Leão, eleitor de Bolsonaro, participa de “uns 40 grupos” para “sentir o termômetro político” da população.

“Não dá para se informar muito nos grupos porque tem muita notícia falsa e tem muito ruído”, afirma. “Mas, nos grupos, eu consigo ver mil pessoas falando e, por isso, acabo conhecendo mais opiniões que eu não conheceria durante o dia, quando eu não consigo ver tanta gente.”

Quase todas informações falsas que eu encontrei durante os sete dias já haviam sido checadas pela imprensa brasileira. Bastava procurar por palavras-chaves no buscador.

Para o professor Fabrício Benevenuto, os grupos públicos podem ser “uma porta de entrada para a desinformação dentro do WhatsApp”.

Por meio do projeto em que os monitora, diz, abre uma “pequena fresta” para ver o que está acontecendo nesse ecossistema. Com pessoas bem engajadas dentro dos grupos públicos e com a facilidade de repassar mensagens, a hipótese é que elas repassem as informações dos grupos públicos para os privados. “E aí em diante vai espalhando dentro de toda a rede do WhatsApp”, diz o pesquisador.

Nos grupos privados, acrescenta, a informação é repassada por alguém que é amigo, vizinho, parente. “Você confia na pessoa que te passou aquilo e passa a acreditar naquela informação, e não na que foi transmitida pela grande mídia”, afirma Benevenuto, que defende uma ação do WhatsApp que crie soluções tecnológicas impedindo a disseminação de informações falsa no aplicativo.

Seu sistema está sendo usado por jornalistas do Comprova, projeto de verificação de notícias com 24 veículos de comunicação brasileiros liderado pela Abraji e pelo laboratório de pesquisa First Draft News, ligado à Harvard.

Na avaliação de Yasodora Córdova, pesquisadora da Digital Kennedy School e do First Draft News, de Harvard, que trabalha com o Comprova no Brasil, a desinformação que circula no WhatsApp, de forma geral, é a mesma que circula em outras redes sociais. O problema não é a rede, diz ela, é o que foi “varrido para debaixo do tapete” na sociedade brasileira que, segundo ela, está na Idade da Pedra em termos de debate público.

E o que o país precisa para combater desinformação? Educação, fontes de informação confiáveis e locais, concessões de meios de comunicação menos enviesadas. “O WhatsApp só adicionou escala para esses problemas.”

Questionado, o WhatsApp afirmou, via assessoria de imprensa, que esses grupos públicos “compõem uma porcentagem muito pequena de utilização do WhatsApp” e que 90% das mensagens enviadas são entre duas pessoas. “A maioria dos grupos tem dez ou menos pessoas.”

Também afirmou que a empresa está trabalhando com entidades de checagem de fatos no Brasil, como o Comprova. Além disso, o aplicativo criou um marcador que mostra que a mensagem recebida foi encaminhada por outra pessoa e não escrita originalmente por ela e fez “uma campanha de educação em larga escala no Brasil e em outros países sobre desinformação”.

Segundo a empresa, ela também começou a testar um limite de encaminhamento de mensagens no WhatsApp – na Índia, depois que notícias falsas compartilhadas no aplicativo levaram ao linchamento de inocentes, foi imposto um limite de encaminhamento para 5 pessoas por usuário. No Brasil e no mundo, o limite é de 20 pessoas.

Da BBC.