Instituto dos advogados brasileiros critica partidarização do Judiciário

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Novo presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, Renato de Mello Jorge Silveira, 49, afirma que, no Brasil, confunde-se a figura do advogado com a do seu cliente. “A advocacia nunca nunca foi tão criticada”, afirma Silveira, que é professor titular de Direito Penal da USP. “Como se fosse o responsável por vários males que estão por aí.” Fundado em 1874, o Iasp tem 970 filiados e reúne alguns dos principais juristas do país. Tem como objetivo a difusão dos conhecimentos jurídicos e a defesa do Estado democrático de direito.

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Preocupa ao senhor o clima de radicalização política no país?
Radicalismos não fazem bem, quanto mais em um cenário delicado e belicoso como o atual. Parece-me problemática, por exemplo, uma série de colocações envolvendo mudanças no Judiciário. A ideia de que vamos resolver os problemas aumentando o número de ministros do STF.

O Bolsonaro sugeriu isso.
Isso já foi feito em outros momentos, na Ditadura, onde se aumentou o número de ministros e se aposentou aqueles que se postavam contra o regime. É uma experiência que não me parece muito democrática. Sem contar que, do ponto de vista jurídico, tenho dúvidas se poderia ser feita, uma vez que há a interpretação de que alterações de tribunais devam partir dos próprios tribunais. Em síntese, fico preocupado com uma série de alegações postas de lado a lado por diversos candidatos. Há uma sensação de receio forte em relação ao momento de fragilidade democrática pelo qual passa o país.

O senhor já disse que é necessário reaproximar as entidades de classe com o objetivo de defender as prerrogativas e direitos dos advogados. Essas prerrogativas estão sob ataque?
A advocacia nunca nunca foi tão criticada, nunca existiu uma confusão tão grande entre a figura do advogado e a do seu cliente. Como se o advogado fosse o responsável por vários males que estão por aí. Me parece que as associações deveriam atuar juntas para evitar esse tipo de ataque e de questionamento e evidenciar o real papel do advogado.

Essa confusão entre os papéis foi alimentada por acusações contra advogados do PCC que atuariam não como defensores, mas como cúmplices.
Quando isso ocorre, o advogado tem de ser devidamente questionado, tanto do ponto de vista ético e profissional, como também na Justiça. Não tenho dúvida. Meu ponto se dá em casos em que se estabelece um grau de suspeição do advogado porque defende a figura A ou a figura B. Isso ocorre na sociedade seguramente, mas tenho medo de que possa se refletir em um ou outro caso nas próprias instituições. É necessário mostrar que a questão não é defender esse ou aquele advogado, mas a cidadania e o próprio instituto do direito de defesa.

Houve cerceamento ao direito de defesa na Lava Jato, como reclamam alguns advogados?
Muitas inovações foram postas e geraram desconforto entre os advogados, que não estavam habituados a esses novos institutos, que são próximos da realidade norte-americana e não do dia a dia da Justiça brasileira. Um exemplo é ideia da cegueira deliberada, na qual, ao não querer ver algo, já sou considerado culpado. Em Curitiba, essa figura passou a ser largamente utilizada, embora não seja da tradição do direito brasileiro.

Mas que balanço o senhor faz?
Algumas questões da Lava Jato foram bastante positivas. O que me preocupa é uma ideia de que os meios podem justificar os fins. Tenho muito receio desse estado de coisas. Foi um passo importante, mas tenho objeções quanto à forma como as coisas são feitas.

Em 2016 o senhor se manifestou contra a possibilidade de prisão em 2ª instância, o que acabou ocorrendo no caso Lula. Esse assunto deve voltar à pauta do STF em 2019.
O nosso sistema recursal, colocado na própria Constituição, estabelece que há possibilidades de recurso até a última instância, ao STF. Nesse desenho, me parece difícil sustentar que posso ter como regra o cumprimento da pena a partir da 2ª instância. Queremos mudar? Que se reforme o sistema, então. Mas não dá para o STF por conta própria reinterpretá-lo. Essa insegurança jurídica baseada num subjetivismo judicial é muito complicada e perigosa. Tenho um desenho legal que pode ser interpretado de forma A, B ou C.

A discussão sobre a descriminalização do aborto tem esse mesmo problema de origem?
Penso que é equivocado o fato de o STF, num ativismo judicial, querer se tornar protagonista da discussão. O aborto pode ser liberado ou não, mas é um assunto congressual. Não deveria ser tratado pelo STF. O ativismo judicial tem sido cada vez mais frequente nos últimos 15 anos. Mais forte em alguns momentos e em alguns ministros. As entidades dos advogados, ombreadas, deveriam discutir o que está acontecendo junto ao STF.

Da FSP.