Os militares já estão no poder: Bolsonaro é a continuação de Temer

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A Força-Tarefa de Inteligência, criada pelo presidente Michel Temer no último dia 16/10 viola a Constituição, pois essa tarefa não cabe às Forças Armadas. Além disso, o órgão evoca o Serviço Nacional de Informações (SNI) da ditadura militar (1964-1985) e pode ser usado para perseguições políticas. É o que afirmam advogados ouvidos pela ConJur.

Ao divulgar o decreto, o governo anunciou ser uma medida de “combate ao crime organizado”. De acordo com o Decreto 9.527/2018, a Força-Tarefa de Inteligência tem o objetivo de “analisar e compartilhar dados e de produzir relatórios de inteligência com vistas a subsidiar a elaboração de políticas públicas e a ação governamental no enfrentamento a organizações criminosas que afrontam o Estado brasileiro e as suas instituições”.

Coordenado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência – hoje comandado pelo general Sergio Etchegoyen –, o órgão será composto por representantes dos Centros de Inteligência do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, da Receita Federal, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional e da Secretaria Nacional de Segurança Pública.

O ministro-chefe da Força-Tarefa de Inteligência deverá elaborar a Norma Geral de Ação, que regulará as medidas e rotinas de trabalho. O plano definirá a forma de articulação e de intercâmbio de informações entre a entidade e o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

No entanto, a Força-Tarefa de Inteligência é inconstitucional, pois combater o crime organizado não é função do Exército, da Marinha nem da Aeronáutica, afirma o criminalista Fernando Augusto Fernandes.

“Não cabe às Forças Armadas o combate ao crime organizado. Pelo artigo 142 da Constituição, elas se destinam à defesa da pátria e dos poderes constitucionais. Há uma evidente inconstitucionalidade, prenunciando desvios inadmissíveis. Soma-se a esta preocupação o foro privilegiado dos militares, editado pela Lei 13.491/2017, quanto a crimes cometidos contra civil”, comenta o advogado, em referência à lei que transferiu para a Justiça Militar a competência para julgar crimes contra a vida cometidos por militares contra civis em missões de garantia da lei e da ordem.

Embora tenha se normalizado com a intervenção federal no Rio de Janeiro, o uso de militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para exercer preservar a segurança pública gera controvérsias. Quando Temer autorizou operações para garantia da lei e da ordem no Rio em agosto de 2017, alguns especialistas disseram à ConJur que a medida contraria a Constituição e a Lei Complementar 97/1999, que regulamento o emprego das Forças Armadas.

Mas outros profissionais do Direito não enxergam ilegalidades na medida, desde que as operações tenham área e duração delimitadas e que as tropas não exerçam policiamento ostensivo, apenas atividades de apoio.

O criminalista Luís Guilherme Vieira afirmou, em artigo, que a atuação de órgãos de inteligência na condução da investigação criminal usurpa as funções da polícia judiciária, em uma “afronta à democracia”.

“Além de partir de uma orientação deturpada do estabelecido na Constituição da República e no Código de Processo Penal, ao consentir com a investigação de crimes promovida por aqueles que deveriam atuar em situações referentes a assuntos de segurança de ações governamentais, confere-se licitude/legitimidade à prova produzida por quem não detém competência/atribuição para tanto”.

Segundo Vieira, a investigação criminal deve ser gerida a partir de um procedimento formal, documentado e acessível ao investigado e ao seu advogado. Esse filtro processual contra as provas ilícitas ou ilegítimas, aponta, depende da possibilidade de rastreio das provas à sua fonte de origem. Caso contrário, haverá violação da paridade de armas e dos demais princípios constitucionais relacionados devido processo penal, opina.

Perseguição política
O uso do termo “crime organizado” para definir o objetivo da Força-Tarefa de Inteligência pode dar margem a perseguições de todos os tipos, ressalta o advogado Salo de Carvalho, professor da UFRJ.

“Chama a atenção, de imediato, o uso do standard ‘crime organizado’, que pode ser um coringa para distintas criminalizações. Desde o tráfico de drogas aos movimentos sociais e às divergências políticas. Isso é preocupante”, avalia.

Criado em 1964, dois meses após o golpe militar, o Serviço Nacional de Informações (SNI) foi usado pela ditadura para investigar políticos, estudantes, religiosos, intelectuais, líderes sindicais e outras pessoas consideradas inimigas do regime. Os registros de suas bases de dados orientaram militares em cassações políticas, demissões de servidores e prisões, que resultaram em inúmeros casos de tortura, morte e desaparecimento de “subversivos”.

Com o fim da ditadura militar, o governo José Sarney buscou tornar o SNI mais parecido com o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações, criado em 1956 pelo presidente Juscelino Kubitschek. O órgão planejava apenas garantir informações que ajudassem o presidente a tomar suas decisões.

Mas o governo enfrentou dificuldades em desmontar o SNI. O ensaio de reforma administrativa de Sarney evitou mexer no órgão. No entanto, o próprio ministro-chefe do SNI em 1986, general Ivan de Sousa Mendes, sugeriu desinchar a entidade, transferindo parte de suas funções para a Polícia Federal e fortalecendo a sua atuação no exterior.

A proposta não foi bem recebida. O Ministério da Justiça, que controlava a PF na época, não queria que a corporação tivesse atribuições não previstas na Constituição. Já o Itamaraty não gostou da ideia de ter seus poderes reduzidos.

Apenas em 1990 o SNI foi extinto. O presidente Fernando Collor de Mello o substituiu pelo Departamento de Inteligência da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Nove anos depois, Fernando Henrique Cardoso criou a Abin, que atualmente trata da área de inteligência no governo federal.

Medida inócua
Criminalistas que advogaram na época da ditadura militar, José Roberto Batochio e Nélio Machado afirmam que a Força-Tarefa de Inteligência será inócua. Para eles, a criação do órgão é uma medida publicitária, já que o discurso da segurança tem impulsionado candidatos a cargos eletivos, como o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL)..

Porém, a medida não ataca as reais causas da criminalidade, como pobreza, desigualdade social e falta de estudo. E, enquanto estas não forem enfrentadas, os delitos não vão diminuir no país, opinam.

“No Brasil, se repete um incessante discurso de se combater corrupção, criminalidade, com argumentos políticos, que se prestam a mil e uma utilidades. Esta macroarapongagem, a meu ver, não vai ter nenhuma consciência prática. É um discurso demagógico. A criminalidade se combate ao se detectar suas causas e preveni-las. Temos que atacar as causas. Quanto às consequências, já temos um estado fortemente armado para executar a repressão, com polícias, Ministério Público e outros órgãos”, disse Batochio, que foi presidente do Conselho Federal e da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil.

Para reforçar seu argumento, o criminalista traça um paralelo com o sistema penitenciário. A seu ver, a criação da Força-Tarefa de Inteligência equivale a construir presídios. Sem combater as causas da criminalidade, criar novas cadeias não reduz o número de delitos, destaca.

Batochio ainda alerta para a “grave possibilidade de [a Força-Tarefa de Inteligência] se desviar do seu curso e interferir na vida privada dos cidadãos”.

Nélio Machado aponta que a criação do órgão tem um efeito no combate à criminalidade muito mais simbólico do que real. Em sua opinião, trata-se de um ato de propaganda institucional do governo Temer.

“Vejo com muita reserva qualquer atividade estatal que seja identificada como ‘força-tarefa’. Essa expressão é própria de linguagem militar. No momento atual, todos os cuidados devem ser tomados para não se dar a visão de que uma articulação mais repressiva vai gerar uma sociedade mais segura. Pelo contrário: nossos problemas vêm da desigualdade e falta de educação”.

 

Do Conjur.