Brasil pode enfrentar nova crise mundial

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Chegamos ao pico do ciclo econômico mundial. Estamos completando dez anos de políticas fiscais e monetárias expansionistas nas principais economias do mundo.

Os ativos “podres” que estavam nos balanços dos bancos em 2008 passaram a ser carregados pelos principais bancos centrais do mundo. O volume de ativos nos balanços dos bancos centrais dos países desenvolvidos já é um recorde absoluto.

A economia dos EUA está há mais de 12 meses crescendo acima do seu PIB potencial devido às políticas descritas acima e ao pacote de cortes de impostos feito por Donald Trump.

Em outubro deste ano, os EUA lograram criar mais 250 mil novos empregos, suscitando um aumento anual dos salários de mais de 3% e uma taxa de desemprego de 3,7%, a mais baixa desde 1969.

A economia dos EUA, estimulada por cortes de impostos, maiores gastos do governo e juros baixos já no final do ciclo econômico, tem mostrado uma inflação crescente e prestes a superar a meta do Fed (Federal Reserve, o banco central americano) de 2% ao ano.

Maior pressão inflacionária e um aumento no déficit fiscal (que, de acordo com o mais recente relatório do Treasury and Office Management, alcançou US$ 779 bilhões [R$ 2,92 bilhões] no ano fiscal de 2018 ou 3,9% do PIB —0,4% maior que o déficit de 2017) fazem com que os juros de longo prazo atinjam novas máximas. Estima-se que o Tesouro dos EUA tenha de colocar mais de US$ 350 bilhões (R$ 1,31 bilhão) em novos títulos no mercado até o fim do ano.

Maior oferta de papéis de renda fixa poderá significar mais pressão no sentido da alta das taxas de juros de dez anos. Outro dado, que tem pouco destaque na mídia, é a atuação das agências Fannie Mae and Freddie Mac (agora, 100% estatais) oferecendo empréstimos imobiliários com apenas 3% de “downpayment” (entrada) há mais de 12 meses —fato esse que, em parte, explica o fato de o preço dos imóveis já estar acima dos patamares pré-crise de 2008.

Enquanto os juros estão baixos, os ativos de risco ganham participação nos portfólios, mas, quando os juros sobem, já conhecemos a história.

O caso das Bolsas de Valores não é diferente. De acordo com a mensuração Preço/Lucro Ajustado de Robert Schiller, o S&P Composite, mesmo após as quedas observadas no mês de outubro, nunca esteve tão alto, a não ser nos anos de 1929 e 2000.

Nota-se nitidamente uma força nova atuando nos preços das ações nos EUA. São os “share buybacks”, ou operações de recompra de ações.

Só em 2018, a SEC (órgão regulador do mercado) e Trump autorizaram um volume recorde de mais de US$ 1 trilhão em recompra de ações.

O principal comprador hoje não são investidores e fundos, mas as próprias empresas, que aproveitam os juros baixos para recomprar seus próprios papéis em grandes volumes.

O racional é simples.

O racional é simples. Se o “dividend yield”, ou a relação entre dividendos pagos e o preço da ação, estiver acima da taxa de juros do Fed de 12 meses, faz mais sentido para a empresa, sob o ponto de vista risco-retorno, se alavancar para recomprar suas próprias ações e/ou usar o caixa para recomprar ações.

O “dividend yield” médio do S&P hoje está em 1,9% ao ano. Isso explica o motivo por trás do endividamento recorde das empresas americanas, de mais de 45% do PIB no 2° trimestre de 2018, sem o esperado aumento de investimentos nas próprias empresas (Capex e P&D).

As empresas listadas estão aumentando a alavancagem e recomprando suas próprias ações, pois os juros estão abaixo do “dividend yield” a ser auferido com essas recompras.

Se assumirmos juros mais altos, essas operações de “share buyback” devem diminuir consideravelmente, resultando em uma inversão nessas operações de arbitragem, o que poderia provocar fortes correções nas Bolsas.

Por outro lado, a China, que está em um processo de crescimento menor do que observado até 2010, aliado às intempéries da guerra comercial de Trump, em nada deve ajudar o tão necessário rebalanceamento de seu modelo de crescimento econômico.

Temos aqui claramente uma redução da atividade na margem, uma queda dos superávits nas contas externas e uma desvalorização do yuan.

Se a guerra comercial escalar para níveis mais irresponsáveis, o crescimento da economia da China deverá perder mais impulso, o que poderá afetar negativamente o preço da maioria das commodities metálicas, que já vem caindo há mais de um ano.

Com eventual exceção do minério de ferro, que ao nosso ver encontra parte da explicação pelo seu aumento de preço, ao interesse do líder Xi Jinping em fechar várias plantas de manufatura de aço, como forma de controlar a poluição do país.

Já na Europa, todo o affair inicial com o presidente da França, Emmanuel Macron, e as expectativas de maior crescimento dos países da zona do euro parecem ter se dissipado.

Na Itália, a teimosia da coalizão dos partidos antiestablishment Movimento Cinco Estrelas e do partido de extrema direita Liga do Norte em endurecer negociação com a comunidade comum europeia quanto ao déficit fiscal, propondo um déficit fiscal de 2,4% do PIB, três vezes maior do que o previamente acordado, tem levado as taxas dos bônus italianos a atingir as máximas dos últimos cinco anos. Maiores retornos nos títulos soberanos, além de afetar a terceira maior economia da zona do euro, afetam também a saúde dos bancos, pois estes acabam carregando papeis com preços unitários menores.

Isso sem falar na exposição de US$ 168 bilhões que alguns bancos europeus detêm em ativos da Turquia, país que ainda não conseguiu endereçar os efeitos da maxidepreciação de sua moeda, e os impactos nos balanços corporativos e na economia real.

Todos esses fatores apontam para o fim de um ciclo de crescimento mundial. O Brasil e o novo presidente eleito enfrentarão um ambiente bem mais desafiador à frente. As nuvens estão muito carregadas, estamos somente no início da inversão deste ciclo econômico e dificilmente testemunharemos, pela primeira vez, uma cena em que o “rabo balança o cachorro”.

Da FSP