Especialista italiano diz que entrada de Moro na política é “um desastre”

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Juízes e procuradores de casos com a Lava Jato tendem a entrar na política, e isso é tão normal quanto desastroso para a democracia.

Essa é a avaliação de um dos maiores especialistas na ascensão do premiê italiano Silvio Berlusconi na esteira da Operação Mãos Limpas, o historiador Giovanni Orsina.

Ele comentou especificamente o caso de Sergio Moro, elevado a superministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PSL) após ter condenado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava Jato, uma herdeira espiritual da ação italiana.

Moro diz que foram crimes atribuídos a Lula que o levaram à cadeia e, depois, para fora da disputa eleitoral, mas Orsina relativiza isso.

“Uma vez que uma iniciativa judicial destrói uma carreira política, mudando radicalmente os termos da disputa eleitoral, ela adquire um caráter político objetivo. O procurador ou juiz responsável por isso vira um ator político independentemente da sua vontade”, afirma o historiador da universidade LUISS-Guido Carli, em Roma.

Ele continua: “Juízes e procuradores desses casos naturalmente se tornam políticos. Isso é estranho? Não: isso é um desastre absoluto, porque inevitavelmente altera o balanço democrático do poder”.

Para ele, a Itália ainda não restaurou esse balanço, 25 anos depois da Mãos Limpas, operação que varreu o mundo político de 1992 a 1994, abrindo espaço para o surgimento de Berlusconi, um político que hoje é quase sinônimo de corrupção e clientelismo no mundo —ainda que muito popular em casa ainda.

O problema, diz, “é que o balanço não será restaurado se as pessoas continuarem a aceitar a ideia de que processar um político eleito não é a mesma coisa que processar um cidadão comum”. É o mal da criminalização da política, tema constante nos debates acerca da Lava Jato.

Ele considera o caso de Moro de uma “similaridade impactante” com o que aconteceu com o do investigador-símbolo da Mãos Limpas, o magistrado Antonio di Pietro.

Ele entrou na política em 1996 como ministro de Obras do governo de centro-esquerda de Romano Prodi e teve uma carreira marcada por um culto a valores e vaidade, que acabou com uma segunda passagem em nova gestão Prodi nos ano 2000 e o oblívio.

Por outro lado, lembra que Di Pietro se recusou a ser ministro do Interior de Berlusconi quando este assumiu o governo pela primeira vez em 1994, sobre a terra arrasada deixada pela Mãos Limpas.

“Ainda se debate se os procuradores e juízes tinham agenda política. Eles negam, claro. Se tinham, contudo, ela certamente não era colocar Berlusconi no comando do país. Na realidade, logo eles estariam investigando o próprio Berlusconi”, afirma Orsina.

Isso dito, o historiador evita cair em tentação ao comprar o Brasil de 2018 com a Itália de 1994, por mais que haja semelhanças notáveis.

“Em 1994, não havia ainda o componente ‘lei e ordem’ na agenda de Berlusconi, que era antipolítica: como os políticos falharam, dizia, os melhores da sociedade civil devem assumir. A ‘lei e ordem’ só entra na agenda dele no fim dos anos 1990 e começo dos 2000, sempre misturada ao liberalismo”, afirma.

Comentando as acusações de autoritarismo e mesmo fascismo feitas a Bolsonaro, que reverberam pela Europa, Orsina disse que “não ousaria expressar qualquer julgamento sobre ele, ainda mais a um jornal brasileiro”.

“No que diz respeito a Berlusconi, contudo, devo sublinhar que as acusações de fascismo eram muito exageradas. Ele tomou várias iniciativas questionáveis e seus governos, no geral, foram ruins, mas ele nunca ameaçou a democracia italiana. No máximo, acusá-lo de fascismo lhe fortaleceu nas pesquisas.”

Moro tem como ídolo o investigador siciliano antimáfia Giovanni Falcone, que virou brevemente uma espécie de xerife do Ministério da Justiça italiano e acabou assassinado em 1992 num atentado ordenado pela máfia.

Diz que ele fez muito em pouco tempo, por ter lançado bases das quais surgiram métodos e investigações das Mãos Limpas logo a seguir.

“É correto, embora o período de Falcone em Roma tenha sido controverso. É preciso ressaltar que um dos motivos pelos quais ele sofreu críticas era justamente sua relutância em mirar políticos por atividades mafiosas baseado em teoremas abstratos no lugar de provas claras”, afirma.

Está o Brasil destinado a repetir a Itália? “São contextos históricos diferentes”, resume o autor de “O Berlusconismo na História da Itália” (2013), no qual esquadrinha as condições prévias e os mandatos de Berlusconi (1994-95, 2001-06 e 2008-11).

Da FSP