Militarização da Segurança Pública começa por SP

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Nomeação de general para segurança pública no Estado de São Paulo pelo novo Governador João Dória é o sinal mais vistoso do processo de militarização da segurança pública no Brasil, um processo extremamente perigoso para os brasileiros.

Militares não são treinados para interagir com a população e distinguir suspeitos de verdadeiros criminosos; militares são treinados para guerra, onde o único objetivo é matar.

A indicação do general João Camilo Pires de Campos para a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo é o sinal mais vistoso de um movimento de integração nacional do combate ao crime organizado pela via ainda informal da militarização.

Não é algo que conste num plano por escrito, mas está nas entrelinhas de conversas de envolvidos com o tema em Brasília e nos principais estados ao longo da campanha eleitoral de 2018.

A sinalização dada pelo eleitorado em favor do endurecimento no combate à violência, bandeira tanto de Jair Bolsonaro (PSL) como de João Doria (PSDB-SP), Wilson Witzel (PSC-RJ) e outros, abriu o caminho para a ideia de alguma coordenação nacional na área.

De tanto serem convocadas a tapar buracos país afora nas chamadas GLOs (operações de Garantia da Lei e da Ordem), quando os militares atuam como polícias nas ruas, as Forças Armadas são repositório natural de experiência com a agudização da crise na segurança.

De 1992 a setembro de 2018, foram 133 operações, metade de 2005 para cá. No total, o grupo violência urbana e greve de PMs responde por 38% das ações, empatando na liderança com requisições para grandes eventos.

Antes do general Campos, já havia sido indicado para o mesmo cargo, no Paraná, o general Luiz Carbonell, que serviu na área de comunicação da antiga missão brasileira no Haiti. O estado é central nas investigações de lavagem de dinheiro de todo o país, como a Operação Lava Jato provou, e está na rota do tráfico internacional de drogas no país.

No Rio, Witzel já disse que pretende elevar as duas polícias ao status de secretaria e extinguir o atual posto. Mas a situação lá é peculiar, pois a intervenção federal na área desde fevereiro tratou de aplicar métodos militares a problemas tão diversos como corrupção em batalhões e falta de equipamento.

Se os resultados finais da ação são controversos, o legado do trabalho do interventor Walter Souza Braga Netto é avaliado como positivo tanto no estado quanto no governo federal: reequipamento, diagnóstico e melhoria na administração penitenciária.

Esse arcabouço fica, independentemente de Witzel chamar o problema para si. E Braga Netto estará ao lado, reassumindo o Comando Militar do Leste. A intervenção termina em 31 de dezembro.

Em Minas, para fechar o triângulo do Sudeste, a expectativa é a de que o eleito, Romeu Zema (Novo), entre também no clube da militarização. Ele só deve anunciar seu secretariado na semana que vem.

A disposição do governo Doria de fazer dobradinha com a Brasília de Bolsonaro poderá azeitar cooperações e servir de ponta de lança para o país. A ideia tem muita simpatia entre envolvidos da Defesa na transição de governo.

Restará saber como isso se encaixaria nacionalmente. O superministério que está desenhado para o juiz Sergio Moro irá reincorporar a Segurança Pública, extirpada da Justiça no começo do ano.

Essa parece ter mais a ver com o caráter de fusão de dados do Gabinete de Segurança Institucional que ficará com o general Augusto Heleno, caso Bolsonaro não mude de novo de ideia —o militar da reserva havia sido anunciado como seu nome para a Defesa.

Hoje, o GSI concentra informações de agências de inteligência, tendo alcance nacional: é tecnicamente o único órgão capaz de antever movimentos pulverizados como greves de caminhoneiros.

Se uma estratégia nacional envolvendo os estados de ponta do combate ao crime, hoje personalizado na potência transnacional que se transformou o PCC, for funcionar, terá de harmonizar esses perfis.

A crítica é esperada caso o processo vá em frente: será acusado de ser a volta a um passado marcado por abuso e violência. Na ditadura (1964-1985), as PMs eram forças de reserva do Exército, comandadas usualmente por coronéis da Força —em São Paulo, o último no cargo foi o polêmico Erasmo Dias (1974-1979).

Desde a redemocratização de 1985, as PMs passaram por um lento e difícil processo de adaptação à nova realidade. Foram feitas tentativas de “desmilitarização”, palavra de uso fácil mas para a qual nunca houve método claro.

Especialistas em segurança criticam o fato de o processo nunca ter sido levado a cabo, com a manutenção corporativa dos braços civis e militares —teoricamente com funções separadas, mas sempre em conflito e se sobrepondo.

Nos anos 1990, com episódios como o massacre da Casa de Detenção do Carandiru (1992), o governo aplicou anos de políticas visando conter a letalidade em São Paulo. No Rio, a corrupção generalizada gestou o fenômeno das milícias ligadas a policiais e um ambiente de morticínio que a intervenção federal não conseguiu melhorar.

Estados do Nordeste vivem pandemias de violência que, de tempos em tempos, obrigam intervenções federais. Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, para ficar em alguns, viveram greves de policiais ao longo dos anos, flertando com caos civil. Crises penitenciárias viraram o segundo nome para acertos de contas de facções.

Isso tudo ajudou a desembocar, entre tantos outros fatores, na onda à direita das eleições deste ano. Não só no Executivo: mais do que dobrou, de 12 para 28, a bancada eleita com carreiras na segurança pública.

O temor de entidades de direitos humanos também é óbvio: o ambiente pode ficar mais permissivo à letalidade, vide os discursos dos eleitos —Witzel quer “abater bandidos”, Doria fala em “polícia na rua” e Bolsonaro defende isentar policiais de julgamento caso matem em serviço.

Da FSP