Número de alunos declarados negros sobe 52% na USP em 10 anos

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Em dez anos, o número de alunos da USP (Universidade de São Paulo) que se declaram negros aumentou 52% enquanto o número total de alunos na universidade cresceu 8%. O número de estudantes pretos ou pardos, segundo a definição agrupada de negro do IBGE, passou de 11.626 matriculados em 2007 para 17.690 em 2017.

O número de alunos que se dizem brancos, entretanto, se manteve estável, e representa sete em cada 10 universitários da instituição. Em dez anos, a USP passou de um negro a cada 10 estudantes para um negro a cada grupo de seis. A instituição adotou o sistema de seleção por cotas sociais e raciais no vestibular de 2018.Em janeiro de 2007, a universidade contava 105.783 alunos matriculados, dos quais, além dos negros, havia 74.713 brancos, 9.744 amarelos, 356 indígenas e outros 9.344 que não informavam a cor. Dez anos depois, em 2017, dos 114.478 alunos matriculados, 81.974 eram brancos, 7.696 amarelos, 231 indígenas e 6.887 não informados, além dos negros.

Os dados do cenário nacional apontam, porém, que ainda há muito espaço para a expansão na parcela de negros entre o corpo discente da USP. De acordo com o Censo de Educação Superior, do MEC (Ministério da Educação), 32,5% dos alunos matriculados em instituições de ensino superior no Brasil são pretos ou pardos, entre cursos presenciais e à distância.

Os dados foram obtidos pelo UOL por meio da Lei de Acesso à Informação. O primeiro pedido foi em novembro de 2017. Os dados representam o número de matriculados em janeiro de 2017.

A USP afirma que, em 2018, superou a meta estabelecida quanto ao número de ingressantes do sistema de cotas no vestibular deste ano e afirmou que, dentre os estudantes que entraram na universidade via cotas, 39% são PPI (pretos, pardos e indígenas).

As cotas na USP serão efetuadas de forma escalonada: em 2018, 37% das vagas foram reservadas aos cotistas; em 2019, serão 40% das vagas, e até atingir 50%.

“Este ano, 4.744 estudantes que ingressaram na universidade (43%) são oriundos de escolas públicas, dos quais 1.855 são PPIs. A reserva de vagas considera, conjuntamente, os dois processos de seleção da universidade: o vestibular da Fuvest e o Sisu (Sistema de Seleção Unificada)”, diz a instituição em nota.

Especialistas ouvidos pelo UOL fundamentam que esse cenário é, em parte, reflexo do intuito do nascimento da USP, criada para ser a “indústria” de pensadores da elite.

Para o especialista na área de políticas de diversidade e inclusão da população negra Silvio Luiz de Almeida, após o São Paulo ter sofrido o revés da Revolução Constitucionalista de 1932, movimento paulista que tinha como objetivo derrubar Getúlio Vargas da Presidência, o estado se viu na obrigação de formar uma nova elite pensante para comandar o Poder Executivo.

“As elites paulistanas, que perdendo seu poder sobre o restante do Brasil, mas mantendo o poder econômico, criaram um polo de formação para pensar o Brasil de forma que representasse seus interesses. As classes dominantes da época eram pessoas ligadas à economia cafeeira, que se valeu do trabalho escravo, uma economia escravocrata”, explica Almeida, que é autor do livro “O que é racismo estrutural” (Ed. Letramento).

Elitização no Brasil significa branqueamento. Não à toa que a USP foi a universidade que mais resistiu à política de cotas. Isso explica muito “quem é” a Universidade de São Paulo

O professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Mário Augusto Medeiros da Silva afirma que a distância da abolição da escravidão, em 1888, não invalida o processo social de exclusão social que a maioria da população negra, parda e indígena ainda sofre.

“Esse alunato é dividido por classe social, por renda e por acesso às escolas que as famílias de elite conseguem pagar. Eles [negros, pardos e indígenas] teriam a possibilidade de acessar a universidade em condição de igualdade apenas se tivessem feito uma escola pública de ensino de boa qualidade, o que não ocorre.”

Assim, continua Medeiros da Silva, há uma coincidência negativa. “O aluno que está fora da USP é o aluno pobre, negro ou indígena, que tem associado os seus marcadores de diferença: mora na periferia, uma distância física de acesso aos estudos e uma renda familiar baixa.”

É o caso de Ana Carolina Lemos, 18, moradora do bairro Cidade Tiradentes, zona leste da capital, e candidata à Fuvest para o curso de engenharia civil.

Estudante do cursinho Educafro, Lemos conta que ainda vê muita desigualdade no meio universitário. “Quando a gente entra na sala [para fazer vestibular] e não vê preto ou pardo, ou se vê sou eu e mais outra pessoa, a gente começa a se perguntar o porquê”, conta.

“Não aconteceu aquela ‘hecatombe’ anunciada de que ia cair a qualidade dos cursos que adotaram cotas. Isso não aconteceu porque o aluno cotista é um perfil absolutamente meritocrático, ele se esforça tanto ou mais que o não cotista para permanecer nos cursos que entra”, diz Mário Augusto Medeiros da Silva.

Uma pesquisa realizada pelo Insper, instituição de ensino superior privada, analisando os microdados do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que dá acesso a grande parte das universidades brasileiras, constatou que a nota de entrada nas universidades pelos não-cotistas é maior que a de cotistas, mas a diferença é baixa, chegando a aproximadamente 5%.

Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, coordenador do curso de comunicação e marketing na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e professor na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), o que mais prejudica o entendimento da relevância do sistema de cotas é a discussão rasa e ideológica que migra do mundo acadêmico para a opinião pública.

“Essa questão não se entende porque o debate ao redor do tema racial é muito chato. Ideologicamente carregadíssimo e enviesado. Como quase tudo que é militância é muito ruim, o debate fica em uma polemização, um ‘Fla x Flu’ o tempo inteiro. Já vi colegas sendo tachados de racistas porque defenderam que cotas sociais talvez sejam melhores que as raciais”, afirma.

Embora entenda que é necessária uma distância histórica para enxergar a eficiência das cotas e que a resposta ao tema é múltipla, Pondé diz que “não dá para comparar o lugar histórico dos brancos com o dos negros”.

“Eu não digo que sou contra ou a favor, acho que há problema com mérito, mas, ao mesmo tempo, para o jovem em condição de vulnerabilidade pode ser uma boa, acho que ainda é cedo para avaliar o projeto como um todo”, diz.

Do UOL