Bolsonaro não conseguiu maioria e terá vida dura no Senado

Todos os posts, Últimas notícias

Estimativa feita a partir de entrevistas com congressistas que deverão ter posição de liderança na nova legislatura mostra que o presidente eleito Jair Bolsonaro deverá iniciar o governo com mais da metade dos votos da Câmara, mas sem maioria no Senado. O levantamento indica que 288 deputados estão dispostos a integrar a base governista e pelo menos 138 estarão na oposição. Outros 75 pretendem atuar de forma independente e 12 têm posição indefinida, como mostra a nova edição da Revista Congresso em Foco.

Numa Câmara com 513 integrantes, ter quase 300 na largada é um bom começo. Mas será preciso avançar para completar os 308 votos necessários à aprovação daquela que é a prioridade máxima
do governo em seu primeiro ano, a reforma da Previdência. Maior desafio fiscal hoje existente, sua aprovação pode abrir caminho para um ciclo de vigoroso crescimento econômico, dado o alto volume de investimentos represados desde que afundamos na recessão, em 2015.

A situação é mais complicada no Senado, onde o governo soma 33 votos, ante 25 da oposição,
12 independentes e 11 indefinidos, conforme nossa estimativa. Faltam oito senadores para chegar à maioria simples, que permite aprovar projetos de lei ordinários. Tido como possível candidato a líder do governo no Senado, o deputado federal Major Olímpio (PSL-SP) reconhece que a tarefa não será fácil. Ele prevê que pelo menos no início as negociações na Casa serão feitas votação a votação, algo obviamente desgastante e sujeito a riscos, sobretudo em um Parlamento fragmentado como o brasileiro.

Para atender ao quórum de três quintos requerido no caso das emendas à Constituição, o governo terá ainda mais trabalho: precisará do apoio de no mínimo 49 senadores. O problema não envolve apenas a aritmética ou a articulação com o Congresso.

Chegar lá exigirá, em primeiro lugar, encontrar uma proposta consensual dentro da equipe de Bolsonaro. Assim como o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, boa parte da base parlamentar governista considera radical demais a reforma que Temer tentou fazer e que o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu.

“Que a Previdência precisa mudar, não há dúvida. Mas você não pode fazer isso, da noite pro dia, jogando na lata de lixo os sonhos de pessoas que estão há anos planejando sua aposentadoria de acordo com as regras existentes. Os técnicos e o pessoal da área financeira pensam que é só ir lá e cortar. O político é obrigado a ter sensibilidade. Não podemos virar as costas para os velhinhos. Eu não vou virar”, disse em off um parlamentar bolsonarista.

Idade mínima, regras de transição, contribuição de inativos e aposentadorias rurais são alguns dos tópicos mais difíceis em jogo. A polêmica tende a se acirrar se Guedes levar adiante o projeto de adotar a capitalização, pela qual as contas passariam a ser individualizadas. Um dos inconvenientes da proposta é que, num primeiro momento, ela agrava as contas públicas, já que o Tesouro Nacional teria de arcar com a parcela do governo das contribuições de cada servidor federal.

Fora as questões técnicas envolvidas, viabilizar politicamente a reforma da Previdência trará um desafio inédito, dada o caminho escolhido por Bolsonaro para formar o governo. Pela primeira vez desde a Constituição de 1988, os ministros foram escolhidos sem que a cúpula dos partidos fosse consultada antes. Apesar de ter se encontrado com várias bancadas partidárias e de ter aceito indicações de frentes setoriais, como a ruralista e a da saúde, o presidente foi fiel ao compromisso eleitoral de recusa ao “toma lá dá cá”.

Se vai funcionar ou não, é outra história. E, aqui, dois problemas adicionais. O primeiro é que uma eventual derrota pode sair muito caro. Não conseguir aprovar a reforma da Previdência em 2019, quando viverá a tradicional lua de mel concedida a governantes em início de mandato, poderá tirar do governo o apoio do mercado financeiro. Após aderir em peso a Bolsonaro ainda no primeiro semestre de 2018 e depois vibrar com a derrota do PT em outubro, o setor financeiro começou dezembro com as barbas de molho, preocupado com os desencontros e os bate-bocas públicos de figuras-chave do bolsonarismo.

Lógico que todas as dificuldades à vista são superáveis, mas para isso o novo governo terá de exibir uma capacidade de liderança que não se fez notar durante as semanas iniciais de transição. Ela será fundamental para garantir o apoio legislativo, sem o qual o sucesso do governo Bolsonaro se tornaria impossível.

A primeira prova de fogo para Jair Bolsonaro no Congresso será a eleição dos novos presidentes do Senado e da Câmara, em 1º de fevereiro. A vitória de aliados é fundamental para as pretensões do presidente eleito de levar adiante sua pauta legislativa, mas são os nomes apoiados pelos partidos de esquerda os mais bem colocados na disputa, nestas semanais finais de 2018: o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o senador reeleito Renan Calheiros (MDB-AL), que tem chance de presidir o Senado pela quarta vez.

Bolsonaro já deixou claro que não apoiará Renan, cabo eleitoral de Haddad em 2018 e visto com desconfiança por suas ligações com adversários do novo governo e pelas graves acusações criminais a que responde. Mas revela timidez nas articulações para encontrar um nome para derrotá-lo.
Maia enfrenta a resistência de Onyx e da bancada do PSL, embora seja eventualmente brindado com gestos de simpatia da parte do presidente eleito.

E encorpa a sua candidatura aproveitando-se da indefinição dos bolsonaristas. A maior parte deles não aceita o nome de Rodrigo Maia, mas se divide entre muitos nomes, dos quais dois pintam com maiores possibilidades de se tornarem competitivos, Fábio Ramalho (MDB-MG) e João Campos (PRB-GO). Numerosos almoços e jantares sociais, além de conversas sobre possíveis composições para a presidência de comissões e outros cargos da Mesa Diretora, fazem parte das táticas de que Maia tem lançado mão para avançar.

Em entrevista ao Congresso em Foco, o líder do PSL, Delegado Waldir (GO), acusou o deputado fluminense de votar pauta-bomba em troca de votos para a reeleição. Ele se defendeu dizendo que a escolha foi dos líderes e sugeriu ao novo governo que negociasse com Michel Temer o veto à prorrogação de incentivos fiscais para empresas instaladas nas áreas de atuação das superintendências de desenvolvimento da Amazônia (Sudam), do Nordeste (Sudene) e do Centro-Oeste (Sudeco). A medida, que originou a crítica do líder do PSL, deve gerar R$ 10 bilhões em renúncias fiscais até 2023.

Com apenas quatro senadores a partir de fevereiro (nenhum atualmente) e uma base menor no Senado, o PSL tem dificuldades ainda maiores para encontrar um nome capaz de enfrentar Renan. Sobram pretendentes, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Alvaro Dias (Podemos-PR), Espiridião Amin (PP-SC) e a atual líder do MDB no Senado, Simone Tebet (MS). Mas o preferido de Onyx seria Davi Alcolumbre (DEM-AP), nome considerado por parlamentares mais experientes como sem estofo político para ocupar o cargo.

Do Congresso em Foco