Discurso contra Ibama incita violência e desrespeito à lei

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Em excelente entrevista feita pelo repórter Rubens Valente e publicada nesta quinta (13), nesta Folha, a presidente do Ibama, Suely Araújo, desenha para quem tiver ao menos dois neurônios e quiser entender: não há indústria da multa ambiental e o discurso contra a atividade do órgão incita a violência e o desrespeito à lei.

Falar dessa indústria fictícia toca fogo no campo em dois sentidos: favorece o desmate e incita os conflitos com as populações indígenas, com os movimentos sociais e com qualquer um que esteja no caminho ou ofereça obstáculo ao desmatamento ilegal.

São eloquentes as provas de onde vai dar esse discurso em relação à fiscalização ambiental, como mostram as ações de intimidação e violência que os órgãos têm sofrido nos últimos tempos. Como disse Suely Araújo, a ação dos fiscais se torna cada dia mais perigosa, com moradores interditando estradas e ameaçando abertamente os funcionários que coíbem crimes ambientais. “O discurso antiambientalista, anti-Ibama, de uma suposta indústria de multas tem levado a dificuldades cada vez maiores na fiscalização de campo. Elas não são novidade, o Ibama não é exatamente querido pelo pessoal —acho que até é bastante querido por quem segue a legislação—, sempre existiram registros de conflitos no campo, mas o nível de periculosidade em campo no último ano cresceu muito. Tem áreas no país em que nossos fiscais estão sendo recebidos a balas. O sul do Amazonas é o melhor exemplo.  Planejar operações no sul do Amazonas significa quase se planejar para ir à guerra”, disse ela.

Em 19 de outubro, uma equipe do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, sofreu uma emboscada quando verificava um desmatamento detectado por satélite na Floresta Nacional Itaituba 2, município de Trairão (PA), a 1.395 km a sudoeste de Belém.

No dia 20 de outubro, fiscais do Ibama sofreram ataque durante ação de combate ao desmatamento ilegal. Um homem ateou fogo em três viaturas do Ibama na cidade de Buritis (RO), a 338 km de Porto Velho. O fogo foi controlado por policiais, mas um grupo de pessoas quis prosseguir e queimar outras viaturas.

No ano passado, ao menos três episódios: sedes e carros do instituto e do Ibama foram incendiadas em retaliação à operação Ouro Fino, que combatia o garimpo ilegal de ouro no Rio Madeira, um barco do ICMBio atracado próximo a Humaitá, no sul do Amazonas, foi incendiado, e oito caminhonetes do Ibama foram queimadas no sudoeste do Pará.

O Brasil não precisa de mais violência ligada às questões fundiárias. Temos muitos exemplos da guerra que se trava pela terra. Em 11 de outubro, o sindicalista Aluisio Sampaio foi executado na sede do Sintraf (Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar), em Castelo dos Sonhos (1.726 km a sudoeste de Belém), na BR-163, com vários tiros na cabeça. Sampaio estava ameaçado de morte e havia gravado e publicado vídeo, no Youtube, acusando três pessoas de conspirarem para matá-lo.

No último dia 8, dois integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na Paraíba (MST-PB) foram executados no acampamento Dom José Maria Pires, que fica na fazenda Igarapu, ocupada desde julho de 2017, em Alhandra, próxima de João Pessoa. José Bernardo da Silva, que era conhecido como Orlando, e Rodrigo Celestino foram mortos por homens encapuzados. Orlando era liderança do MST e visitava o local. Rodrigo morava no acampamento.

O Ministério Público instaurou procedimento administrativo para acompanhar as investigações. E a devastação cresce. Como afirma Beto Marubo, membro da organização Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), em artigo publicado na Folha, imagens de satélite mostram que a queimada de florestas atingiu níveis anteriores a 2008 e Exército, Ibama, Funai e polícias federal e estaduais têm se surpreendido com a velocidade do corte de florestas, ataques a indígenas e às estruturas físicas do Estado.

“Um dado é sintomático da pressa em criar fatos consumados, para servir de base a processos de grilagem: no sul do Amazonas, até mesmo castanhais foram derrubados e queimados, dentro de terras da União. Castanheiras são como cadernetas de poupança da selva, produzindo dinheiro certo a cada estação. Quem corta castanhais revela pressa e desconhecimento da floresta que está destruindo”, escreveu.

Da FSP