Em meio a retrocessos, ex-ministros se unem na defesa dos Direitos Humanos

Todos os posts, Últimas notícias

Na celebração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um grupo de ex-ministros da área se prepara para defender as minorias em 2019. A Comissão Arns, em homenagem a Dom Paulo Evaristo Arns, vai denunciar violações e promover ações legais de proteção dos direitos civis e políticos como forma de comemorar os 70 anos da Declaração, afirma o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro dos Direitos Humanos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Atual relator de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Pinheiro avalia as perspectivas do próximo ano como “as piores possíveis”.

Qual a importância desse documento em nível mundial?

É preciso situar que a Declaração veio depois da Segunda Guerra. Pela primeira vez na era moderna houve reconhecimento de direitos com valor universal. No conjunto das pessoas que escreveram a Declaração havia representantes de diferentes regiões do mundo. De certa forma, a partir dela, os Estados poderiam ser responsabilizados caso não a respeitassem. Mas demorou muito tempo para que isso de fato tivesse aplicação.

Como esse documento foi recebido no Brasil?

No Brasil só se percebeu a existência da Declaração depois da ditadura de 1964. No governo populista falava-se apenas cerimonialmente do documento. Entre 1949 e 1964, ninguém no Brasil levava em conta a Declaração. Foi preciso que a ditadura começasse a desrespeitar de forma sistemática os direitos civis e políticos para que o documento passasse a ser reconhecido no Brasil. Não foi muito diferente dos outros países. Quando foi criada a Comissão dos Direitos Humanos, após a Declaração, ela não chegou a monitorar violações até o final dos anos 1970. A Declaração e outros tratados só tiveram significado por conta das ditaduras do Cone Sul.

O que mudou desde a criação do texto em termos de garantia desses direitos, sobretudo no Brasil? No que ainda precisamos avançar?

O Brasil foi um dos primeiros países a assinar a Convenção Contra a Tortura e um pacto internacional de direitos civis e políticos. Todos os presidentes deram sua contribuição ao reconhecimento dos direitos humanos no Brasil. Não quer dizer que o desrespeito a esses direitos acabou, mas houve uma continuidade, especialmente com Fernando Henrique, Lula e Dilma. Essa continuidade só foi interrompida com a instalação do governo de Michel Temer, que, inicialmente, extinguiu o ministério que levamos décadas para criar, embora depois tenha voltado atrás. As perspectivas a partir de 1º de janeiro são as piores possíveis.

Por quê?

Colaboro com a ONU há 25 anos, e o Brasil, apesar de ser extremamente desigual, racista, com alto índice de execuções pelas Polícias Militares, sempre atuou na promoção dos direitos humanos em várias frentes. O primeiro governo da história do Brasil a tratar da repressão do trabalho escravo foi o governo Fernando Henrique Cardoso, e depois houve as primeiras políticas afirmativas para a população negra, o controle do armamento, os direitos das mulheres, a Lei Maria da Penha.

Ao mesmo tempo que os problemas de violação continuavam, avançamos nas normas e nas leis que asseguram proteção desses direitos. Mas esse governo que vai se instalar anuncia que destruirá tudo isso. É um governo antimulher, porque quer que as mulheres voltem para casa, é um governo que acha que negros, indígenas e gays não devem ter nenhum direito. De certa maneira, essa candidatura jogou no lixo a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Como a sociedade deve atuar para garantir esses direitos?

Um grupo de antigos ministros e dirigentes estamos formando uma comissão de defesa desses direitos para atuar a partir do próximo ano na defesa de grupos que começaram a ser atacados durante a campanha eleitoral. A Comissão Arns, em homenagem a Dom Paulo Evaristo Arns, vai denunciar violações e promover ações legais de proteção dos direitos civis e políticos. Essa vai ser nossa maneira de comemorar os 70 anos da Declaração.

A que se deve essa postura de boa parte da população contra os direitos humanos?

É difícil apontar apenas um fator para que os direitos humanos tenham virado alvo. Além de a elite se sentir ameaçada pelas políticas em prol da população mais pobre, a sociedade brasileira nunca deixou de ser autoritária. Nenhum crime dos militares durante a ditadura foi julgado, há total impunidade. O próprio presidente eleito pode saudar torturadores [no Congresso] numa boa. A dificuldade dos governos democráticos de lidar com a segurança pública também entra na equação. Nenhum governo conseguiu efetivamente proteger a vida dos mais pobres. A população está muito insatisfeita, o “capitão” encontrou um terreno fértil para a revolta, que se manifestou no voto. O fato de ele ser de extrema-direita e neofascista não significa que a população é igual, ela apenas está ressentida.

Da Revista Época