João de Deus dormiu no mato antes de se entregar

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Na quarta-feira (12) João de Deus e um de seus auxiliares entraram num sítio nos arredores de Goiânia, sem aviso prévio.

A propriedade é de uma família que teve um de seus integrantes, diagnosticado com câncer terminal na infância, salvo pelo médium há duas décadas.

O assistente avisou aos donos da terra, seus amigos, que o médium João de Deus precisava passar alguns dias recolhido no lugar.

Assediado por repórteres depois da acusação de que abusou sexualmente de mais de 300 mulheres, sem poder andar pelas ruas de Abadiânia (GO), ele precisava descansar e esperar a poeira baixar.

Os donos da casa não acreditavam no que estavam ouvindo. Mas, eternamente gratos, acolheram o médium.

Na sexta-feira (14), a situação começou a ficar tensa. A Justiça decretou a prisão de João de Deus.

O advogado dele, Alberto Toron, passou a negociar as condições de sua apresentação. “Nunca houve a intenção de fuga. A ideia era que ele se apresentasse o mais rápido possível, como foi feito”, afirma o defensor.

O médium, no entanto, ficou ansioso e aflito. Na madrugada de sábado (15), sem conseguir dormir, se embrenhou em um bosque perto do sítio, montou uma barraca e dormiu no meio do mato.

Não queria sair de lá para nada. Disse que precisava ficar sozinho e meditar.

Voltou à casa já tarde da noite. Tomou banho, comeu alguma coisa —e de novo foi para o bosque.

Na mesma noite, Toron concluiu a negociação para que ele se apresentasse à Polícia Civil de Goiás.

No domingo (16), logo cedo, o advogado embarcou para Goiânia para se reunir com a cúpula da polícia do estado.

A sócia de Toron, Luisa Moraes Abreu Ferreira, foi ao sítio buscar João de Deus. A ideia era acertar um ponto exato, numa estrada de terra, em que ele se apresentasse às autoridades.

O médium caminha de sua barraca no mato para encontrá-la. A advogada se espanta com o fato de ele ter dormido em uma barraca.

João de Deus está com os cabelos desalinhados. Veste uma camiseta azul clara, larga e amassada, e uma calça cáqui.

“Você quer fazer alguma pergunta, irmã?”, diz ele à colunista da Folha, que acompanha a cena.

Começa a falar das acusações que sofre. “Eu só sei que é uma coisa montada, armada. Para pegar o meu dinheiro”, afirma.

O auxiliar oferece a ele um copo de água.

E por que tantas mulheres, mais de 300, fizeram denúncias parecidas contra ele?

João de Deus se vira para a advogada. “Eu te contei do telefonema? Me telefonaram e disseram: ‘Vamos colocar 50 [mulheres] para falar mal de você. Se você falar alguma coisa, colocamos 200. E, depois, 2.000’”.

A defensora recomenda que ele tome banho e descanse. “Come alguma coisinha”, insiste a dona da casa.

O médium diz que está sem fome. “Não estou me sentindo bem.”

Senta-se em uma cadeira de madeira à espera do telefonema de Toron com as orientações da polícia sobre o ponto em que devem se encontrar.

Respira fundo e solta o ar.

Segura nas mãos um saquinho de supermercado amarelo, com os remédios que pretende levar para a prisão.

“Eu tomo nove. Eu tenho 60% do estômago [depois de uma cirurgia para tratar de um câncer], cinco stents no coração. Se eu não tomar esses remédios lá [na cadeia], eu morro”, diz à advogada. Ela o tranquiliza.

Um outro temor dele é ter a cabeça raspada, regra em algumas penitenciárias. E também, aos 76 anos, passar um longo tempo na prisão. “A minha situação é pior do que a do Lula?”, perguntou dias antes a um interlocutor.

A conversa é entremeada por silêncios prolongados.

A TV está sintonizada na Globo, que transmite um programa de Pedro Bial sobre a Tropicália. O jornalista foi o primeiro a apresentar depoimentos contra João de Deus.

A Folha pergunta sobre a movimentação que ele fez nos bancos, de R$ 35 milhões, razão apontada pelo Ministério Público para pedir a prisão.

Abre a carteira. “Eu nem uso cheque.” A defesa afirma que ele apenas baixou o dinheiro de aplicações financeiras, mas que os recursos seguiram depositados em suas contas.

Às 16 horas, a advogada avisa: os policiais e Toron já estão chegando no local marcado. É hora de ir embora. À colunista da Folha ele diz que se entregará à justiça divina e a justiça da terra.

No carro, prestes a se despedir da liberdade, ele diz que está passando mal. Pede que peguem o remédio sublingual que traz no saquinho de supermercado. “Se eu desmaiar, vocês colocam embaixo da minha língua.”

Às 16h30, chega ao ponto de encontro, a encruzilhada de uma estrada de terra. Desce do carro de seus advogados. E entra no carro dos policiais.

Da FSP