3,5 milhões de pessoas vivem em cidades com barragem de risco

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Cerca de 3,5 milhões de pessoas vivem em cidades brasileiras onde estão localizadas barragens com risco de rompimento. O número representa aproximadamente 2% da população do país.

Relatório da ANA (Agência Nacional de Águas) divulgado no fim do ano passado, com informações de 2017, apontou que 45 estruturas do tipo apresentavam falhas estruturais. Elas estão espalhadas por 13 estados e mais de 30 municípios.

Entre os problemas citados, estavam infiltrações, buracos, rachaduras e falta de documentos que garantissem a segurança da estrutura.

O número pode ser maior porque nem todos os órgãos fiscalizadores enviam as informações completas sobre suas barragens à ANA.

As cidades mais populosas com barragens nessa situação são Campo Grande (MS), Cariacica (ES) e Pelotas (RS). Em São Paulo, há duas: Americana e Pirapora do Bom Jesus.

A barragem que se rompeu em Brumadinho na última sexta (25) era considerada de baixo risco. Deixou 99 mortos e 259 desaparecidos até esta quarta-feira (30).

A tragédia trouxe à tona a discussão sobre a proximidade entre barragens e comunidades do entorno.
Não há, atualmente, uma distância mínima que deve ser respeitada. Um projeto de lei apresentado na Assembleia Legislativa de Minas, feito em parceria com o Ministério Público e o Ibama na esteira do rompimento em Mariana, tentou estabelecer um espaço de 10 km entre barragens de rejeitos e zonas povoadas, mas não foi adiante.

Para Klemens Laschefski, professor do Departamento de Geologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), é difícil estipular uma distância mínima a ser seguida pelas empresas. “As situações dos lugares são diferentes. É preciso analisar cada contexto geofísico, os declives do lugar, a viscosidade dos resíduos”, diz.

Mas é importante manter sempre uma distância considerável. Alemão, ele diz que nunca entendeu “como se constroem barragens onde vive gente”. “Não é comum em outros países, onde costumam ser construídas longe da população”, diz. “Isso só é comum onde há uma legislação ambiental fraca.”

Mais do que observar aspectos técnicos, é preciso analisar os grupos que vivem na região e a relação que mantêm com o território antes de iniciar um empreendimento, diz a antropóloga Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da mesma universidade.

“Os empreendedores fazem o plano e tiram o que estiver no caminho. O mais lógico seria colocar a sociedade que vive ali em primeiro lugar”, afirma.

O que se faz antes da construção é um estudo chamado “dam break” (rompimento de barragem), que avalia a extensão do estrago de um eventual acidente, explica Laura Maria Fais, engenheira ambiental da Faculdade de Tecnologia da Unicamp.

“O ideal é que comunidades estivessem afastadas o suficiente para não estar nessa área, mas, muitas vezes, isso não ocorre”, diz.

O mais comum é encontrar barragens a poucos quilômetros de lugares povoados, diz Iury Bezerra, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), criado na década de 1970. “Não tem como se acostumar. As pessoas que moram nessas regiões vivem com medo”, diz.

Segundo ele, especialmente após as recentes tragédias, a tensão aumentou e muitas pessoas decidiram abandonar as suas casas por medo de novos rompimentos. A preocupação, muitas vezes, é alimentada por boatos que rondam as comunidades.

Um dos lugares que vive sob medo é Congonhas, cidade histórica de Minas que tem uma estrutura de rejeitos a apenas 250 metros de distância dos moradores. Como mostrou reportagem da Folha, residentes se reuniram na última terça-feira (29) para discutir e cobrar providências sobre o assunto.

Em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, moradores também se mobilizaram após o incidente. Segundo Zhouri, da UFMG, há casas que ficam a menos de 1 km da barragem de rejeitos da mineradora Anglo American.

O coordenador do MAB, que vive no Pará e luta pelos direitos de quem vive no entorno da usina de Belo Monte, critica a falta de informações à população sobre as barragens. “As pessoas não sabem como nem quais elementos indicam o rompimento de uma barragem ou o que fazer em caso de acidente”, diz. “É preciso preparar as pessoas para conviver com a nova realidade.”

Não existe no Brasil uma cultura de treinamento para catástrofes, diz Fais, da Unicamp. Para ela, a orientação deveria ser aprimorada, mas sem transmitir  pânico à população. “É preciso explicar que o fato de se fazer uma simulação não significa que exista um risco iminente de rompimento”, afirma.

Mas, em alguns casos, o reassentamento da população torna-se mandatório, diz Laschefski. “Só assim desastres criminosos como em Mariana e em Brumadinho podem ser evitados”, afirma.

Dados preliminares fornecidos pelo Ibama nesta quarta-feira (30) mostram que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho devastou ao menos 204 hectares de mata. No total, a área atingida pelos rejeitos de mineração foi de no mínimo 270 hectares.

Para comparação, a área de todo o parque Ibirapuera, em São Paulo, é de 158 hectares.

Da FSP