Bolsonaro rompe com tradição brasileira de acolher imigrantes

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Sou imigrante brasileiro nos EUA e neto de imigrantes libaneses e italianos no Brasil. Torço por um time fundado por imigrantes italianos, e meu pai trabalhou em um hospital construído por imigrantes sírio-libaneses. Quando morava em São Paulo, viajava para a praia em uma estrada com o nome de Rodovia dos Imigrantes. E escolhi viver em Nova York, cidade onde quatro em cada dez habitantes nasceram em outro país.

O Brasil, na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX, foi uma nação que recebeu imigrantes. Imigrantes que vinham da Itália, de Portugal, do Japão, do Líbano, da Alemanha, da Polônia e de outras partes do mundo. Imigrantes judeus marroquinos que foram para o Pará e sírios que foram para o Acre. Imigrantes alemães que foram para Blumenau e imigrantes poloneses que foram para Ponta Grossa. Imigrantes japoneses que foram para a capital paulista e imigrantes italianos que foram para as fazendas do interior. Em São Paulo, os italianos se concentraram na Barra Funda; os sírio-libaneses, na 25 de Março; os judeus, no Bom Retiro; os japoneses, na Liberdade. Surgiram os clubes Palestra Itália (Palmeiras), Juventus, Monte Líbano, Sírio, Germânia (Pinheiros) e Hebraica.

Nas últimas décadas, imigrantes continuaram vindo ao Brasil. Alguns de novas origens, da Nigéria, do Haiti e da Venezuela. Todos atrás de uma vida melhor. Mas o Brasil hoje é uma nação de onde mais pessoas emigram do que imigram. Menos estrangeiros buscam viver no Brasil do que brasileiros buscam viver no exterior.

Alguns brasileiros emigram por necessidade e em busca de trabalho em terras distantes das crises econômicas e da violência no Brasil. Outros para estudar ou pelo simples sonho de se tornarem parisienses ou londrinos. Alguns conseguiram imigrar dentro das regras. Outros não tinham como legalmente concretizar seu objetivo de morar no país que escolheram, mas onde não nasceram.

Não é simples emigrar. É como se divorciar de sua própria terra. Dar adeus para as suas memórias. Penso no meu bisavô, que deixou as montanhas nevadas de Rachaya, no Líbano, para desembarcar em Santos e seguir para São José do Rio Preto sem falar a língua e com poucos recursos. Como milhões de imigrantes, aprendeu português e conseguiu construir uma vida, mas sem nunca esquecer o árabe e os cedros do Líbano. Similar ao que patrícios brasileiros de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás fazem hoje em Boston, New Haven e Newark.

Fico feliz de acordar todos os dias em Nova York. Sempre sinto falta de São Paulo. Esta é a vida do imigrante, dividido entre duas terras. Sei que é importante receber bem os imigrantes porque, como imigrante, quero ser bem recebido.

Dá tristeza, portanto, ver o Brasil deixar o pacto sobre imigração sem uma justificativa clara. Não feria a soberania brasileira. Apenas buscava defender as milhões de pessoas que decidiram viver em uma nação estrangeira, assim como um Bolsonaro o fez no passado ao deixar a Itália e ir para o Brasil. Afinal, no Brasil, a pessoa pode ter origem indígena ou seus antepassados chegaram ao país como escravos ou imigrantes — muitas vezes, uma mistura dos três. Nós imigrantes amamos o país onde nascemos, mas também amamos o país onde vivemos.

Do O Globo