Debate sobre privatizações de Bolsonaro será contaminado pela tragédia em MG

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O governo Bolsonaro alternou bons e maus momentos na condução até aqui da parte que lhe cabe na tragédia de Brumadinho.

Surpreendeu positivamente de saída, com uma divisão de tarefas e medidas imediatas sendo anunciadas pelo Planalto de forma ordenada. Ao menos do ponto de vista de comunicação, deu certo.

Os problemas começaram quando as autoridades passaram a abrir a boca. Primeiro, Jair Bolsonaro sugerindo que o problema de Brumadinho não era do governo federal. Obviamente também é, ainda que seja desonestidade intelectual atribuir qualquer responsabilidade a uma gestão com um mês de vida.

Depois, houve o “não é bem assim” da questão da derrubada da diretoria da Vale pelo Conselho de Administração da empresa. Do jeito que foi colocado, um desavisado acreditaria que alguma das 12 “golden shares” remanescentes da União na mineradora poderia ser acionado.

Não, como o próprio presidente interino e seu chefe da Casa Civil disseram, é uma hipótese que depende de o governo cooptar o voto de fundos de pensão de estatais e outros para fazer o movimento. O ruído ficou.

Ele não é nada comparado com o efeito que a avalanche de lama da Vale pode ter na agenda liberal que comprou o apoio do mercado financeiro à candidatura de Bolsonaro. Politicamente, falar em privatizações amplas e quiçá fantasiosas, dessas que ajudam a acabar com o déficit público num único ano, vai ficar bastante complicado quando um dos elementos da tragédia mineira é a falta de fiscalização decente por parte do Estado.

Esse é um nó antigo. Caso agências reguladoras funcionassem de forma correta, não teríamos tantos problemas com as ex-estatais em diversas áreas. Isso vale desde o telefonema das 8h de sábado daquela operadora de celular que tem seu número num cadastro que você nunca preencheu até uma hecatombe como a de Brumadinho. A questão é: imagine se fosse ainda tudo estatal.

O cenário poderia ensejar um debate adulto proveitoso. Mas vai ser mais fácil gritar “A Vale é nossa!”, “privataria” ou alguma bobagem do gênero. Não é à toa que 60% dos brasileiros ainda rejeitam desestatizar o país, como apontou o Datafolha na virada do ano. Esse tipo de guerra cultural é tão difícil de vencer como aquela contra moinhos de vento marxistas de certas alas do governo.

É então previsível que a lama mortífera de Minas seja também combustível para debates em Brasília quando Paulo Guedes e os seus enfim começarem a dizer a que vieram. Isso começa nesta sexta (1º), quando a bola começará a correr no Congresso e no Judiciário.

Por outro lado, a tragédia poderá também ter um lado positivo, que será o de impor freios a um “liberou geral” na área ambiental. Se é evidente que há exageros e ilegalidades cometidas em nome da natureza, casos como o de Mariana e Brumadinho nos lembram que o capitalismo de compadrio vigente no Brasil impede a aplicação de regras ultraliberais de autorregulação. Isso não acontece nem mesmo em economias mais civilizadas.

Se o caso Flávio Bolsonaro trouxe a realidade da política brucutu para o discurso moralista do governo, Brumadinho interpõe realidade aos planos de Guedes, para não falar em ruralistas e afins que sustentam o Planalto hoje. Desse embate pode sair até algo melhor para o país, mas nunca dá para contar com isso no Brasil.

Da FSP