Desigualdade de gênero nos pagamentos prejudica economia brasileira

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O mundo avançou pouco na igualdade de gêneros no último ano: menos mulheres do que homens têm entrado no mercado de trabalho; sua participação na política e em cargos privados sêniores ainda é inferior à masculina, e sua presença em setores emergentes de tecnologia, como o de Inteligência Artificial, ainda é irrisória.

As conclusões são de um relatório recente do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), que traçou um panorama pouco animador da igualdade de gêneros em 149 países sob os aspectos político, econômico, educacional e de saúde.

O Brasil não está bem posicionado no ranking do relatório: caiu cinco posições, para a 95ª, porque “o abismo entre gêneros está em seu maior nível desde 2011”, diz o WEF. Os motivos disso são, sobretudo, as persistentes disparidades em participação e oportunidade econômicas.

Aqui, segundo o Estudo de Estatísticas de Gênero, do IBGE, as mulheres trabalham em média três horas por semana a mais do que os homens (somando-se trabalho remunerado, atividades domésticas e cuidados com outras pessoas), mas ganham apenas dois terços (76%) do rendimento deles.

Nas ocupações que exigem nível superior completo ou mais, a diferença salarial é ainda maior: as mulheres recebiam 63,4% do rendimento dos homens em 2016, dado mais recente disponível.

Alguns estudos recentes analisaram o tamanho dessa disparidade, suas causas e o impacto que ela tem na economia inteira. A BBC News Brasil levantou os principais e mais recentes.

O salário das mulheres brasileiras com filhos é, em média, 35% menor que o das que não têm filhos, evidenciando o impacto da maternidade na renda feminina. O levantamento foi feito pelo pesquisador Bruno Ottoni, da empresa de análise IDados e do Instituto Brasileiro de Economia da FGV Rio.

Ottoni comparou os rendimentos de mulheres casadas, empregadas e com idades de 25 a 35 anos levantados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, no terceiro trimestre de 2018.

As mulheres desse grupo que não tinham filhos recebiam, em média, R$ 2.182,06 por mês, contra R$ 1.618,47 das mulheres com filhos.

E quanto mais filhos, menor era o rendimento médio delas. Uma mãe de três ou mais crianças ganhava R$ 1.426,53 em média.

Para Anderson de Souza Sant’Anna, professor da Fundação Dom Cabral e coautor de um outro estudo sobre disparidade salarial de gênero, as carreiras das mulheres fazem “uma curva em U”.

“Elas são mais escolarizadas, então são promovidas mais rápido, mas a partir de um certo momento, por volta dos 35, 38 anos, isso se inverte, e os homens as ultrapassam. Como as empresas não têm políticas para maternidade, as mulheres, ao voltarem ao trabalho, não conseguem se reinserir e recuperar a posição. Esse conjunto de fatores, somados, vão causando essas diferenças (salariais)”, disse à BBC News Brasil em outubro.

Em 2016, as mulheres dedicavam, em média, 18 horas semanais a trabalhos domésticos ou a cuidados com pessoas (filhos ou parentes idosos, por exemplo), contra 10,5 horas dos homens, de acordo com o IBGE. Esse é um dos fatores que levam mais mulheres do que homens a buscar empregos de jornada parcial, com remuneração inferior.

“Em função da carga de afazeres domésticos e cuidados, muitas mulheres se sentem compelidas a buscar ocupações que precisam de uma jornada de trabalho mais flexível”, disse em comunicado Barbara Cobo, coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE.

No entanto, “mesmo com o trabalho em tempo parcial, a mulher ainda trabalha mais”, agrega Cobo. “Combinando-se as horas de trabalhos remunerados com as de cuidados e afazeres, a mulher trabalha, em média, 54,4 horas semanais, contra 51,4 dos homens.”

Para Souza Sant’Anna, é possível que as entrevistas de emprego ajudem a perpetuar as diferenças salariais.

“Quando uma mulher é contratada, o RH pergunta quanto ela ganhava. Como elas historicamente ganham menos, uma hipótese é que já entram no novo emprego com um salário mais baixo do que um homem. Têm salários de entrada mais baixos. E isso ainda é intensificado por participação maior dos homens nos bônus. No caso de promoção, há uma tendência maior a favor dos homens.”

As mulheres não apenas ocupam menos posições sêniores (nem 40% dos cargos gerenciais são das mulheres, segundo o IBGE) como também ganham menos em relação aos homens à medida que ascendem profissionalmente.

A pesquisa de Souza Sant’Anna, da Fundação Dom Cabral, analisou os salários de homens e mulheres em 12 grandes empresas dos setores de indústria e serviços, abrangendo 50 mil trabalhadores. Identificou uma diferença salarial média de 16% entre homens e mulheres que exercem o mesmo cargo.

Em cargos de chefia, a discrepância chega a 27%. A distância entre os maiores salários de homens e de mulheres do topo é de 38%.

Há discrepâncias também por setores.

“Áreas como PDI (pesquisa, desenvolvimento e inovação) e engenharia de produção, são muito masculinas. Elas ainda estão menos representadas nessas profissões que são mais valorizadas”, afirmou Sant’Anna.

“Existe o que chamamos de polarização das profissões —mulheres em posições de cuidado, como Recursos Humanos, que estão muito mais sujeitas à automação. Em todas as posições funcionais, os homens ganham mais que as mulheres, à exceção de posições administrativas e financeiras— supervisora de call center, por exemplo. Nossa hipótese é que os homens saíram delas e foram para áreas mais nobres.”

Segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial, no ritmo atual, o mundo levará mais de 200 anos para alcançar a igualdade salarial entre homens e mulheres, cenário que provoca perdas econômicas para toda a sociedade.

Um levantamento de 2015 do Instituto McKinsey Global calculou que a igualdade de gêneros poderia acrescentar, em um cenário mediano —no qual os países alcancem o ritmo dos países mais igualitários de suas regiões—, até US$ 12 trilhões (R$ 44,5 trilhões) ao PIB mundial em 2025.

Em um cenário ideal de igualdade plena, no qual “mulheres participam na economia de modo idêntico aos homens”, os ganhos poderiam chegar a US$ 28 trilhões (R$ 104 trilhões) no PIB anual global —o equivalente, à época, à soma das duas maiores economias do mundo, a dos EUA e da China. Esse cenário permitiria que a metade feminina da população mundial alcançasse seu potencial mais plenamente, aumentando por exemplo suas horas de trabalho remunerado e seus rendimentos.

“Igualdade de gêneros não é apenas uma questão urgente do ponto de vista social e moral, mas também um desafio econômico”, apontou o relatório.

Em 2018, o Fundo Monetário Internacional (FMI) analisou pesquisas e dados de mais de uma centena de nações em questões como acesso ao sistema financeiro (como crédito e contas bancárias) e ascensão profissional feminina no setor bancário.

A conclusão foi de que mulheres mais fortes financeiramente demonstraram maior probabilidade de investir no bem-estar familiar e a tomar mais decisões financeiras mais inteligentes, que repercutem na educação e na saúde de sua família.

“Isso se traduz em menos pobreza, mais crescimento econômico e redução da desigualdade”, disse à BBC News Brasil Ratna Sahay, coautora do estudo e vice-diretora do Departamento Monetário e de Mercado de Capitais do FMI.

“Há diferentes exemplos: nas Filipinas, há evidências de que o empoderamento das mulheres aumentava seu controle sobre decisões do orçamento e seu gasto com itens simples, mas que melhoram a qualidade de vida de toda a família, como máquina de lavar roupa e utensílios culinários; no Nepal, descobrimos que lares liderados por mulheres gastavam 20% mais em educação do que os liderados por homens, algo muito importante para as crianças”, explicou Sahay, agregando que, embora seu estudo não mencione nominalmente o Brasil, as conclusões possivelmente se aplicam por aqui.

O levantamento do FMI analisou também um outro ângulo: qual o impacto de se, além de usuárias de serviços financeiros, tivermos mais mulheres provendo esses serviços —ou seja, ocupando posições de liderança em bancos centrais e comerciais e em agências regulatórias financeiras?

E, novamente, a conclusão foi de que “a maior representatividade das mulheres (em instituições financeiras) leva a mais estabilidade financeira”— na prática, menor endividamento, decisões corporativas mais cautelosas, mais eficiência e menos chance de crises financeiras.

“E isso tem grandes implicações, porque muitos países se preocupam com risco sistêmico e estabilidade. Em todos esses aspectos, reduzir a desigualdade de gênero pode ter efeitos macroeconômicos muito positivos”, afirmou Sahay.

Segundo o FMI, menos de 2% das CEOs de instituições financeiras globais são mulheres; elas também são menos de 20% dos membros dos conselhos dessas instituições.

“E isso é um contraste grande com a oferta de mulheres com formação relevante (nessa área)”, diz o texto do Fundo. “As mulheres representam 30% dos formandos em economia e cerca de 50% dos formandos em administração e ciências sociais.”

Segundo o estudo do Fórum Econômico Mundial, a igualdade de gêneros “é boa para os negócios”.

“Pesquisas feitas ao longo de três décadas mostram que (…) empresas com mais mulheres líderes e nos conselhos têm maiores lucros e performance financeira. Também têm menos relatos de fraude, corrupção e erros financeiros. Na Noruega, onde é exigido que as empresas reservem ao menos 40% de seus assentos de conselho a mulheres, as pesquisas mostram que elas têm mais probabilidade de pensar em longo prazo, e incluir cidadãos, em vez de apenas acionistas, em suas deliberações. As mulheres estimulam os conselhos a focar mais na comunidade, no ambiente e nos empregados.”

Da FSP