Ex-seguidores de Olavo de Carvalho contam o que os fez parar de admirá-lo

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“Guru”, “um tipo de mestre”, “professor”, “ideólogo”, “intelectual”, “filósofo”, “mentor” e “espécie de guia intelectual”, mas também “charlatão”, “aliciador”, “impostor”, “aproveitador” e por vezes até “líder de seita”. Os termos utilizados para descrever o pensador conservador Olavo de Carvalho, de 71 anos, cujos seguidores já ocupam cargos de importância no governo de Jair Bolsonaro, são diversos entre os ex-alunos ou ex-simpatizantes do brasileiro natural de Campinas, desde 2005 autoexilado nos Estados Unidos.

Em comum, todos eles compartilham, além de alguma admiração passada por Carvalho, seja pela “rebeldia” em desafiar paradigmas acadêmicos ou por acusar problemas da esquerda, a desilusão com o professor expressa em desavenças intelectuais, religiosas, políticas e pessoais em um momento específico — além da surpresa em ver sua autoridade potencializada nos últimos meses.

Nesta semana, em que foi convidado pelo Departamento de Estado dos EUA para uma reunião a portas fechadas em Washington e aproveitou para se encontrar por três vezes com o ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon, a influência de Carvalho mostrou-se em expansão.

Em jantar, Bannon sabatinou Carvalho sobre o Brasil e seus líderes e estimulou-o a se contrapor ao “cara de Chicago”, em referência ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que obteve doutorado na univesidade americana. Num momento devidamente registrado por um dos convidados, que o definiu como símbolo da nova era, Bannon, que é católico, pediu para Olavo de Carvalho fazer uma prece antes da refeição. Olavo rezou um pai-nosso, no que foi seguido por todos.

Bannon pediu que Carvalho explicasse o curso on-line que oferece. Ele não soube explicar e pediu socorro aos demais brasileiros presentes. “Passamos um bom tempo tentando, e não foi fácil. Bannon ficou impressionado com a amplitude do tema tratado”, escreveu o cineasta Josias Teófilo, que dirigiu documentário sobre o professor de filosofia.

Carvalho por vezes se mostra orgulhoso do protagonismo no governo Bolsonaro, mas, por vezes, rejeita-o. “E eu sou o guru dessa porcaria? Eu não sou o guru de m… nenhuma”, reclamou antes mesmo que a nova gestão completasse um mês. A contradição, como se verá aqui, é uma de suas marcas intelectuais.

Morador da zona rural perto da cidade de Ovar, no Norte português, o luso-brasileiro Carlos Velasco não se define no passado, quando começou a frequentar o Curso On-line de Filosofia (COF, ministrado por Carvalho desde 2009), como um legítimo “olavete”, termo depreciativo usado pelos adversários para caracterizar os seguidores mais assíduos de Olavo de Carvalho.

Com 42 anos, o empresário do ramo de importação e exportação relembrou o primeiro contato que teve com o professor, por meio da internet e das colunas que mantinha na imprensa durante os anos 2000, história parecida com a de grande parte dos seguidores, antigos ou atuais, acima dos 30 anos.

“Por volta de 2003, me impressionou o fato de ele ser o único que escrevia em português com capacidade sobre temas que me interessavam na época, como a centralização dos poderes e a diluição do Estado institucional. Fui acompanhando até decidir fazer o COF no fim de 2009”, disse Velasco. Apesar de ter assinado as aulas — uma por semana — até o fim de 2013, quando teve uma ruptura total com Carvalho, Velasco afirmou que seu interesse começou a decrescer após algumas sessões.

Segundo ele, além do professor ser pouco pontual, as aulas, que deveriam ser de filosofia, “entravam constantemente em assuntos paralelos, que só compreenderia, dizia o Olavo, quem assinasse outros cursos especializados que ele oferecia ou acompanhasse seu trabalho por fora”. Além disso, incomodava o empresário a virulência com que Carvalho atacava simpatizantes da esquerda, “como se quisesse iniciar uma guerra civil, sem lugar para a discussão saudável”.

O ponto final de discordância, no entanto, veio dos desdobramentos da guerra na Síria e da Primavera Árabe: segundo Velasco, o pensador tentava justificar os acontecimentos baseado numa espécie de “globalismo islâmico”, “como se houvesse uma agenda comum à religião no mundo inteiro”, algo que jamais o convenceu.

“Como todo aluno, questionei o professor, primeiro por e-mail, depois pelas redes sociais, mas ele se esquivava. Então comecei a escrever sobre isso publicamente, como ele ensinava que devia ser feito.” Desde 2013, Carlos mantém uma cruzada anti-Olavo de Carvalho por meio de um blog em que rebate Carvalho, o que também rendeu alguns vídeos no YouTube com o irmão, Jorge Velasco — em uma das gravações, houve uma conversa com Heloisa de Carvalho, filha e desafeto de Carvalho, que em 2017 publicou uma carta aberta contra o pai.

As críticas tiveram reação: contra o empresário há pelo menos 30 postagens na página oficial do pensador no Facebook desde 2014, algumas em que Velasco é xingado de “celerado”, “satanista” ou “criminoso”, principalmente quando o assunto é o passado de Carvalho ligado ao islã.

Não são todos os ex-alunos que têm a disposição de questionar publicamente o antigo mestre, com receio de perseguições dele ou dos olavetes, catapultadas pelas redes sociais. Depois de frequentar o seminário de filosofia que Carvalho oferecia presencialmente enquanto ainda morava no Brasil, entre o fim da década de 90 e o início dos anos 2000, um aluno que prefere se identificar como Paulo resolveu se afastar das aulas silenciosamente por causa de divergências nos posicionamentos religiosos e no que classificou como “contradições” do discurso olavista.

Segundo ele, foi o único que recebeu com desconfiança a súbita mudança de opinião de Carvalho quanto à invasão americana ao Iraque, passando a apoiá-la. Paulo descreveu sua relação com o professor como de “alguém próximo”, tendo lido seus principais trabalhos até então e contribuído para a difusão de seus posicionamentos, o que perdurou em diversas aulas de Carvalho.

A dinâmica delas e a relação com os alunos, segundo contou, tinham uma natureza sutil de acordo tácito, no qual o guru não era questionado, ainda que os alunos, em tese, pudessem fazê-lo a qualquer momento. “Nunca vi, nas aulas, alguém discordar do Olavo sem ter o pensamento ridicularizado de algum jeito.”

“Teoricamente, você pode discordar, mas, na prática, não há clima e ninguém faz. Tudo isso é muito sutil, claro, e a dinâmica não favorecia o questionamento. Se você discorda, ele diz: ‘Mas isso é um ponto de vista idiota’. Nessa, descobri que era idiota, mas resolvi ter minha opinião”, afirmou ele.

Ainda sobre as aulas, Paulo destacou a ausência de exercícios, de produção escrita ou oral, para testar os alunos, como num curso normal, além de não terem um fim definido: o COF já passa das 450 aulas, uma por semana, ao custo de R$ 60 por mês e não dá sinais de que vai parar tão cedo, o que justifica a classificação do ex-simpatizante de “não ser um curso, mas uma espécie de seita”.

A falta de uma área definida das exposições, que, apesar de se rotularem como filosofia, pulam nos ramos da política, da religião, literatura, moral e ética, também o incomodou: “No começo, era realmente sobre filosofia, mas depois a aula se resumia no Olavo abrindo o jornal e falando mal do PT. Ele justificava dizendo que era preciso ‘filosofar em tempo real contra a ameaça do comunismo’”, disse Paulo, que se definiu como liberal.

O ex-aluno não esconde o motivo que o levou até o professor: a capacidade retórica de Carvalho, que o faz “vender geladeira no Polo Norte”. Como é um “ótimo escritor”, Paulo afirmou que o filósofo consegue ser um expert no mundo da linguagem, trazendo seguidores pela retórica enfática, mordaz, belicosa, que “atinge quem não tem a capacidade de julgar as referências”.

Apesar das críticas, ele elenca dois bons fatores trazidos pelo guru: a divulgação e publicação de autores conservadores no país e a difusão do pensamento liberal num primeiro momento. O ex-aluno classificou Carvalho como intelectualmente fraco, apesar de conseguir influenciar muitos com argumentos virulentos: “Ele fala com o máximo de ênfase e o máximo de ambiguidade para, se errar, poder sair quanto antes”.

A mesma crítica ao conhecimento de Carvalho fazem o mestre em filosofia Joel Pinheiro da Fonseca, que, apesar de jamais ter sido seu aluno, foi influenciado pelo professor nos anos 2000, e Francisco Razzo, escritor e doutor em filosofia que se desentendeu com o guru depois de ter negado, por ocasião de uma entrevista, que lhe devia “pedágio intelectual”.

Tendo conhecido Carvalho em 2004 como leitor das colunas e de seus livros, Fonseca chegou a publicar artigos de Carvalho em uma revista cultural que mantinha, além de cultivar interações on-line com o professor. Na época, o filósofo lhe pareceu interessante por ser alguém “fora do cânone”, tanto por sua formação, já que nunca cursou faculdade, quanto pelo conteúdo divulgado, “sem medo de argumentar, de uma forma debochada, mas muito assertiva”.

A relação degringolou quando os dois se envolveram num debate sobre filosofia medieval, evidenciado em posts na internet, o que rendeu desavenças, segundo Fonseca. Ele contou que acusou Carvalho publicamente de sempre tentar diminuir seus oponentes de forma desleal e pouco respeitosa, com “xingos” — o professor então teria questionado a existência da palavra e, comprovado o erro na dedução, bloqueado Fonseca das redes sociais.

O episódio é ilustrado por Fonseca para atacar a erudição de Carvalho: “Ele tem, sim, uma erudição, mas a aumenta muito além do que ela é. Por exemplo, ele não sabe grego, mas quer discutir Aristóteles com uma autoridade de quem já leu no original perfeitamente. Fora que há sempre espaço para alguma teoria da conspiração na boca dele, desde FHC com maçonaria até programação neurolinguística, entre outros”.

Razzo, que se define como um “conservador não militante” e diz ser um ex-simpatizante do professor, mas nunca olavete, acusou Carvalho de subverter ideias básicas quando se trata de conceitos filosóficos, cometendo erros que “estudantes do segundo ano de filosofia jamais fariam”.

Como exemplo, cita o pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), dos maiores expoentes do idealismo alemão e frequentemente citado pelo guru em suas aulas no COF: “Para Kant, todo sujeito só conhece as interpretações dos objetos, esse é o cerne do idealismo. Olavo diz que, se Kant estivesse certo, você nem poderia ler os livros dele, uma vez que não seria possível conhecer a obra em si. Ele dizia: ‘Como pode se promover um pensamento que não é em si mesmo conhecido’? Erro básico.

Kant partilha com seus leitores não a obra em si, mas as representações expressas na linguagem, enquanto um sujeito do idealismo. De tão básico, chega a ser vergonhoso que alguém afirme o contrário”, disse o escritor.

Outro problema de Carvalho, para Razzo, é o fato de defender a filosofia de forma unitária, de modo que o conhecimento também se expressasse nas práticas do indivíduo e em seus afazeres cotidianos.

O escritor, por sua vez, afirma que a filosofia do ideólogo “pretende a síntese, mas não apresenta acabamento de pensamento unificado”, já que a conceituação de Carvalho passa por vários ramos de forma enfática e grandiosa, mas fragmentada. Para ele, “Olavo de Carvalho apenas não resistiu à tentação de estar sempre certo”.

A relação entre os dois azedou oficialmente depois de uma discussão no Facebook em 2014. Entrevistado por um blog, foi perguntado a Razzo sobre os pensadores que mais o influenciaram. Não citou Carvalho, apesar de então estar envolvido com a “nova direita”, o que despertou o rechaço do guru: num post, o professor escreveu que “é natural um estudante universitário só reconhecer a influência dos seus professores imediatos, sem ter em conta a atmosfera cultural criada por um antecessor”.

Com a leitura de O imbecil coletivo, Rossi foi fisgado pelo texto de Carvalho e tornou-se um dos colaboradores do portal Mídia sem Máscara, site à direita do espectro político, fundado e mantido pelo professor em 2002. Ele afirmou que a capacidade do filósofo em citar e refletir sobre autores nunca discutidos nas universidades brasileiras era um enorme atrativo numa época sem internet.

Tomou conhecimento, por esse meio, dos filósofos René Guénon e Frithjof Schuon, expoentes do perenialismo, ou tradicionalismo, linha de pensamento que defende a existência de uma verdade absoluta e transcendental comum às principais religiões do planeta. Schuon (1907-1998), explicou Rossi, aproximou-se do sufismo, ala esotérica do islã, tendo fundado uma tarica, ou confraria islâmica, da qual Carvalho fez parte e influenciou fortemente nos anos 80, antes de declarar-se católico: “Esses grupos têm a ideia de um resgate da ‘tradição’.

O que eles querem construir é o retorno de uma mentalidade conservadora religiosa, porém coordenada por uma elite esotérica gnóstica. Tendo uma posição mais cristã e contrária a esse tipo de perspectiva, comecei a rejeitar”, disse Rossi.

Ex-estudante de psicologia e filosofia, Rossi afirmou que seu interesse por esses autores citados por Carvalho aconteceu porque resolveu, de fato, lê-los. A desilusão com o guru veio pela análise detalhada dessas leituras, o que lhe tomou tempo e energia: “Era muitas vezes uma interpretação pessoal do Olavo, e não raro as posições dele contrariavam as dos autores citados”.

Rossi afirmou que chegou a conversar algumas vezes pessoalmente com Carvalho sobre o assunto, até que resolveu criticá-lo on-line. Como resposta, recebeu um vídeo, em que foi escrachado, além de ter sofrido ameaças, contou.

Os ex-simpatizantes de Carvalho veem de diferentes formas a relação dele com o governo Bolsonaro. Se Paulo disse “se perguntar o que quer” o guru da nova direita, Razzo afirmou que há um “projeto de poder”, mais importante que qualquer projeto de formação intelectual. Já Fonseca, que em 2015 já alertava para o crescimento da influência da “ala olavista”, agora disse que a questão é quanto o governo pode dar ouvidos a ela, principalmente via Eduardo Bolsonaro, olavete convicto.
Rossi, por sua vez, expandiu os limites dessa influência: “O Olavo sabe exatamente aonde ele quer ir e, no meio do caminho, tenta se adequar à tendência. A relação dele com Bolsonaro é acidental. Já com Bannon, não, mas de outro nível: estão construindo algo”, completou. Olavo de Carvalho preferiu não conceder entrevista a respeito das críticas dos ex-simpatizantes.