Haddad escancara ignorância e inabilidade política de Bolsonaro

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Por Rodrigo Martins

Preciso reler Maquiavel. Mas sua obra mais importante, O Príncipe, diz que há basicamente duas formas de se chegar ao poder, a Virtú (que não tem o mesmo sentido de virtude cristã) e a Fortuna, que significa algo como sorte. Um príncipe com Virtú sempre poderá ter Fortunas no seu caminho. São oportunidades que independem dele. Se souber aproveitar cada uma delas, será admirado por seu povo. Um príncipe sem Virtú e que conquistou seu principado apenas com sorte, a Fortuna, tem mais dificuldade em se manter no poder. Pois não é admirado.

Vi um vídeo de um seguidor indicado por Olavo de Carvalho que diz que a população apenas respeita quem teme. Maquiavel diz o contrário. Diz que você respeita quem você admira. Talvez aí já esteja o primeiro erro. E admiração não tem apenas a ver com ser bom. Um príncipe com Virtú poder ser cruel, desde que tenha a imagem de justo, por exemplo. Maquiavel coloca muito esta questão: um príncipe pode não ter Virtú, mas precisa demonstrar que as tem a seu povo. Caso contrário, contará apenas com a sorte, que é insustentável a longo prazo para manter o povo unido.

Falo agora de Bolsonaro. Ele ficou puto com um texto da Deutsche Welle que Haddad postou exatamente questionando a Virtú de Bolsonaro. No caso, a incapacidade intelectual dele e de quem o cerca de construir projetos baseados em ciência. Porque Bolsonaro e equipe se orgulhariam de não ter conhecimento intelectual e querem conquistar a admiração de seu povo mostrando apenas o empirismo, que é a tentativa de criação de políticas a partir do zero para igualar-se a séculos e séculos de literatura sobre sociedades que temos na história mundial.

Eliane Brum escreveu algo bem parecido nesta semana sobre isso. Ela afirma que Bolsonaro é exatamente uma pessoa sem Virtú alguma se comparado a outros líderes e, por isso mesmo, venceu a eleição num momento em que minorias ganham protagonismo e reivindicam seu papel e homens brancos e heteros sem enxergar em si qualidades além de serem homens, brancos e heteros tentam retomar seus privilégios, os quais nunca lutaram para conseguir, elegendo exatamente alguém igual a eles.

Como enxergo isso? Acredito que Bolsonaro, com a facada que levou e este momento histórico de reação de homens, brancos e heteros que se sentem “oprimidos” – não são, mas Bolsonaro disse na posse que “agora vão nos ouvir” – seja a Fortuna dele. Ele, um cara sem formação acadêmica de destaque, sem ter feito nada de notável em toda a sua vida, sem ter uma posição social que o coloque em evidência, por ser um cara comum, igual a todos, chegou ao poder por Fortuna, mas vai padecer de Virtú para continuar lá.

Claro, a imagem de defensor da família, de homem “incorruptível”, essas groselhas que ele criou, ainda existem. Isso não significa que sejam eternas. Ele precisará manter. Mas mais da metade da população não o vê assim. Ou seja, o principado dele não foi conquistado. Agora, o que se desgasta é a sua própria capacidade de liderar um governo. E isto é grave. Na primeira semana, em suas entrevistas e desmentidos, ficou claro que Bolsonaro não controla sua equipe e não tem capacidade intelectual de tomar decisões.

Quando Bolsonaro fica puto publicamente com Haddad por questionar suas credenciais intelectuais – e isso não tem a ver só com educação formal, Lula não fugia de debates, por exemplo -, isso significa que ele teme exatamente aí perder a Virtú com seu povo. Mesmo os eleitores de Bolsonaro nunca acharam que ele fosse um intelectual, mas esperavam que, com 28 anos de Câmara, ele fosse capaz de construir consensos políticos e aprovar reformas que são demandadas urgentemente por todos, embora não haja consensos sobre como seriam.

Todos os jornais já criticaram Bolsonaro pelas confusões que ele já cometeu na área econômica. Falar as groselhas que ele fala sobre questões morais não interessa muito ao capital, que quer lucrar. Mostra Virtú aos 55 milhões que o elegeram, mas não a quem não votou nele. Agora, quando mexe no bolso das elites, isso ganha repercussão por todos os braços dela, que são as mídias consumidas por todo o principado. Quanto mais despreparado e sem Virtú Bolsonaro se mostrar, menos apoio terá e mais difícil será governar. Pois conta com a sorte apenas, a Fortuna, aquela que em grande parte o elegeu.

Dito isto, já deu pra perceber que o ponto fraco de Bolsonaro é sua capacidade de construir consensos numa democracia e de entender as reais questões que necessitam um país como o Brasil. Ele de fato se elegeu por questões morais e com o discurso de que Deus iluminou a sua cabeça com a verdade e ele está pronto para o desafio. Teve gente que acreditou nisso. Teve gente que se aproveitou, tipo Paulo Guedes, que se aproximou de Bolsonaro pra implementar sua ideologia ultra-liberal na economia e conquistou o mercado.

Haddad pega no ponto certo quando questiona com o artigo que compartilhou o total despreparo para o governo, apontando como falta de Virtú em Bolsonaro o conhecimento dele e de sua equipe de todos os estudos seculares de sociedades e a tentativa de improvisar com ideias baseadas em senso comum no grito – muitas baseadas em religião – achando que isso vá dar certo e todo o principado verá Bolsonaro com Virtú, não apenas contemplado com Fortuna.

Em uma semana, Bolsonaro já deve ter percebido que a tarefa é pesada demais pra quem ficou 28 anos sendo pago com dinheiro público e, de tão mau articulador, aprovou apenas dois projetos e não se interessou nem em conhecer os mecanismos do país que estava representando como voz ativa no Parlamento. Aos poucos, Bolsonaro mostra suas fragilidades. Ele tenta parecer ter Virtú, mas não tem. Esta é a dica de Maquiavel, inclusive. É mais importante parecer do que ser. Basta saber se ele vai conseguir enganar seu principado!

Rodrigo Martins é comunicador e especialista em diversidade.