Secretários estaduais tem papel crucial nos caminhos que a Educação tomará

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“A vida de Yacov ben Judah Leib Frankovitch foi como a de que qualquer fanático: sem sossego, sem segurança, imodesta”, descreve Fernando Baez no livro “História Universal da Destruição de Livros”. A obra, enciclopédica, relembra a destruição de conhecimento por homens, pela natureza e pelo acaso.

No caso de Frankovitch, ele pregava a destruição da Torá, obra sagrada dos judeus. Motivo? A destruição do livro liberaria energia para o surgimento de uma nova era. Messiânico e obcecado, dedicou a vida à eliminação de páginas. Era tão obstinado em sua missão que, ao morrer, conclamou seus amigos a não deixar nenhum livro inteiro sobre a Terra.

Parece absurdo, mas Frankovitch não está sozinho. Imperadores chineses, funcionários romanos, puritanos americanos, burocratas comunistas… De tempos em tempos, surge um purificador disposto a salvar o mundo por meio da destruição.

Um outro caso interessante relatado pela “História Universal da Destruição de Livros” é o de Anthony Comstock, um dos censores religiosos mais temido da história dos EUA. Dono de uma interpretação peculiar da Bíblia, ele decidiu acabar com as obras que, segundo ele, foram ditadas pelo demônio a escritores pervertidos. Ao menos 120 toneladas de papel foram queimadas por causa de Comstock.

Não creio que, em curto espaço de tempo, o Brasil verá algo do tipo. Mesmo em países com instituições de censura colossais, como a China, sempre há um jeito de burlar os muros da proibição sistemática, da invisibilidade fabricada.

Porém, eu me preocupo com a criatividade dos fanáticos. Afinal, o prazer da destruição vem acompanhado de um narcisismo patológico. Muitos apaixonados por si mesmo acreditam que o primeiro passo para recriar o mundo é transformar em pó tudo que veio antes. Não sei como isso poderia acontecer hoje, mas é bom não menosprezar o ímpeto dos piromaníacos.

Embora eu não acredite que vamos ter tragédias no curto prazo, tenho razões para me preocupar. O ministro da educação, Ricardo Vélez Rodriguez, tem deixado suas nomeações falarem por si (ele não tem dado entrevistas e é pouquíssimo ativo em redes sociais). Vélez colocou fanáticos em cargos importantes do MEC e ainda não divulgou um projeto claro para o ministério. Sempre posso me surpreender, mas é difícil esperar algo bom num cenário como esse.

Afinal, embora o MEC tenha se isentado da responsabilidade no caso dos livros didáticos, ficou claro que é possível “incendiar livros”, metaforicamente falando, com poucas páginas ministeriais.

Por isso, mais do que nunca, a educação brasileira precisará de alguns dos funcionários menos conhecidos da administração pública: os secretários estaduais de educação. Vários governadores, entre novos e reeleitos, nomearam especialistas respeitados e técnicos de carreira para o cargo. Na NOVA ESCOLA, ficamos surpresos com o  currículo de cada um deles. As pessoas conhecem a área, têm uma agenda clara e se comprometem com uma série de princípios comuns. Obviamente, currículo não garante resultado. Mas que ajuda, ajuda.

Esses secretários terão muitos desafios concretos para resolver e pouco tempo para lidar com excessos do MEC. Se souberem pressionar a pasta, se conseguirem construir uma agenda realista de melhoria educacional, podem ocupar o vazio de propostas construído pelo fanatismo. Eles terão de ser os adultos na sala, os bombeiros contra os incendiários. No caso das trapalhadas com o edital de livros didáticos, por exemplo, os Estados seriam enormemente afetados pelo governo federal.

No livro “Homens em Tempos Sombrios”, a filósofa Hannah Arendt escreveu: “Mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação, e tal iluminação pode bem provir menos das teorias e conceitos e mais da luz incerta, bruxuleante e frequentemente fraca que alguns homens e mulheres, nas suas vidas e obras, farão brilhar em quase todas as circunstâncias e irradiarão pelo tempo que lhes foi dado na Terra”. Essa é a missão dos secretários estaduais de educação realmente comprometidos com o Brasil.

Da FSP