Setor de Mudança Climática e Meio Ambiente perde espaço no Itamaraty

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Um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) extinguiu a subsecretaria do Ministério das Relações Exteriores que cuidava de questões relativas ao ambiente e à mudança climática.

Motivo de apreensão no Itamaraty desde a posse do embaixador Ernesto Araújo como chanceler, o decreto que reorganiza a pasta foi publicado na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial.

Na nova configuração, a antiga Subsecretaria-Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia e a Divisão da Mudança do Clima foram substituídas pelo novo Departamento de Meio Ambiente.

O órgão passa a ser o responsável por “propor diretrizes de política externa no âmbito internacional relativas ao meio ambiente, ao desenvolvimento sustentável, à proteção da atmosfera, à Antártida, ao espaço exterior, à ordenação jurídica do mar e seu regime, à utilização econômica dos fundos marinhos e oceânicos e ao regime jurídico da pesca”.

Esse departamento estará abrigado na recém-criada Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania, um tema central nos discursos e artigos de Araújo.

A secretaria engloba também os departamentos de Segurança e Justiça, o de Defesa, o de Nações Unidas e o de Direitos Humanos e Cidadania.

A ela compete o assessoramento nas questões relativas a cooperação jurídica internacional, política imigratória, desarmamento, ilícitos transnacionais, entre outras, define o decreto.

A antiga divisão de mudanças climáticas era responsável, entre outras atribuições, por representar o governo brasileiro em fóruns internacionais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e a Organização Marítima Internacional, entre outros.

Ela também tinha como papel contribuir para que a definição das políticas nacionais refletisse os compromissos ambientais assumidos pelo país. A área de mudanças climáticas também foi extinta da pasta do Meio Ambiente.

Para diplomatas ouvidos pela Folha, o pior cenário será a a redução da equipe que acompanha as negociações internacionais sobre o clima, o que reduziria também o poder de influência do país sobre o resultado dos acordos.

Um ex-negociador cita como exemplo as estratégias de países contrários ou mais conservadores nas negociações climáticas, como os Estados Unidos e Arábia Saudita. Ambos mantêm equipes de diplomatas numerosas e bem articuladas, preparadas para moldar as regras dos acordos climáticos e negociar em nome do interesse dos seus países.

Na avaliação de um diplomata, manter a capacidade de negociação climática é estratégico para defender a soberania do país e obter financiamentos.

​No entanto, ainda há a expectativa de que o novo governo reconheça a importância de manter o quadro de negociadores climáticos. O decreto não especifica a alocação dos negociadores climáticos, mas permite a interpretação de que eles atuem sob uma das divisões do novo Departamento de Meio Ambiente.

Em comunicado, o Itamaraty afirmou que “a nova estrutura busca maior eficiência administrativa e economia de recursos”.

Também foram extintos os departamentos de Temas Científicos e Tecnológicos, o de Energia e o de Sustentabilidade Ambiental.

“Agora, a agenda ambiental fica órfã”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC). “Você até pode imaginar que exista alguma relação entre mudança climática e proteção à atmosfera, mas clima vai muito além disso, é um tema de desenvolvimento de qualquer nação.”

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já escreveu que a “defesa da mudança do clima” é “basicamente uma tática globalista de instilar o medo para obter mais poder.”

Com o fim da subsecretaria-geral e do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos, assuntos dessa seara passarão a ser concentrados no novo Departamento de Promoção Tecnológica.

“Essa perda de status da ciência no Itamaraty é também preocupante e mostra que as políticas do ministério podem passar a ser mais orientadas pela fé e ideologia do chanceler que em evidências científicas”, afirma Rittl.

Em nota, o OC afirma que “com isso, o Brasil abdica um papel de destaque e que vem ocupando desde 1972 nas negociações multilaterais de desenvolvimento sustentável –um dos poucos aspectos da cena internacional em que o país é líder nato. A nova economia verde, defendida na Eco92 e na Rio +20, no Rio de Janeiro, encolhe para ceder espaço ao velho extrativismo mineral e ao agronegócio, reforçados na nova estrutura do Itamaraty, numa primarização da política externa”.

Além da mudança relativa ao ambiente, o decreto também passou a dar mais destaque dentro do Itamaraty ao agronegócio, com a criação de um departamento voltado ao setor debaixo do guarda-chuva da Secretaria de Política Externa Comercial e Econômica.

A secretaria inclui ainda departamentos de organismos econômicos multilaterais, outro de serviços e de indústria, e também um de energia, recursos minerais e infraestrutura.

O chanceler também reformulou secretarias de negociações bilaterais, dividindo-as entre aquela voltada às Américas, outra dedicada a Oriente Médio, Europa e África, e mais uma dedicada a Ásia, Oceania e Rússia.

Na primeira secretaria, os Estados Unidos têm um departamento próprio, assim como o Mercosul. A China também será objeto de um departamento específico.

As relações de Brasília com Pequim e Washington devem dar o tom da política externa no governo Bolsonaro.

Da FSP