Suposta ‘despetização’ divulgada por Onyx tem apenas 1% de petistas

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Anunciada no dia 2 de janeiro como uma “despetização” do governo federal pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a demissão de funcionários públicos com cargos de confiança tem baixo teor de petismo. Entre os dias 3 e 10 de janeiro, 293 servidores comissionados da administração direta e indireta foram exonerados tanto por Onyx quanto pelos demais ministros – o levantamento da reportagem desconsidera funcionários públicos de estatais, militares (que não podem se filiar a partidos) e também demissões a pedido do servidor. Desse total, apenas 35 (12%) são filiados a algum partido, quatro (1,3%) ao PT e quatro ao PSDB. A sigla com mais exonerados é o MDB de Michel Temer, com seis.

Há até cabo eleitoral de Bolsonaro entre os demitidos. Filiado desde 2008 ao PSC de Barreiras, na Bahia, Sigisvaldo Vilares dos Santos, funcionário comissionado da Subchefia de Assuntos Federativos da Secretaria de Governo da Presidência, foi um dos exonerados. Como muitos no seu partido, Santos fez campanha aberta para Bolsonaro, e chegou a convidá-lo pessoalmente para visitar sua cidade, Luís Eduardo Magalhães, na Bahia – o que não impediu sua demissão, no dia 7.

Entre os servidores demitidos que são filiados, há uma pulverização entre quinze siglas, incluindo algumas das que apoiam o governo Bolsonaro, como PSC, PRB e PR. É uma contradição em relação às declarações de Onyx sobre o que seria uma “despetização”: “Vamos retirar de perto da administração pública federal todos aqueles que têm marca ideológica clara. Nós todos sabemos do aparelhamento que foi feito principalmente do governo federal nos quase catorze anos que o PT aqui ficou”, disse o ministro, no dia 2.

Naquele dia, Onyx assinou um decreto que exonerava ou dispensava de uma só vez 320 funcionários de primeiro escalão que ocupavam cargos de Direção e Assessoramento Superiores, a DAS – os chamados “cargos de confiança”. A portaria, no entanto, não detalhava quem eram os funcionários públicos exonerados ou dispensados, com nome ou cargo. Na semana seguinte, as exonerações foram publicadas aos poucos em portarias tanto da Casa Civil quanto de outros ministérios, num processo ainda em andamento.

Um dos funcionários exonerados, Rafaela Dias Pires, filiada ao PT de Belém há quinze anos, foi demitida da Coordenação Geral de Segurança e Saúde em Portos, braço do Ministério da Infraestrutura. Procurada pela reportagem, ela não quis detalhar o caso. Disse apenas que o fato de ser petista não tem relação com sua exoneração.

Já Sigisvaldo Santos, o funcionário exonerado que chegou a fazer campanha para Bolsonaro, contou que, na sua repartição, “quase todos” foram mandados embora. “O ministro [da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz] não sabia como funcionava a nossa área, então chamaram um por um para conversar sobre quais eram seus cargos e como funcionava cada coisa. Depois de ouvirem todos, mandaram embora quase todo mundo. Se sobraram dois foi muito.”

Segundo Santos, assim como ele, muitos fizeram campanha para Bolsonaro na subchefia em que dava expediente. “O presidente Temer não se posicionou, então deixou as pessoas fazerem campanha pra quem quisessem. Fiz muita campanha, na minha cidade só deu ele”. Luís Eduardo Magalhães foi uma das quatro cidades da Bahia em que Bolsonaro venceu Haddad no segundo turno. A vitória foi de 58,8%. Os outros municípios em que o candidato do PSL venceu foram Itapetinga, Buerarema e Teixeira de Freitas. O estado da Bahia tem 417 municípios. Haddad foi o mais votado por lá, com 72,7% dos votos.

Passados mais de dois anos desde que Dilma deixou o poder, a “ideologia” predominante entre os exonerados é, com larga vantagem, a dos funcionários sem partido, seguida pelos emedebistas ligados a Temer. Um deles é Sabonete, apelido que Palmínio Altimari ganhou no sistema Drousys, que organizava as propinas pagas pela Odebrecht. Prefeito de Rio Claro, no interior paulista, entre 2009 e 2012, Du Altimari, como é conhecido, foi nomeado no dia 23 de março de 2017 para o cargo de “assessor especial da subchefia de Assuntos Federativos da Secretaria de Governo da Presidência da República”, com salário de 13,6 mil reais. Duas semanas mais tarde, veio à tona a delação de Guilherme Paschoal, um dos executivos da empreiteira, que citava Altimari como beneficiário de 150 mil reais, dinheiro que, segundo o delator, seria usado como caixa 2 na campanha à reeleição para a prefeitura de Rio Claro, em 2012.

Altimari, ou Sabonete, não quis falar com a reportagem. Exonerado por Onyx Lorenzoni, evitou criticar a decisão. “Não atribuo a exoneração a questão partidária. É muito natural que o presidente eleito forme a sua equipe de governo com pessoas de sua confiança e aliados. Minha passagem pelo gabinete da Presidência foi para contribuir nas questões que envolvem os municípios. Cumpri a função de estreitar o elo entre os municípios e o governo federal”, afirmou, em nota enviada à reportagem. Sobre a delação da Odebrecht, disse que “ainda está tomando conhecimento dos fatos”.

Onyx Lorenzoni demonstrou menos rigor com duas indicações do emedebista Eduardo Cunha, deputado cassado e preso preventivamente pela Lava Jato em Curitiba. Dois advogados ligados a Cunha foram mantidos como subchefes adjuntos para Assuntos Jurídicos da Casa Civil.

Thiago Camargo Lopes, filiado ao MDB de Goiânia, teve sua exoneração do cargo de secretário de Políticas Digitais do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações publicada na última quarta-feira. “A única vez que conversei com alguém do novo ministério foi no dia da posse, com o secretário executivo [Júlio Semeghini]. Ele chegou pra mim e disse ‘que pena que você não vai ficar com a gente’. Aí eu perguntei se já tava tudo certo para a minha exoneração, porque eu já queria sair. Ele disse que a portaria seria publicada no dia seguinte. Na verdade, ainda levou uma semana”.

No dia seguinte, de qualquer forma, o ministro Marcos Pontes anunciou a extinção da Sepod, como é chamada a secretaria de políticas digitais, para o dia 30 de janeiro. A informação chegou antes de sua própria exoneração, e deixou Lopes apreensivo. “Recebo no dia 30, então fiquei meio confuso sobre como seria feito meu pagamento. Liguei no RH e eles também não sabiam o que ia acontecer”. O emedebista – “não praticante”, enfatiza – afirma que chegou a receber uma proposta do Ministério da Economia, mas recusou para voltar à iniciativa privada.

A extinção da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil levou à exoneração de quatro membros ativos do Solidariedade. Líder da sigla, Paulinho da Força tinha influência nessa área durante o governo Temer, que nomeou assessores do partido recém-fundado. Guilherme Menezes Martinelli foi um deles. Ele não acha que a questão partidária tenha influenciado sua exoneração e de seus colegas, “até porque o Solidariedade é de centro. De qualquer forma, ele não faz parte do governo”.

A portaria de Onyx exonerando 320 cargos comissionados não nomeia nenhum servidor. Segundo especialistas em gestão pública, o recomendável seria listar todos os nomes. “Está muito genérico, sugerindo mais um teatro do ato administrativo”, afirma Álvaro Martim Guedes, docente da Universidade Estadual Paulista.

Procurada no dia 7, a assessoria da Casa Civil não respondeu aos questionamentos da reportagem. Quando assumiu a Presidência da República, Temer prometeu cortar 4 mil servidores comissionados, mas terminou sua gestão com 22,9 mil, um aumento em relação aos 21,8 mil no fim da era Dilma Rousseff, em 2016, como mostra reportagem publicada no jornal O Estado de S.Paulo. Esse grupo de funcionários custa 1 bilhão de reais por ano aos cofres públicos, o equivalente a 0,4% da folha salarial da União.

Da Revista Piauí