Tarifa de ônibus deveria ter diminuído 20 centavos

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Quando o Bilhete Único foi criado, em 2004, a tarifa de ônibus era R$ 1,70 em São Paulo. Se este valor tivesse sido corrigido apenas pela inflação, o preço da passagem hoje seria R$ 3,82

Mas… O que inflação tem a ver com tarifa?

De forma simples, a inflação é o aumento geral dos preços. Assim, se o combustível e a manutenção da frota ficam mais caros, este custo é repassado aos usuários do transporte

É por isso que a tarifa tende a acompanhar Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), tido pelo Banco Central como a inflação oficial do País

O reajuste acima da inflação é um dos motivos que alimenta manifestações, como a do Movimento Passe Livre (MPL), agendada para esta quinta-feira, dia 10 de janeiro

Entretanto, o preço da passagem de ônibus que tem sido noticiado como “justo”, se considerada apenas a inflação, é de R$ 4,15

Por quê?

Pois o cálculo usual considera apenas a inflação desde o último reajuste. Ou seja…

A conta que resulta em R$ 4,15 apenas corrige o valor de R$ 4, definido em janeiro de 2018, pela inflação desde lá até hoje

Os índices considerados para dezembro de 2018 e janeiro de 2019 são estimativas do Banco Central, disponíveis no Relatório Focus publicado em 28 de dezembro de 2018

Então, como justificar os R$ 4,30?

A Prefeitura argumentou que, como no ano de 2017 não houve reajuste, e, como em 2018 o reajuste foi abaixo da inflação, neste ano houve uma recomposição das últimas perdas

Esta informação, contudo, não é precisa…

Se a compensação fosse apenas dos últimos três anos, o valor da passagem deveria ser de R$ 4,25

Na prática, o que ocorreu foi uma “compensação” dos últimos quatro anos, quando a passagem passou a ser R$ 3,50. Corrigido pelo IPCA, este valor chega a R$ 4,29

Assim, o valor de R$ 4,30 “compensa” a inflação desde o início de 2015 – não desde 2016, como argumentou a Prefeitura em nota

Que outros fatores que justificam aumentos?

Os aumentos acima da inflação têm duas explicações principais…

1. Desde 2014 há novos tipos de gratuidades para idosos e estudantes. E os custos desses passageiros são divididos entre os demais usuários do sistema

Em novembro, por exemplo, quase uma em cada quatro viagens de ônibus foi feita por um passageiro que não pagou

2. A segunda explicação é a falta de concorrência no setor: há cinco anos não há licitações para troca de empresas de ônibus de São Paulo

Como o transporte público é um serviço essencial, é possível que sejam feitos contratos “de emergência”, sem licitação

Em outubro, um relatório feito pelo conselheiro do Tribunal de Contas do Município (TCM) Edson Simões apontou que essa demora aumentava os custos do serviço

O relatório calcula que a Prefeitura pagou, entre 2015 e o mês de outubro de 2018, R$ 34 bilhões às empresas de ônibus, que aumentavam seus custos ano após ano

Como a venda de passagens não cobre esses custos, a Prefeitura usa cerca de R$ 3 bilhões por ano dos recursos da cidade, retirando de outras áreas também essenciais, para completar os repasses às empresas

O conselheiro destaca que essa “emergência” é “fabricada”, porque as diferentes gestões da cidade (de Fernando Haddad, João Doria e Bruno Covas) não fizeram novas licitações corretas

Os processos que começaram terminaram barrados por irregularidades pelo próprio TCM

A nova tentativa de licitar o setor está marcada para o próximo dia 23

Até agora, esta análise focou no período após a implantação do Bilhete Único, criado pela gestão Marta Suplicy, em 2004

O motivo é simples. Foi a partir desse momento que o sistema de transporte público da cidade ficou com a “cara” atual – isto é, deu acesso a benefícios como o direito a até três viagens no intervalo de três horas com uma única tarifa

Mas a análise pode ir mais longe…

Aqui, foram investigados todos os aumentos de tarifa que aconteceram a partir do momento em que o Plano Real controlou a inflação.

Desde que o Real entrou em vigor, as tarifas sofreram 11 aumentos acima da inflação e apenas 4 aumentos abaixo da inflação.

A maior diferença entre preço estipulado e “preço justo” aconteceu durante a gestão de Celso Pitta…

O salto de R$ 1 para R$ 1,25 foi bem alto, considerando que a inflação teria aumentado o valor da passagem em apenas um centavo

Em contraste, o aumento que ficou mais abaixo da inflação foi o que desencadeou os maiores protestos: de R$ 3 para R$ 3,20

As manifestações de junho de 2013 conseguiram reverter o aumento poucos dias após sua data de início, no dia 2 daquele mês

Paulistano já gastou 90% do salário mínimo com ônibus e metrô, levando em consideração uma viagem de ida e volta por dia, durante 22 dias úteis no mês

Essa situação acontecia em janeiro de 1999, quando a remuneração básica era de R$ 130, a tarifa de ônibus custava R$ 1,25 e a passagem de metrô, R$ 1,40

Atualmente, o porcentual da remuneração básica dedicado a ir e vir é bem mais baixo que há 20 anos, mas ainda assusta

Quanto de um salário mínimo é gasto só com transporte? Consideramos uma viagem por dia, ida e volta, durante os 22 dias úteis do mês

Um cidadão que pega dois ônibus por dia útil no mês gasta R$189,20 para se locomover. Antes do reajuste, ele gastaria R$ 13,20 a menos

Já um trabalhador que precisa de integração com metrô gasta R$ 329,12 mensais com a nova tarifa – um aumento de R$ 22,88 no orçamento em relação ao preço anterior

O cálculo não leva em conta o uso de vale-transporte ou outros benefícios por julgar que, mesmo assim, a medida funciona como termômetro do custo do transporte na cidade

Do Estadão