Trump está cercado de idiotas

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Leia a coluna de Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Donald Trump e sua equipe de idiotas

Houve muitos desastres políticos ao longo da história dos Estados Unidos. Mas é difícil pensar em uma calamidade tão gratuita, um erro tão desnecessário, quanto a paralisação atual do governo federal.

E tampouco consigo pensar em outro desastre tão completamente pessoal, tão completamente causado por um um homem só. Quando Donald Trump disse a Chuck Schumer e Nancy Pelosi que “quem vai fechar o governo sou eu”, ele estava sendo completamente preciso —ainda que logo depois dessa afirmação tenha declarado que “e não culparei vocês por isso”, o que se provou mentira.

Ainda assim, nenhum homem é uma ilha, embora Trump se aproxime dessa definição mais do que a maioria de nós. Não há como compreender plenamente suas trapalhadas políticas sem reconhecer a qualidade extraordinária das pessoas com quem ele se cercou. E por “extraordinária”, claro, estou falando de uma falta extraordinária de qualidade. Lincoln formou uma equipe de rivais. Trump formou uma equipe de idiotas.

Se isso parece áspero demais, considere os recentes pronunciamentos econômicos de dois membros de seu governo. Como seria de prever, esses pronunciamentos envolvem falta de conhecimento sobre a economia —isso nem precisaria ser dito. O que é notável, porém, é a incapacidade de qualquer dos dois para seguir o roteiro. Eles não conseguem repetir direito nem as mendacidades usuais da direita.

A primeiro dessas pessoas é Kevin Hassett, presidente do conselho de assessores econômicos da Casa Branca, que recentemente teve de responder a uma pergunta sobre as dificuldades dos funcionários federais que não estão recebendo salários. Ninguém precisa ser especialista em relações públicas para perceber que é necessário expressar simpatia pelos trabalhadores, quer você a sinta de verdade, quer não. Afinal, há múltiplas reportagens sobre trabalhadores federais sem salário recorrendo a auxílio-alimentação e sobre a sugestão dada pela Guarda Costeira para que seu pessoal faça faça um bazar das coisas que não usam mais, e assim por diante.

A resposta certa, assim, envolveria expressar preocupação sobre os trabalhadores, mas colocar a culpa nos democratas, que se recusam a impedir a entrada de “estupradores de pele marrom no país”, ou algo parecido. Mas não: Hassett declarou que tudo está bem, e que os trabalhadores na verdade estão “levando vantagem” porque podem desfrutar de uma folga sem usar seus dias de férias.

Considere em seguida o que o apresentador Sean Hannity declarou sobre tributar os ricos. O quê? Você está dizendo que Hannity não é parte do governo Trump? Certamente é. Na verdade, a Fox News não é só a rede de TV do Estado, como seus apresentadores claramente têm mais acesso ao presidente, e influenciam mais suas decisões, do que o Departamento de Estado e o Departamento da Defesa.

De qualquer jeito, Hannity declarou que aumentar os impostos dos ricos prejudicaria a economia, porque “as pessoas ricas deixarão de comprar os barcos de que gostam para recreação”, e “elas vão deixar de tirar férias caras”.

Uhn… Não é essa a resposta que um conservador deveria dar. O conservador deve insistir em que os impostos baixos sobre os ricos os estimulam a trabalhar com muito afinco, e não que facilitam que tirem férias suntuosas. O conservador deve declarar que os impostos baixos os induzirão a economizar e a gastar dinheiro criando negócios, e não que os ajudarão a comprar iates novos.

Mesmo que razão real para ser a favor dos impostos baixos seja uma vida mais luxuosas aos seus amigos mais prósperos, não é isso que um conservador deve dizer em voz alta.

De novo, o ponto não é que as pessoas do círculo de Trump pouco se incomodam com a classe trabalhadora americana, e não se cansam de dizer asneiras —isso é esperado. O que espanta é que elas estejam tão fora de contato com a realidade que não sabem nem como fingir que se importam com a classe média, ou com quais bobagens deveriam dizer para sustentar esse fingimento.

O que há de errado com o pessoal de Trump, então? Por que eles não conseguem nem mesmo fingir populismo?

Acredito que haja duas razões, uma genérica do moderno conservadorismo e uma relacionada especificamente a Trump.

Quanto à razão genérica: ser um conservador moderno é passar a vida dentro do que efetivamente constitui um culto, com pouca exposição a ideias ou formas de expressão externas. Dentro do culto, o desprezo pelos americanos da classe trabalhadora é generalizado —basta lembrar Eric Cantor, então líder da maioria republicana na Câmara dos deputados, que celebrou o Dia do Trabalho com elogios aos patrões. Outro fator é a adoração à riqueza. E pode ser difícil para os membros do culto lembrar que não deveriam falar assim com as pessoas de fora.

E há o efeito Trump. Normalmente, trabalhar para o presidente dos Estados Unidos é algo que ajuda na carreira posterior, algo que cai bem em qualquer currículo. Mas a presidência de Trump é tão caótica, corrupta e potencialmente comprometida pelos envolvimentos internacionais do presidente que qualquer pessoa associada ao governo termina maculada —o que explica por que, em apenas dois anos, Trump já deixou em sua esteira uma trilha de homens destruídos e reputações arruinadas.

Assim, a esta altura, quem se dispõe a servi-lo? Apenas pessoas sem reputação a perder, em geral porque essas pessoas são bem ruins naquilo que fazem. Sem dúvida existem conservadores inteligentes e dotados de autocontrole suficiente para mentir plausivelmente, ou ao menos para preservar alguma possibilidade de negação, e defender as políticas de Trump sem que sejam vistos como idiotas. Mas essas pessoas escolheram se esconder.

Um ano atrás, apontei que administração Trump estava se tornando um dos piores e mais burros  governos. De lá para cá, as coisas se tornaram ainda piores e ainda mais burras. E ainda não chegamos ao fundo do poço.

Da FSP