Boaventura de Sousa Santos: crise da democracia está nas fábricas de produção do ódio, do medo e da mentira

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Duas perversões ameaçam a democracia no mundo hoje. Na economia, a imposição do neoliberalismo, e na política, o crescimento da extrema-direita. Segundo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, ambas se assentam nas fábricas de produção do ódio, do medo e da mentira. As soluções passam pelo fortalecimento da educação pública, da democracia participativa e pela união das forças de esquerdas. “A dominação é articulada, a resistência é fragmentada”, alertou o professor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Segundo Boaventura, as estruturas de dominação econômica e ideológica “estão a fazer de nós próprios empreendedores do medo, do ódio e da mentira”. O ódio desclassifica o adversário, “com o qual não devemos conversar, mas liquidar”. O medo nos faz perder a esperança. Já a produção de “ideias e fatos alternativos”, as chamadas fake news, inibem a busca pela verdade na política.

Em conferência intitulada A Crise da Democracia, realizada nesta segunda-feira (11) no Instituto Cultural Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Boaventura defendeu a edição de uma “nova declaração dos Direitos Humanos” para combater essas três fábricas insanas, que além dos direitos consagrados na declaração aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 1948, inclua também “os direitos humanos dos ecossistemas” e o “direito à memória e a história”, entre outros valores.

“O drama do nosso tempo, que a democracia até agora não foi capaz de enfrentar, é que a dominação atua articuladamente”, afirmou Boaventura. À exploração capitalista, somam-se as estruturas de dominação colonial e do chamado “heteropatriarcado”.

“Não vivemos em sociedades capitalistas apenas. Vivemos em sociedades colonialistas e patriarcais. O colonialismo não desapareceu, como tendência, apenas mudou de forma. Continua hoje no extermínio do jovem negro, no racismo.” Já a dominação patriarcal, segundo o professor português, é a causa da explosão de casos de feminicídio, no Brasil, e o que faz com que Jean Wyllys tenha que se refugiar, para evitar as ameaças de cunho homofóbico e machista.

“É preciso defender a educação e a universidade pública. Não é por acaso que, em todos os regimes autoritários, o primeiro alvo é sempre a educação. Porque é a educação que luta exatamente contra as fábricas. A do ódio, com o convívio democrático; do medo, com a esperança; da mentira, com a busca da verdade”, defendeu o professor.

Outro fator importante para o fortalecimento da democracia é que os partidos políticos do campo da esquerda precisam retomar o contato direto com as pessoas, em especial com as populações das periferias. “Os partidos deixaram de saber falar com as pessoas na linguagem que elas entendem”, disse Boaventura, que defendeu a transição do atual esquema partidário burocratizado para um novo modelo de “partido-movimento”, com mecanismos de participação direta na definição das agendas e na escolha de candidatos.

Ele também defendeu a unidade do campo da esquerda, citando como exemplo a sua pátria natal. Em Portugal, desde 2015, os partidos Socialista, Comunista e o Bloco de Esquerda governam juntos, no modelo de concertação conhecido como “geringonça”, que vem conseguindo avanços sociais e econômicos importantes, bloqueando a pressão do mercado por reformas neoliberais.

Por fim, para responder à dominação, Boaventura defendeu a íntima articulação das pautas da esquerda. “Os sindicatos, quando foram anticapitalistas, muitas vezes foram racistas e sexistas. Os partidos de esquerda na América Latina foram racistas contra indígenas e negros. O movimento feminista muitas vezes esqueceu-se de ser anticapitalista e antirracista. E o movimento negro esqueceu-se de ser anticapitalista e antissexista”, alertou.

Da RBA