Colégios civis que fazem seleção de alunos têm desempenho similar aos colégios militares

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Menino de cabelo curto, sem brinco, e meninas de coque. Todo mundo de farda. Cantar o hino nacional é tarefa diária e, na entrada e na saída, os alunos têm de estar enfileirados, em posição de sentido, sob o comando de um policial com arma no coldre.

Dis-ci-pli-na. Essa é a palavra de ordem nas escolas militares. O modelo tem crescido nas redes públicas, com apoio de familiares e estudantes, e é uma das apostas do governo Jair Bolsonaro (PSL) para a área de educação.

Essas escolas ganharam destaque nos últimos anos por alcançarem indicadores educacionais positivos e atacarem o problema da indisciplina. Por outro lado, educadores questionam a militarização da educação pública.

Os dados mostram que essas unidades não são uma panaceia. Os resultados delas são compatíveis com os de outros sistemas públicos de perfil semelhante, como algum tipo de seleção de estudantes, mas sem a rigidez militar.

A Folha cruzou dados das médias do Enem 2017 por escola. Segregou as unidades por perfil socioeconômico, tipo de militarização e porte (só comparou unidades com mais de 61 alunos no 3º ano do ensino médio).

Escolas militares têm desempenho similar ao de unidades com perfil parecido. Acima da média, centenas de colégios estaduais com alunos do mesmo perfil socioeconômico têm resultado melhor.

Quase seis em cada dez colégios militares com médias no Enem têm alunos nos três maiores altos níveis socioeconômicos (em uma escala com sete níveis). O perfil socioeconômico dos estudantes é essencial para o sucesso escolar: quanto mais alto, melhores os resultados.

Os institutos federais de ensino médio têm média superior à das escolas ligadas à Polícia Militar. A rede federal também faz seleção, em alguns casos com sorteio. Com gasto por aluno mais alto, tem enfrentado, por outro lado, drásticas reduções de verba nos últimos anos e problemas com infraestrutura e professores.

Ao levar em conta escolas com nível socioeconômico médio, que agrupa o maior número de unidades analisadas, os institutos federais têm média de 557 pontos, enquanto escolas estaduais ligadas à PM aparecem abaixo, com 524,6.

Já as estaduais (não militares) têm média mais baixa, de 498,9. Mas essa é a média de 3.578 unidades —356 dessas escolas têm resultados melhores do que o das militares.

Nem toda escola chamada de militar é ligada às Forças Armadas. São 13 as unidades ligadas ao Exército. Elas reservam vagas para familiares de militares e fazem seleção.

As 12 com médias do Enem calculadas têm alunos com nível socioeconômico “muito alto”. A nota delas é levemente superior à média dos nove instituto federais com o mesmo porte e perfil de aluno.

Já nas escolas com parceria da PM ou Bombeiros, o modelo varia a cada estado. Algumas cobram taxas para a farda. As vagas em geral são sorteadas, mas há unidades com provas e cotas para filhos de PMs. Ao contrário das escolas do Exército, seguem o currículo da secretaria de Educação.

Além da discussão sobre indicadores, especialistas questionam se escola é lugar de polícia e se as regras e o clima colaboram para uma formação integral. Em 2015, o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU divulgou informe em que expressa preocupação com o avanço dessas unidades no Brasil.

Para Maria Helena Guimarães de Castro, que integrou o MEC nas gestões FHC e Temer, essas escolas não atendem aos desafios do país. “É preciso melhorar a qualidade e equidade do sistema. A proposta de escola militar é mais um projeto sem que a gente enfrente os desafios reais”.

Capitão reformado, Bolsonaro pretende impulsionar a criação de escolas militares. Durante a campanha, falou em criar uma em cada estado.

No início do ano, uma reformulação do organograma das secretarias do MEC (Ministério da educação) incluiu a promoção de parcerias com a PM, Bombeiros e também com o Exército. A pasta não respondeu aos questionamentos da Folha sobre como será o projeto, mas o sistema deve ser de adesão voluntária.

Mesmo ainda sem ação federal, as escolas militares avançam. Até 2015, eram 93. Em 2018, o número subiu para 120 em ao menos 22 estados, e continua a crescer.

No Distrito Federal, o início de uma parceria de gestão com a PM em quatro escolas públicas provocou turbulência neste ano. O sindicato dos professores é contra, mas a iniciativa tem apoio de docentes das escolas escolhidas. O clima piorou quando cobriram de tinta um grafite de Nelson Mandela na escola Centro Educacional 1 da Estrutural, uma das unidades com o novo modelo. Após repercussão, o grafite foi refeito.

Para os apoiadores, a gestão da disciplina pela PM irá favorecer o tempo de aula. “Tenho preocupação que a escola não seja excludente, mas já dá pra ver a diferença na postura dos alunos”, diz a professora de artes Leila Firmino, 49.

Cada escola dessas conta com R$ 200 mil para reformas e a presença de 25 policiais. Elas atenderão alunos do 6º ao 9º ano, com vagas distribuídas por sorteio.

A diretora Estela Acioly, 43, diz que a unidade sofre com a violência do entorno. “Temos esse projeto para melhorar aprendizado e abandono, independentemente se for a PM. Até então ninguém tinha oferecido outro modelo.”

A gestão Ibaneis Rocha (MDB) quer chegar a 40 escolas com esse perfil (de um total de 693) e tem reforçado que essa será só uma opção. “O objetivo é oferecer modelos pelos quais a indisciplina e insegurança sejam afetadas de forma positiva”, diz Mauro Oliveira, da pasta da Educação.

No Paraná, os colégios geridos pela PM chegarão a sete até 2020. Hoje são quatro e, em 2017, havia só um.

Para o estudante Maycon Douglas da Rocha, 17, o diferencial não está nos professores ou na estrutura, mas nos alunos. “O objetivo de quem está lá é estudar”, disse. “E funciona, porque a disciplina é rígida.”

Ele cursou o último ano do ensino médio no recém-inaugurado colégio da Polícia Militar em Londrina (PR). A conversão militar ocorreu no ano passado, com aval da comunidade. Os estudantes circulam com fardas e o silêncio impera nos corredores no horário de aula —algo incomum numa escola com centenas de adolescentes.

Metade das vagas são reservadas a filhos de PMs; as outras são destinadas a quem passa num processo seletivo. Mas os alunos do antigo colégio puderam permanecer —e boa parte ficou.

“Claro que o teste classificatório ajuda [no bom desempenho das escolas militares]. Mas há outros fatores também”, diz o major Marcelo Toniolo, 47, diretor do Colégio da Polícia Militar de Curitiba.

Para ele, além da disciplina, colabora o engajamento da comunidade, que arrecada dinheiro em prol da escola. “Agora, dizer que todos os colégios deveriam ter disciplina militar, acho um pouco de exagero.”

Nos colégios da PM paranaense, os alunos entram com 30 pontos de comportamento. Dependendo do que fazem ou deixam de fazer, recebem memorandos positivos ou negativos, que somam ou descontam pontos do total.

Se zerar o saldo, o estudante pode ser expulso. Mas, se tem boas notas, ganha medalhas e vira comandante de turma.

Da FSP