Em relatório de inspeção, Vale foi recomendada a fazer reparo em barragens

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Responsável por inspecionar a barragem do Córrego do Feijão, que se rompeu no dia 25 de janeiro matando 134 pessoas e deixando outras 199 desaparecidas (segundo o boletim mais recente, desta segunda-feira, 4), a empresa alemã Tüv Süd fez uma série de recomendações à Vale, empresa mineradora que controlava as instalações, para melhorar a segurança do reservatório. As informações constam em dois relatórios de mais de 350 páginas produzidos em junho e setembro do ano passado, aos quais VEJA teve acesso. Entre as medidas, as principais eram a instalação de novos piezômetros, equipamentos que medem a pressão interna da barragem, em locais fora da cobertura dos outros já em operação; e a colocação de instrumentos que identificam abalos sísmicos na base da estrutura – abalos que poderiam ser provocados por explosões na mina e pelas obras de descomissionamento.

No dia do desmoronamento, quatro funcionários da empresa Geocontrole operavam uma sonda de perfuração no topo da barragem para a instalação dos novos piezômetros. A sonda foi tragada pelo rompimento do dique de contenção. Os quatro funcionários da Geocontrole só sobreviveram porque haviam ido almoçar fora no momento do desabamento – a empresa havia iniciado as sondagens havia três semanas e seus funcionários ainda não tinham autorização para almoçar no restaurante da mineradora. A mesma Geocontrole perdeu dois funcionários no desastre de Mariana, em 2015, no rompimento da barragem do Fundão.

Os documentos da Tüv Süd eram assinados pelos engenheiros Makoto Namba e André Yum Yassuda, que foram presos na terça-feira, 29, sob suspeita de crime ambiental, falsidade ideológica e homicídio qualificado com dolo eventual, negligência. O advogado deles, Augusto de Arruda Botelho, afirma que os mandados de prisão temporária foram “desnecessários” e “ilegais” e que a juíza de Brumadinho não levou em conta as ressalvas e recomendações feitas pelos engenheiros à Vale nas centenas de páginas dos dois relatórios. “O Ministério Público só apresentou a última folha do relatório (que atestava a segurança da barragem). Isso foi feito apenas para se ter uma pseudosensação de que se está fazendo alguma coisa”, disse ele. Botelho está entrando hoje com um pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça.

Nas conclusões, os engenheiros da Tüv Süd certificavam que a barragem estava em “condições adequadas” e cumpria a legislação vigente. Mas, além das recomendações, faziam algumas ressalvas: “Ainda são necessários desenvolvimentos, uma vez que análises de Equilíbrio Limite não consideram o comportamento tensão-deformação do rejeito e é este que controla o fenômeno físico de liquefação”, diz o texto. A liquefação ocorre quando, por algum fator externo, geralmente uma vibração muito forte, a parede de contenção da barragem sólida fica mais líquida e desmorona – pelas imagens divulgadas na última semana, esta foi a principal hipótese levantada como causa do incidente.

O documento também elenca uma série de “anomalias” na estrutura da barragem verificadas pela própria Vale em 2016 e 2017. São elas: assoreamento de canaletas (acúmulo de terra ou sedimento nas canaletas que drenam a barragem), trincas na parede de descida d’água, existência de erosões superficiais, formação de cupinzeiros e formigueiros, presença de vegetação no canal do sistema extravasor, vazamento na tubulação de água para a comunidade.

A empresa considerou, no entanto, que não foram detectadas “anomalias relevantes” e que a Vale apresentou planos de ação para resolver esses problemas. “A partir do que foi verificado em campo, conclui-se que a estrutura se encontrava em condições adequadas de segurança tanto do ponto de vista de dimensionamento das estruturas hidráulicas quanto da estabilidade física do maciço”, diz o relatório.

A barragem do Córrego do Feijão seguia o modelo de construção “a montante”, no qual novas paredes são levantadas (o chamado “alteamento”) com o próprio acúmulo de rejeitos de mineração. Um problema apontado pela Tüv Süd diz respeito à documentação dos dez alteamentos que foram feitas na barragem ao longo dos últimos anos. Segundo a empresa, “as informações disponíveis não são confiáveis ou inexistem em especial no que diz respeito ao sistema de drenagem interna e caracterização física e mecânica dos materiais”. Na inspeção in loco feita pela empresa em agosto de 2017, os técnicos também encontraram animais na área da barragem, o que não poderia acontecer; e a presença de um lago ao fundo do reservatório.

Da Veja