Haddad afirma que pauta moral serve para encobrir medidas antipovo de Bolsonaro

Todos os posts, Últimas notícias

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad participou de uma entrevista ao vivo na manhã desta terça-feira, com a TV 247, na qual falou por mais de 1h30 sobre temas como a tática do atual governo para impor medidas neoliberais, a necessidade de manter o diálogo com o campo de centro-esquerda e não abandonar as instituições, mas lutar por sua melhoria, além de reafirmar a ilegalidade da prisão de Lula.

“O neoliberalismo, em um país periférico e desigual como o Brasil, não sobrevive sem o complemento espiritual”, afirmou Haddad, explicando porque o atual governo precisa de uma pauta moral para mascarar suas medidas antipovo.

“Imagina chegar na TV e dizer que vai vender tudo, as empresas estatais, acabar com benefícios, diminuir a aposentadoria. Você vai dizer que existe marxismo cultural, que existe complô internacional. Uma agenda como essa não sobreviveria”, afirmou o ex-prefeito de São Paulo e candidato do PT nas Eleições de 2018.

“Essa agenda não sobreviveu nos tempos do FHC, Temer e Collor. Os três vieram com essa agenda econômica, cada um á sua maneira, e ela não sobrevive. Ele vem com essa agenda de maneira mais radical, para dizer que você vai ser pobre mas seu filho não vai ser gay”, complementou, referindo-se a Bolsonaro e a parcela de sua equipe que classifica como obscurantista, incluindo aí Damares Alves, Ricardo Vélez Rodríguez e Ricardo Salles.

Ele ainda destacou que “está se criando um ambiente onde o artista é perigoso, o cientista é perigoso, a ciência é tratada como sacrilégio. E os educadores são tratado como problema. Um país onde os inimigos públicos são esses, tudo está em risco”.

Durante a entrevista, Haddad confirmou que irá fazer viagens pelo Brasil, mas que diferente de Lula, que ficou conhecido pelas caravanas da cidadania, ele pretende ser um estimulador de debate sobre os rumos do país.

“O que estamos construindo é uma rodada de discussão. Existem retrocessos colocados pra saúde, toda a luta antimanicomial pode ser colocada no lixo, na educação basta ver a entrevista do ministro na estreia. Colocar o educando contra seu professor, imaginar que a educação vai melhorar. Direitos Humanos, meio ambiente, é um festival. O Brasil quer discutir, a universidade quer discutir, e eu posso estar nesses ambientes promovendo esse debate”, disse.

Haddad destacou a importância de saber dialogar com a população, incluindo segmentos que votaram contra o PT ou que já apoiaram o partido e nas últimas eleições fizeram outra opção. Ele também destacou que na sociedade como um todo, é possível construir duas frente de ação: uma em defesa dos direitos civis e políticos, que pode incluir até mesmo setores liberais, e outra pelos direitos socioeconômicos, que seria mais focada na centro-esquerda.

“Em primeiro lugar, é preciso não cair no erro grosseiro de que a igreja é um problema intrínseco. É um fenômeno sociológico da maior importância. Aqui muita gente leva a fé em conta para votar. É um fenômeno importante”, avaliou Haddad.

“O neopentecostalismo tem questões. Por exemplo, a doutrina da teologia da prosperidade, que é uma marca. É necessariamente ruim? Não acho. A pessoa que quer mais autonomia e é empreendedora não é ruim, a pessoa mais autônoma que quer mais liberdade, é boa para a esquerda. Quando isso é utilizado como forma de manipulação, temos um problema. Não se pode fazer política no pior sentido da palavra.”

Haddad lembrou que sempre haverá influência da religião sobre a vida das pessoas, por isso, “tem que dialogar”. “A gente é muito aferrado à tese do trabalho assalariado com carteira assinada. A gente no século XIX concebia formas alternativas de propriedade. Tem outras formas de organizar a produção. Porque não se abrir para o debate das novas formas de trabalho, pautado pela tecnologia, a industria 4.0. O trabalho está mudando e a gente fica prisioneiro do que a gente já condenou”, questionou ele.

No diálogo com o campo progressista, Haddad defendeu que é preciso “colocar os projetos pessoais no molho”. “Vamos recompor o campo com mais generosidade, se não formos generosos entre nós, a sociedade não vai abraçar o projeto”.

“Existem duas frentes de trabalho. Uma, que é mais ampla, dos direitos civis e políticos. Aí podemos contar até com liberais. Essa turma obscurantista, ninguém concorda com isso entre liberais. Podemos somar forças para conter esse tipo de coisa. Aí a outra frente é o debate socioeconômico, aí não podemos contar com liberais, que é mais do campo de centro esquerda. Mas a frente por direitos civis não é necessariamente só de centro-esquerda.”

Segundo Haddad, mesmo no PSDB, que foi arrastado por Dória para o campo da extrema direita, há quadros mais a esquerda que poderiam dialogar. “Hoje no PSDB tem inclusive uma esquerda que nos procurou no segundo turno para dar apoio. Tem gente no PV ou PPS que é de esquerda ou centro-esquerda, apesar dos partidos estarem alinhados com a centro-direita”.

“Sobre o Lula, quando alguém é acusado por corrupção, é preciso indicar qual a decisão que ela tomou que entrou em conflito com o interesse nacional, e qual vantagem ela recebeu em troca dessa decisão. Em nenhuma decisão sobre o Lula ficou sequer insinuado qual a decisão que ele tomou contra os interesses nacionais”, destacou Haddad, apontando que a decisão contra o ex-presidente carece de legalidade.

“Para além de tudo, sou advogado do Lula e por isso a tese não se sustenta. Não há indicação de um ato que ele tenha tomado contra o interesse nacional.”

Ele ainda avalia que “a situação é delicada, é preciso entender as questões técnicas, que é importante a população saber. Não podemos abdicar da questão institucional, mas não podemos abdicar da questão política. É se debruçar sobre o caso e dizer onde está o ponto. A sentença diz que Lula frequentou o sítio mais que o dono, fica implícito que o dono era outro. Nenhum delator disse que o Lula pediu as reformas”.

Ele reforçou que o caso não está consumado, tem discussão. “As vezes as pessoas falam que é uma teimosia. A pressão vai continuar, é desejo que esse assunto vire um tabu, mas não podemos deixar de falar sobre isso.”

Para Haddad, “há sinais claros no mundo de que há um germe de autoritarismo no ar”. Ele lembrou que muitos cientistas políticos vão na direção de que a democracia liberal não vai bem, que há algo de desfuncional. “E não tem a ver só com a política, o erro de muitos analistas é separar política e economia. Desde 2008 temos uma crise do neoliberalismo em escala global, que fez recrudescer um nacionalismo tosco, que pode regredir o que se avançou de direitos em 200 anos.”

Haddad lembra que o próprio neoliberalismo desregulamentou o mercado financeiro e permitiu bolhas especulativas em todos os mercados, como o financeiro, o imobiliário, de commodities. “Explodem as bolhas especulativas, e a explosão da nossa bolha é o início da recuperação das economias centrais. O núcleo orgânico do sistema começa a se recuperar em detrimento do nosso crescimento e da periferia como um todo. Mas a economia internacional vive uma desaceleração que não sabemos o tamanho: EUA, China, Alemanha. Os sinais preocupam no front econômico. É uma combinação que precisa ser vista globalmente”.

Segundo Haddad, “nós temos que reforçar o caráter democrático das instituições. Se elas não funcionam republicanamente, temos que fazer a análise e lutar pela melhora. Abandonar essa trincheira, isso não pode. Não se pode recair na dimensão formal do processo. Tem a dimensão material que é o encontro face a face com as pessoas. Tem que ir no sindicato, nas universidades”.

“Você não fica dando tapa nas instituições para ver se elas vão voltar ao normal. Você previne. Precisa botar uma cerca para mostrar onde tem que parar. Fico perplexo de ver minorias que se sentem protegidas pelo governo dizendo que não tem risco e outras minorias dizendo que apanham na rua. A intolerância é um processo social que você não doma.”

“É unanime que tecnicamente e conceitualmente não para em pé”, avaliou Haddad, sobre o pacote de leis de Sérgio Moro. “Mesmo doutrinariamente falando tem problemas reais. Você já tem bem configurado no Código Penal o que é legitima defesa e décadas de jurisprudência. A partir do momento que introduz elemento novo, que diz ‘sob forte emoção’ pode matar, qualquer um pode matar. Aí você introduz elementos que tornam a sociedade mais insegura”.

“Além disso, temos uma população carcerária enorme e vamos encarcerar mais. A perguntas que cabe é que existem muitos países que discutem alternativas. Não estamos passando a mão na cabeça de bandido, mas dizendo que existem casos de baixíssimo potencial ofensivo que ficam sendo adiados e são esquecidos. Tem vários casos que tem solução. O projeto não toca nisso, autoriza o Ministério Público (MP) a fazer tratados internacionais, passando por que crivo popular? Nem o Presidente da República pode fazer isso. Atribuiu uma competência ao MP que nem o presidente pode fazer”.

Do PT