Jean Wyllys: “agora posso andar livremente”

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Na mesma semana que parlamentares eleitos em 2018 tomavam posse em Brasília, o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), que abriu mão de assumir o terceiro mandato devido a ameaças que vinha recebendo, comemorava os pequenos hábitos que retomou com a mudança de país.

— Posso andar livremente pela rua sem escolta, viajar de metrô, ter uma vida social normal, sem ser ameaçado ou agredido na rua. Mas não é fácil e tem momentos em que fico triste, porque fui obrigado a me afastar da minha família, dos meus amigos, até dos meus livros, que ficaram no Brasil —  disse ele em entrevista ao GLOBO.

Wyllys recebia ameaças desde que chegou à Câmara dos Deputados, em 2011, mas foi a partir do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em março do ano passado, que sua vida mudou. Amigo de Marielle, ele passou a levar mais a sério as mensagens, já que ambos defendiam bandeiras muito parecidas, como os direitos da comunidade LGBT. Desde então, tratava seu endereço no Rio como um segredo de estado, só saída de casa escoltado e limitou a vida a compromissos de trabalho.

— Meu endereço precisava ser um segredo, então eu não podia nem pedir um delivery com meu nome. Não podia circular em outro veículo que não fosse o carro blindado, não podia sair de casa ou do escritório sem a escolta, porque quando você tem escolta, tem regras. Se eu quisesse ir à festa de aniversário de um amigo, eles tinham que me acompanhar. E não é agradável chegar numa festa escoltado. Então eu optava pela solidão de casa, quando não estava trabalhando. Eu falava para as pessoas mais próximas que eu me sentia em cárcere privado, sem ter cometido nenhum crime.

O medo e as ameaças tiveram reflexo na campanha de Wyllys, que em 2018 foi reeleito com 24 mil votos. Na eleição de 2014, ele havia sido reeleito com 144 mil votos. O ex-deputado relata que, por diversas vezes, teve que abortar sua presença em compromissos públicos devido a riscos detectados pelo esquema de segurança.

— Lembro uma noite que estávamos indo para Madureira [bairro do Rio], para um evento com a drag queen Suzy Brazil, e, no meio do caminho, por uma alerta de segurança, a escolta mandou a gente voltar. Eu tinha que aceitar, eles estavam fazendo o trabalho deles com profissionalismo, mas o efeito na campanha era péssimo, eu acabava furando compromissos. Tive que ligar pra Suzy e pedir desculpas, fiquei muito envergonhado. Fora o fato de que bastava eu estar nas ruas para ser insultado com violência por coisas que não fiz, mas que as fakenews diziam que fiz. Quase não consegui fazer a campanha. E isso teve impacto eleitoral.

O esquema de segurança também proibiu Wyllys de frequentar lugares como o morro do Borel, na capital fluminense. A medida impossibilitou que ele marcasse presença em atos da deputada estadual Mônica Francisco (PSOL-RJ), ex-assessora de Marielle com quem fez sua principal dobradinha na campanha. O Borel era o reduto de Mônica. O parlamentar seguia todas as ordens para manter não só ele, mas seus parentes em segurança. Como o GLOBO revelou, parte das ameaças direcionadas a Wyllys tinham dados de sua mãe e irmãos.

— É desesperador, porque se alguma coisa acontecesse à minha mãe ou aos meus irmãos, eu me sentiria culpado pelo resto da vida. Eles enviam as ameaças com cópia para os e-mails pessoais dos meus irmãos. Ninguém tem os e-mails deles, não são pessoas públicas, a maioria das pessoas nem sabe que eu tenho irmãos. Como eles conseguem essas informações? Como o ministro da Justiça não vê gravidade nisso? Como ele foi capaz de dizer em nota que as instituições fizeram algo? — disse Wyllys questionando o comunicado emitido pelo ministro Sergio Moro.

Depois de o parlamentar anunciar que não tomaria posse devido a ameaças e se queixar de que a Polícia Federal não se dedicou a investigá-las, o ministério da Justiça emitiu uma nota dizendo que a afirmação “não corresponde à realidade”. O mesmo comunicado dizia que foi possível identificar Marcelo Valle Silveira Mello, preso em 2018, como os dos autores das intimidações. Wyllys, que classificou a manifestação como “um desastre”, observou que as ameaças feitas contra ele tenham sido o motivo da prisão de Valle.

— Marcelo Valle foi preso por vários outros crimes, mas, embora ele fosse uma das pessoas que me ameaçava, isso não foi motivo da prisão. É como se amanhã o assassino da Marielle fosse preso, por acaso, num acidente de carro e, no momento da detenção, descobrissem provas de que foi ele. Não seria um bom resultado do trabalho das autoridades, mas apenas boa sorte. Nós já tínhamos denunciado essa pessoa, mas só foi preso quando se tratou de outro caso.

De O Globo