Para Fachin, projeto que pretendia filmar professores é ‘chamamento para inibir ideias’

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Ao proibir, liminarmente, o canal de denúncias contra professores aberto pela deputada estadual catarinense Ana Caroline Campagnolo (PSL), em suas redes sociais, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a parlamentar está ’emanando chamamento’ para ‘inibir’ a ‘manifestação livre de ideias’ na escola. O ministro suspendeu, na sexta-feira, 8, decisão de uma desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, por sua vez, derrubou despacho de um juiz que vetava a publicação do ‘canal de denúncias’ nas redes da deputada.

O ministro considerou que a decisão da desembargadora contraria a medida cautelar referendada pelo Plenário na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548, que assegura a livre manifestação do pensamento e de ideias em ambiente acadêmico.

Segundo Fachin, a decisão que mandou retomar a publicação da deputada ‘afronta’ o pronunciamento do Corte na ADPF 548, em que se proibiu que autoridades públicas estatais determinem, promovam ou permitam o controle e a fiscalização, por agentes estatais, da liberdade de expressão e de pensamento de professores, alunos e servidores dentro dos ambientes escolares.

“Ao conclamar os alunos a exercerem verdadeiro controle sobre manifestações de opinião de professores, a deputada transmite a ideia de que isso é lícito. Estimula-os, em consequência, a se sentirem legitimados a controlarem e a denunciarem manifestações político-partidárias ou ideológicas contrárias às suas”, destacou.

O ministro ainda diz que ‘a Deputada eleita, porquanto agente político estatal, assemelha-se (considerando o público a que direcionado: alunos em idade escolar) à autoridade pública (pois ela se dirige ao público, em sua página, nessa condição; encarnando, nessa qualidade e medida, parcela do Estado, presentando-o)’.

“E ainda que devessem ser de todos os cidadãos conhecidas as atribuições de cada Poder do Estado, e, por conseguinte, de cada membro seu, que os presentam, na realidade, uma deputada eleita se confunde e se assemelha, para fins de subsunção ao caso, à autoridade pública de quem está emanando chamamento para a prática de ato (convocação a que todos os alunos sejam fiscais da manifestação de pensamento alheia e que denunciem as ideias e ideologias diversas das suas) que justamente iniba, fiscalize e controle a manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários (neste caso: escolares)”, anotou.

Ministério Público

A decisão de Fachin acolheu recurso do Ministério Público Estadual de Santa Catarina, que afirmou que a parlamentar incitava ‘os estudantes catarinenses a filmar, gravar e denunciar manifestações de professores que emitissem opiniões contrárias ao então Presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, inclusive remetendo tais “denúncias” a linha de telefone específica’.

“Trocando em miúdos, o conteúdo veiculado não foi de índole geral, tampouco instrutiva, mas ao intento de estimular estudantes de todo o Estado de Santa Catarina a filmar ou gravar professores que emitissem opinião discordante daquelas defendidas pelo Presidente então eleito”, sustentou.

Logo após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições 2018, a parlamentar abriu um canal informal de denúncias na internet para fiscalizar professores em sala de aula.

Ana Campagnolo sugeria que vídeos e informações fossem repassados para o seu número de celular com o nome do professor, da escola e da cidade. “Garantimos o anonimato dos denunciantes”, diz a imagem compartilhada pela deputada em uma rede social.

Decisões

Em novembro, o juiz Giuliano Ziembowicz, da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, determinou ‘a retirada imediata’ do conteúdo por entender que ‘ao recomendar a realização de filmagens nas salas de aula’, representa exploração política dos estudantes, pois está ligada à intenção de deles tirar proveito político-ideológico, com prejuízos indiscutíveis ao desenvolvimento regular das atividades escolares’.

Já em janeiro, a desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta concedeu à deputada efeito suspensivo. Em sua decisão ela afirmou que ‘o que está em jogo, não é a defesa de um ou de outro projeto de Lei, ou seja, até onde vai a liberdade do professor de ensinar e expor as suas crenças, mas, o direito do aluno que se sentir ofendido ou humilhado em sua liberdade de crença e consciência de se utilizar dos meios de provas disponíveis para fazer defender a sua integridade’.

A magistrada ainda afirma que a ‘denúncia dirigida ao deputado não é ilegal, antes se trata de garantia constitucional assegurada ao cidadão e, sob outro prisma, de dever funcional mesmo de qualquer membro da Assembleia Legislativa no tocante a sua atribuição de fiscalização dos atos do poder executivo’.

“Se o aluno tem a prerrogativa de denunciar a prática de ofensas em proselitismo político em sala de aula, tem, por óbvio, o direito de documentar a infração cometida. Quem tem os fins tem também os meios”, concluiu.

A desembargadora ressalta que ‘está na hora de se discutir o monitoramento em salas de aula, onde vicejam as mais diversas agressões, sejam físicas, morais, de crença e de consciência, já não fosse suficiente o bullying’.

‘Perseguição ideológica’

Historiadora, Campagnolo processou a professora Marlene de Fáveri, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), e sua ex-orientadora no mestrado, em 2016, por suposta ‘perseguição ideológica’.

O caso, que marcou as discussões sobre o movimento Escola Sem Partido, foi julgado improcedente em setembro deste ano pelo 1.º Juizado Especial Cível de Chapecó (SC), mas a atual deputada recorreu.

Do Estadão