Shopping de luxo em SP quer apreender crianças pobres e entregar para PM

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O bairro nobre de Higienópolis , em São Paulo, está envolvido em mais uma polêmica. Depois de declarações contrárias à construção de uma estação de metrô no bairro para, segundo uma moradora, evitar a movimentação de “gente diferenciada” , desta vez o shopping Pátio Higienópolis decidiu entrar na Justiça para que seus seguranças tenham autorização para apreender crianças e adolescentes desacompanhados. O pedido teve como alvo meninos e meninas em situação de rua, acusados pelo shopping de praticar “atos de vandalismo, depredação, agressão, furtos e intimidação de frequentadores”.

O shopping é também frequentado por crianças e adolescentes moradores do bairro, inclusive alunos de colégios tradicionais como o Sion e Rio Branco, mas o alvo do pedido foram menores em situação de rua — muitos deles vivem sob o Minhocão, um viaduto nas proximidades do estabelecimento.

Além de pedir autorização para que seus seguranças apreendam menores e entreguem à Polícia Militar, a administração pediu que o Conselho Tutelar inspecione periodicamente o shopping a fim de constatar a presença de menores em situação de rua e adotar as medidas pertinentes.

A juíza Monica Arnoni, da Vara da Infância e Juventude, negou o pedido e afirmou, na sentença, que, se crianças e adolescentes praticarem ato infracional, independentemente de estarem em situação de rua, podem ser apreendidos de acordo com as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o que torna desnecessária qualquer autorização prévia da Justiça.

Porém, segundo a sentença, o pedido do shopping incluiu também autorização para apreender crianças e adolescentes que não estejam na companhia de seus pais ou responsáveis, que estejam esmolando ou simplesmente caminhando em sentido contrário na escada rolante.

“Genuína higiene pessoal”

Na avaliação da juíza, o shopping busca “um salvo-conduto para efetivar no estabelecimento uma genuína higiene social”, e o pedido lembra a doutrina Separate But Equal (Separados mas iguais), que pregava que todos eram iguais, mas permitia a segregação racial nos Estados Unidos. Ela lembra que o shopping é um local privado aberto ao público, e por isso deve permitir a circulação de qualquer pessoa “sem qualquer tipo de segregação ou preconceito”.

“A simples presença física do outro que não é igual ou não segue o ideal de normalidade que se convencionou para o referido shopping center não legitima o pedido de autorização para apreensão de crianças e adolescentes, chamadas repetidamente pelo requerente de “em situação de rua”, indicando atitude discriminatória e ilegal”, afirma a magistrada.

A juíza diz ainda que a suposta preocupação com a segurança dos menores — que se debruçam nas escadas rolantes e sobem em sentido contrário — parece querer ocultar o incômodo que eles causam nos frequentadores e na administração do shopping. Monica Arnoni lembrou que o shopping tem capacidade econômica para criar programas de auxílio aos que “não se enquadram no desejável público de frequentadores do empreendimento”.

Shopping vai recorrer

O advogado Daniel Bialski, que representa o Pátio Higienópolis, afirmou que a intenção do shopping é apenas alertar o poder público e evitar problemas para seus frequentadores e seguranças, que terão de agir se houver indícios de atitudes suspeitas, atos obscenos, de intimidação ou desrespeito. Segundo ele, o shopping é aberto ao público, mas é um espaço privado, que age com civilidade e espera que seus frequentadores tenham o mesmo tipo de comportamento.

— Vamos recorrer a todos os canais competentes, ao Tribunal de Justiça e aos órgãos correicionais. Essas crianças e adolescentes causam um transtorno e insegurança enorme aos frequentadores. Queremos evitar ocorrências. O shopping é frequentado por moradores do bairro, que vem a pé e se sentem intimidados — afirmou o advogado.

Bialski disse que não há qualquer tipo de preconceito ou segregação por raça, cor, religião ou qualquer outro tipo de discriminação.

— O problema é quando as crianças ficam fazendo arruaça. Infelizmente pegamos um juíz com uma cabeça diferente. O que queremos é evitar problemas. Se tiver ocorrência dentro do shopping o poder público não vai se responsabilizar. O responsável será o shopping. Se infringirem a ordem (os seguranças) vão agir, e com todo o direito — afirmou.

Em 2010, um grupo de moradores de Higienópolis se opôs à construção de uma estação do metrô na principal avenida, a Angélica. Uma das moradoras argumentou, em entrevista, que o metrô atrairia “drogados, mendigos e uma gente diferenciada” que costuma ficar perto das estações. A declaração causou polêmica e revolta e deu origem a protesto batizado de “gente diferenciada”. A estação de metrô não foi construída no local inicialmente projeto, mas em outra área mais distante dos prédios de luxo do bairro.

De O Globo